Lei Rouanet: 12 são condenados por fraudes e desvios de R$ 21 mi
Justiça Federal em São Paulo concluiu que houve irregularidades na contratação e execução de projetos culturais por “organização criminosa”
atualizado
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A Justiça Federal condenou 12 réus, a penas que variam de 4 a 19 anos de reclusão, pela prática de ilícitos na contratação e execução de projetos culturais aprovados pelo então Ministério da Cultura (MinC) no âmbito da Lei nº 8.313/91 (Lei Rouanet), com desvios estimados em R$ 21 milhões. A juíza Flávia Serizawa e Silva, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, concluiu que o esquema foi montado por organização criminosa liderada pelo grupo empresarial Bellini Cultural, diversos colaboradores e empresas patrocinadoras, tudo em troca de vantagens indevidas. A sentença, de 19 de fevereiro, foi divulgada nesta segunda-feira (09/03).
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, os réus praticaram desvios utilizando-se de cinco meios diferentes: superfaturamentos, serviços/produtos fictícios, projetos duplicados, utilização de terceiros para proposição de projetos e contrapartidas ilícitas às empresas patrocinadoras.
O grupo seria formado por empresas em nome da própria família Bellini e por empresas em nome de terceiros, que teriam como objetivo propor e aprovar projetos culturais junto ao ministério e, em seguida, realizar a captação de recursos para execução e posterior prestação de contas desses projetos.
“Restou comprovado pelas provas existentes nos autos que o grupo Bellini e seus colaboradores tinham um sistema estruturado cujo principal escopo era a aprovação de projetos culturais por meio de pessoas jurídicas e físicas junto ao Minc para, posteriormente, utilizar as verbas captadas para realização dos projetos em benefício exclusivo das próprias empresas patrocinadoras, que por sua vez deduziram tais valores do quanto devido a título de imposto de renda de pessoa jurídica”, afirma a juíza Flávia Serizawa e Silva.
Segundo a magistrada, foi constatada a existência de um esquema bem estruturado, que se iniciou nos anos 2000 e perdurou até a deflagração da Operação Boca Livre, da Polícia Federal, em junho de 2016.
“Verificou-se que os recursos captados por meio de patrocínio nos Pronacs (Programa Nacional de Apoio à Cultura) aprovados pelo grupo Bellini eram revertidos, integral ou parcialmente, em contrapartidas em benefício exclusivo das próprias empresas patrocinadoras, para além dos limites legais ou de forma expressamente contrária ao preconizado pela Lei Rouanet.”
Com isso, os recursos acabavam se revertendo em eventos exclusivamente privados e fechados, tais como shows de artistas em festas particulares de aniversário ou confraternização de fim de ano das empresas patrocinadoras, ou ainda livros corporativos para promoção da própria empresa e distribuição junto a seus clientes e fornecedores, pagos com os recursos públicos da Lei Rouanet.
“A utilização dos recursos não encontra respaldo legal, seja porque constituía benefício material exclusivo para a patrocinadora, seja porque constituía evento sem livre acesso ao público, seja porque contrariava os segmentos que poderiam ser objeto de incentivo fiscal”, afirma Flávia Serizawa.
Além disso, destaca informação divulgada pelo Núcleo de Comunicação Social da Justiça Federal em São Paulo (Ação Penal nº 0001071-40.2016.4.03.6181), como o real propósito do grupo era a realização dos eventos privados que beneficiariam unicamente às patrocinadoras, muitos dos projetos culturais, tal como eram aprovados perante o Ministério da Cultura, nem mesmo eram efetivamente executados.
“Para tanto, contava com a ineficiência e desorganização do Minc em relação à fiscalização e prestação de contas, que chegava a demorar até 19 anos na análise da prestação de contas”, diz a decisão.
“Assim, mantendo o Ministério da Cultura em erro, inclusive com fraudes na prestação de contas, tinha-se não somente o benefício exclusivo do patrocinador, como a não realização do projeto cultural previsto no MinC e a possibilidade de dedução posterior do imposto de renda pessoa jurídica”, ressalta a magistrada.
Além das penas de prisão, Flávia Serizawa impôs aos réus o pagamento de multas e o perdimento de bens e valores.
“Não se pode desconsiderar o expressivo montante desviado dos cofres públicos, avaliado inicialmente em aproximadamente R$ 21 milhões, bem como que a sua destinação original seriam projetos culturais eminentemente voltados a crianças carentes e população de baixa renda, cujos valores foram desviados para a realização de eventos e shows com artistas renomados fechados para as próprias patrocinadoras, o que demonstra maior reprovabilidade da conduta.”
Outro lado
A reportagem busca contato com a defesa do Grupo Bellini. O espaço está aberto para manifestação.