“Lava Jato é ação-espetáculo”, diz ex-presidente do STF Nelson Jobim
Ex-ministro da Corte Suprema criticou certas condutas de integrantes da operação, como a condução coercitiva do ex-presidente Lula
atualizado
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O ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim afirmou, em entrevista ao Estado de S. Paulo, que há “espetacularização” em certas condutas de integrantes da Operação Lava Jato, mas não citou nomes. Entre as “arbitrariedades”, ele apontou a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2016, pela Polícia Federal, e a divulgação de áudios de conversas entre o petista e a presidente cassada Dilma Rousseff.
“Você acha isso legítimo?”, questionou Jobim. Segundo ele, “tudo isso faz parte daquilo que hoje nós chamaríamos de ação-espetáculo”. Para ele, que foi ministro da Defesa dos governos Lula e Dilma, “o Judiciário não é ambiente para se fazer biografia individual. Biografia se faz em política”.
Jobim é sócio do BTG Pactual, que, até novembro de 2015, era chefiado por André Esteves. O ex-executivo do banco chegou a ser preso sob suspeita de obstruir a Justiça. Ao conceder entrevista, o ex-ministro pediu para não falar sobre sua relação com o banco. Sobre a Corte que presidiu, ele considera que hoje desempenha papel de um “poder moderador”.O foro privilegiado blinda agentes políticos?
Não se pode dizer que o foro especial seja um privilégio para a impunidade, senão você estaria dizendo que o Supremo julga a favor da impunidade. Hoje se faz um discurso imenso sobre o foro privilegiado, principalmente por parte do STF, porque a Corte acha que tem muito trabalho. Não é bem assim. Os ministros do Supremo não fazem a instrução, que é feita pelos juízes auxiliares. O que há é um aumento substancial de processos criminais, que cria uma situação de distorção e demora no Tribunal.
Estudo da FGV mostra que apenas 1% dos réus é condenado.
Eu estive lá (no STF), eu sei como funciona. Essa pesquisa é meramente estatística. Ninguém examinou caso a caso para verificar a existência ou não de julgamento. Quando se fala que a condenação é menos de 1%, significa que tinha que condenar mais, independentemente do contexto. Cada processo é um processo independente. Isso (condenação) é muito bom para os outros, não para quem está ali dentro.
O senhor vê o STF mais politizado?
Não. O que ocorreu foi uma disfuncionalidade do processo político em termos dos entendimentos e soluções das controvérsias no âmbito político. Não se soluciona controvérsia no âmbito político sem recorrer ao Poder Judiciário. A Presidência da República, necessariamente, tem de ser um órgão moderador. Com os diversos movimentos sociais, sejam na área dos trabalhadores, dos empresários ou da política, tu tens “n” forças sociais e políticas e o presidente da República tem de ser o elemento não radicalizador. Os últimos governos foram radicalizadores e isso dá problema. A partir principalmente dos anos 2000, você começou a reduzir a capacidade do Congresso, da área política partidária de compor as suas divergências. Passaram a eleger, digamos, o STF como órgão moderador da República. Quando se diz: ‘Ah, os juízes estão intervindo demais…’ Espera um pouquinho, estão intervindo demais porque eles são provocados para isso. Quem leva os processos? Em grande parte são os partidos políticos. O STF está fazendo a figura daquilo que foi no Império o imperador, e que foi na República o presidente da República”.
“O Judiciário não é ambiente para você fazer biografia individual. Biografia se faz em política
Nelson Jobim, ex-presidente do STF
Como avalia a interpretação de que hoje há mais interferência entre Poderes?
A Constituição de 1988 deu mais poder ao Judiciário. Mas é preciso não confundir ativismo judicial com voluntarismo. Quando há disfuncionalidade congressual, em que você não tem o processo decisório dentro do Congresso, se requer o uso da ambiguidade. No momento em que você faz uma norma ter vários sentidos, você como que elege o Poder que vai aplicar a lei, aquele que vai dar interpretação possível dentro do leque que a ambiguidade permite. Mas há também, digamos, uma tendência, um equívoco, em que alguns juízes acham que têm de fazer justiça e não aplicar a lei. Quem diz ‘não, eu não vou aplicar a lei porque o que julgo é ilícito’, de onde vem esse poder? Do concurso público que o transformou em juiz? Essa discussão do projeto das 10 medidas anticorrupção (projeto que está na Câmara a ser enviado para o Senado), que foi oferecido pelo Ministério Público, inclui posições de alguns promotores ridículas. Tinha absurdos completos em termos de atribuição de uma espécie de um poder sacerdotal para efeito investigatório.
A Lava Jato tem ferido os direitos das defesas, por exemplo?
Há exageros. Inclusive nas prisões que são feitas em Curitiba (sede da operação sob responsabilidade do juiz federal Sérgio Moro), em que as coisas vão se prolongando e resultam em delações. Outro exemplo, condução coercitiva. Ela só é admissível quando alguém se nega a ir a uma audiência em que foi previamente intimado. Mas não se admite que alguém que não foi convocado para depor seja levado coercitivamente para depor.
Sim, não tenha dúvida. Isso é muito bom quando você está de acordo com o fim, mas quando o fim for outro… O dia muda de figura quando acontece contigo. O que nós temos de deixar claro é essa coisa da exposição dos acusados. Vão pegar um sujeito em um apartamento e aparece gente com metralhadora, helicóptero. Tudo isso faz parte daquilo que hoje nós chamaríamos de ação-espetáculo, ou seja, a espetacularização de todas as condutas. O Judiciário não é ambiente para você fazer biografia individual. Biografia se faz em política.
O senhor acredita em “desmonte” da Lava Jato?
Não, isso faz parte do discurso político. Evidente que quem está sendo perseguido vai querer fazer isso (desmontar), agora se afirmar que está acontecendo, é só discurso. Evidente que você tem de afastar a prática de violências de qualquer natureza. Nós não podemos pensar que se algo foi malfeito, autoriza que seja malfeita também a forma de persegui-los.
Por exemplo?
A divulgação da gravação da presidente Dilma com Lula depois que havia encerrado o tempo de gravação, autorizado pelo próprio juiz que havia determinado a gravação. Você acha isso legítimo? Qual é a consequência disso? Esse episódio é seriíssimo. Houve algum processo para verificar se houve algum abuso? Há um inquérito sobre isso? Que eu saiba, houve várias tentativas por parte dos interessados e não aconteceu nada. Lembro bem que chegaram até a dizer: ‘Casos excepcionais requerem medidas excepcionais’.
O senhor vai se relançar na politica?
Não, meu horizonte desapareceu. Olha, não se comprometa com o futuro. Não fui sondado. Estou fora de tudo. Qualquer coisa para (as eleições presidenciais de) 2018, tem de ter densidade eleitoral, que é uma coisa que não se constrói dentro do tribunal. É bobagem. Toda pretensão que ministro do STF possa ter densidade eleitoral é bobagem.
Joaquim Barbosa?
Isso é para a classe média, que lê jornal. O grande eleitorado não se lembra de ministro.