“Lixo inspira”: gari de Goiânia grava 77 músicas e se destaca no rap
Conhecido como Yelow, rapper diz que fez “várias letras no topo da montanha do lixão” no aterro sanitário e destaca influência da periferia
atualizado
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Goiânia – Com vassoura, rastelo ou enxada nas mãos, o gari Rhafael Moisés Pereira dos Santos, de 38 anos, pode até passar despercebido na rua vestido com seu uniforme de trabalho. Ele, porém, tem usado o rap para lutar contra discriminação e romper a invisibilidade, enquanto atua na limpeza urbana de Goiânia.
O gari artista tem 77 músicas gravadas, 11 clipes lançados e vinheta que é tema de série nacional independente.
Nascido e criado no Jardim Nova Esperança, periferia na região noroeste da capital, o homem do uniforme alaranjado e verde passou a chamar atenção na cidade por transformar poesia urbana em músicas de rap. Conhecido como “Yelow”, ele produziu algumas canções durante o expediente no aterro sanitário de Goiânia, onde começou a se destacar como rapper.
O gari tem músicas em coprodução com outros rappers independentes de Goiânia e também dois álbuns solo, como o P.A.T.O.M. – batizado com as iniciais da expressão “por amor e tantos outros motivos”.
A seguir, ouça as músicas mais tocadas do rapper.
“Topo do lixão”
“O lixo me inspira. Já fiz várias letras de rap no topo da montanha do lixão no aterro sanitário”, disse o gari ao Metrópoles.
Hoje, não é diferente. “A inspiração vem na rua. No intervalo, escrevo no celular e vou decorando. É na rua que acontece”. Ele trabalha na Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) há 13 anos.
Rhafael começou a se destacar como rapper ao trabalhar no aterro sanitário, onde ficou por seis anos e chegou a gravar um de seus clipes. Depois, ele ainda trabalhou quatro anos na limpeza pública, dois na coleta orgânica e dois na varrição. Hoje, ele atua na equipe de poda e corte de gramas. O rapper disse que sempre busca tirar do lixo uma lição.
Veja, abaixo, clipe no Aterro Sanitário de Goiânia.
“Tem gente que trata o outro como lixo, mas até o lixo pode ser tratado e reaproveitado. Muitas vezes, pessoas com depressão, vício em álcool e drogas, outros problemas ou algum tipo de necessidade são discriminadas, mas, na verdade, precisam é de ajuda, não importa de onde venha”, afirmou ele. “O rap tem a função de mostrar que todos são importantes na sociedade”.
Série nacional
O gari conquistou mais um impulso para sua carreira em 2018, ano em que escreveu e cantou a vinheta da série juvenil nacional “Meu skate não é enfeite”, exibida, na época, na TV Brasil, e que hoje está disponível no Youtube. A produção aborda a história de um coletivo de skatistas goianos em luta pela manutenção de pista de skate importante para a comunidade.
Veja, abaixo, episódio da série nacional independente.
“O nome da série é uma frase da minha música. Fizemos participação especial em um episódio, além de show”, afirmou o rapper. “Minhas letras falam de autoestima, busca por sonho e cuidado que as pessoas devem ter ao fazer escolhas. Mostram também que, apesar de dificuldades, a periferia tem várias pedras talentosas que precisam ser lapidadas”.
O gari disse que encontrou na arte uma alternativa para contribuir com a sociedade. Mais velho de cinco filhos, ele afirmou que tentou seguir nos estudos, mas trancou o curso de educação física, logo depois de cursar o primeiro período, por falta de condição de pagar faculdade. “Estava bem puxado para manter as mensalidades em dia”, lembrou.
“Periferia é meu lar”
Além de se dedicar à limpeza urbana, o gari hoje integra coletivo de rappers chamado Wu-Kazulo, nome em alusão ao casulo, que, segundo ele, simboliza o processo de acolher as pessoas, independentemente da condição social.
Pai de uma adolescente de 14 anos e de um bebê que deve nascer até o próximo mês de julho, o rapper espera influenciar mais pessoas a se tornarem artistas na sua comunidade, onde, na infância, teve contato com hip-hop após fazer manobras com coletivo de skatistas. Ele diz ser grato a outros artistas, como Ras Tibuia e Saggaz, com quem produziu algumas músicas na periferia.
“Periferia é meu lar, tudo que tenho, exemplos bons. Aqui, aprendi a malandragem da vida, no bom sentido, a não desistir nunca, a saber andar pelas ruas, a captar os olhares e a cultivar as amizades. Aqui, aprendi a valorizar o ser humano”, assevera Rhafael.
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