LGBTIfobia: 3 anos após criminalização, pauta não avança no Congresso
Ao menos 13 projetos sobre o tema foram apresentados e engavetados. Especialista vê “má vontade” do parlamento
atualizado
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Nos últimos 11 anos, ao menos 13 projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados e no Senado tentaram criminalizar ou endurecer penas para quem comete discriminação contra pessoas da comunidade LGBTI+. No entanto, nenhum deles avançou.
Em 2019, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a omissão do Congresso em não legislar sobre o tema e equiparou a LGBTIfobia ao crime de racismo. A decisão visa punir ataques e ofensas contra a comunidade até que se edite uma lei acerca da questão. Entretanto, isso não parece nem perto de acontecer. A legislatura atual é considerada a mais conservadora dos últimos tempos, formada em parte por parlamentares defensores da chamada “família tradicional” (formada por homem e mulher) e religiosos.
Mas o problema não é novidade. Desde 2001 há propostas para combater a violência contra a comunidade. O PL 5452/2001, da então deputada Iara Bernardi (PT), por exemplo, proibia a discriminação relacionada à orientação sexual e outros tipos de preconceitos para o provimento de cargos em empresas públicas e privadas. É o projeto mais antigo sobre o tema em tramitação na Câmara.
Ele acabou anexado ao PL 6418/2005, que tipifica os crimes de discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. A proposta está pronta para ser votada no plenário desde novembro de 2021, mas nunca foi apreciada. A maioria dos projetos apresentados tiveram o mesmo fim: apensados a outras propostas semelhantes, que acabaram engavetadas.
Já em 2019, o PL n° 672 até chegou a ser aprovado no Senado, antes mesmo da decisão do STF, mas terminou arquivado ao chegar na Câmara.
Paulo Iotti, advogado e diretor-presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, vê “má vontade” do parlamento em legislar sobre o tema. “O Congresso é institucionalmente homotransfóbico, pois sua omissão visa negar direitos e proteção à população LGBTI+”, afirma o especialista. “[os projetos] Não avançam por pura falta de vontade política”, avalia.
Iotti foi responsável pela ação que resultou na criminalização pelo STF. Ele sustenta que o ato foi fundamental para que os estados e a Justiça passassem a agir sobre crimes de cunho LGBTIfóbicos. Além disso, em relação à população em geral, criou-se “uma consciência generalizada de que a homotransfobia não pode ser praticada por ser crime”.
No entanto, ainda há muito a ser feito. O último dossiê do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ aponta que em 2021 foram registradas 316 mortes causadas pela violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil. Em relação a 2020, houve um aumento de 33,33%.
Para o advogado, a legislação traz mais segurança jurídica e atua como elemento educador. “Uma lei específica deveria falar expressamente da repressão à manifestação do afeto entre pessoas do mesmo sexo nos mesmos termos em que admitido entre pessoas de sexos opostos, o desrespeito ao nome social e ao uso de banheiro por pessoas Trans de acordo com sua identidade de gênero, entre outras situações”, pontua Iotti.
“Isso é abarcado hoje pelo crime geral de prática de discriminação racista do art. 20 da Lei 7716/89, mas especificações mais precisas sempre ajudam na educação da sociedade na não-realização de tais condutas.”
Legislação mais ampla
A presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, considera que no contexto atual é improvável que a pauta avance no Congresso. De acordo com ela, nos últimos anos, as investidas para tentar criar o aparato legal esbarraram em entraves.
“Todas as vezes se abre esse debate, eles [conservadores] investem em cima da polêmica, distorcem os fatos, colocam diversas polarizações. É bem complicado”, relata.
Ela defende que as leis que já existem e visam combater diferentes violências, acabam não contemplando a população LGBTI+ em sua totalidade, pois existem particularidades que não são abarcadas pelos dispositivos, sobretudo quando se trata de mulheres e homens transexuais e travestis.
“É uma população que está muito distante da tal inclusão social que a gente quer e pensa. A gente ainda está muito refém da exclusão”, pontua. “A maior parte da nossa população vive na prostituição, é semialfabetizada, são pessoas de baixa renda, que moram na periferia e que se considera, em grande parte, da raça negra.”
Diante disso, além da criminalização, Simpson argumenta que é necessária também uma legislação mais ampla de amparo a essa população. “A gente precisa de uma política de assitência social muito precisa e inclusiva; de emprego, trabalho e renda; de inclusão escolar. É preciso direcionar muitas outras ações.”
De acordo com o relatório do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, a população trans foi a mais afetada pela violência LGBTIfóbica no país. Das 316 mortes, 141 eram mulheres trans e oito homens trans e pessoas transmasculinas.
“A gente não está pedindo ao Congresso Nacional um favor, estamos pedindo um direito que é nosso, porque não temos nenhuma legislação específica”, conclui.
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