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Laíla, 78 anos, lenda viva do Carnaval, espera a vacina para recomeçar

Dono de 23 títulos da folia carioca, o “Rei da Harmonia” tem trajetória marcada na história da Marquês de Sapucaí

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Laíla, lenda viva do carnaval carioca
1 de 1 Laíla, lenda viva do carnaval carioca - Foto: Aline Massuca/Metrópoles

Rio de Janeiro – Lenda viva do Carnaval do Rio, com muitas histórias para contar, com passagens por São Paulo, Pará e Rio Grande do Sul, Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, o Laíla, de 78 anos, tem o gás de um garoto para recomeçar. Dono de 28 títulos, dos quais 23 são só na folia carioca, o “Rei da Harmonia” entende como ninguém a arte do funcionamento de uma escola de samba, que passa pela sincronia perfeita entre todos os setores.

Sem mágoas pelos percalços do caminho, principalmente pela saída turbulenta da Beija-Flor, ele não vê a hora de tomar a vacina contra a Covid-19 e voltar a arregaçar as mangas.

Este ano, sem Carnaval, fica o vazio da Marquês de Sapucaí, mas até o retorno à azul e branco de Nilópolis, onde colecionou 13 canecos, caberá ao futuro responder.

Nascido e criado no morro do Salgueiro, zona norte do Rio, onde conquistou sete campeonatos na vermelho e branco, a rotina de Laíla, hoje, é comprar pão na padaria, ler os jornais e orar no seu pequeno templo religioso em casa, onde sempre pede: “Para o mal, que as pessoas me desejem, nunca me pegue”.

Sobre a parceria com Joãosinho Trinta é taxativo: “Fui eu quem o lancei como carnavalesco no Salgueiro”. O Metrópoles conversou com essa lenda, em sua casa, na Ilha do Governador, zona norte do Rio.

Como começou a sua trajetória no Salgueiro?

Fui nascido e criado no morro do Salgueiro. Lá, minha mãe foi o primeiro destaque da “Depois eu digo”. Houve a fusão, em 1953, e o Salgueiro foi a primeira escola a falar de negros com o samba enredo “Romaria a Bahia”. Frequentava a quadra com a minha mãe. No morro, fundei a escola mirim Independente da Ladeira. Eram fantasias de papel crepom e a bateria era de lata, sucesso durante muito tempo.

Sua passagem pelo Salgueiro foi vitoriosa.

Com 14 anos, minha mãe já falecida, meu avô me deixou sair no Salgueiro, porque cantava nas biroscas da ladeira. Era apaixonado por Nelson Gonçalves e Ângela Maria. No fim de 1950, fui auxiliar do Bala, diretor de harmonia do Salgueiro. Naquele tempo, tinha que ser compositor, tinha que apresentar, no mínimo cinco músicas e ter três sambas por ano. O desfile era na Avenida Rio Branco (no centro do Rio). Naquele ano, botei o samba no tom certo. O Fernando Pamplona (carnavalesco, faleceu em 2013), que era julgador, me procurou.

E como foi a parceira com Joãosinho Trinta?

João era aderecista, em 1968, no Salgueiro. Fizemos “Dona Beija” com decoração do Copacabana Palace, ficamos em terceiro lugar, no Carnaval montado pelo Pamplona. João era bailarino no Teatro Municipal. Como não deu certo, o Pamplona o colocou como chefe do guarda-roupa de lá e também o levou para a escola. Ganhamos o carnaval em 1969. Saí e, quando voltei, de 1972 para 1973, afastei a Maria Augusta (carnavalesca, hoje com 70 anos) e indiquei o João para ser o carnavalesco. Todos os salgueirenses, sem exceção, disseram que eu estava maluco.

Não achei isso em pesquisa.

Mas é porque eles não contam. Ficamos em terceiro lugar, com o auxílio do Zeca Samambaia, com o enredo “Eneida: Amor e Fantasia”. Trabalho fantástico do João, que foi fixado como carnavalesco. João não era cria do morro. Quem botou ele como carnavalesco fui eu. João era cria do Pamplona. Fizemos uma grande dupla. Quem me descobriu foi a ala de Harmonia do Salgueiro, na época do Bala. Tenho esse orgulho, embora as pessoas possam falar outras coisas.

E como foi a parceria?

João foi bicampeão em 1974 e 1975, comigo também. Conheci o João em 1969. Também foi aderecista do carnavalesco Arlindo Rodrigues. Depois do bicampeonato, a Beija-Flor convidou o João, e não a mim. Ele me procurou e começou a desenvolver o Carnaval. A conversa dele comigo, em 1976: se a escola ganhasse, iria dizer que tinha ajudado. Falei: “Fico grato”. Beija-Flor campeã, fui parabenizá-lo. Ele me atendeu fora da quadra, no apartamento dele em frente. Depois, disse que para ser bi precisava do Laíla, e o combinado não era esse. Fiquei p., mas na minha. Corri para a “corimba”, seu Flávio, no morro São João. E ouvi: aceita que vai ser sucesso. Então, fui.

E o enredo “Ratos e Urubus”? Essa parceria rendeu um desfile antológico.

Parceria artística não tem o que se discutir. Modéstia a parte, dava muita ideia do que se fazia. A ideia do Cristo foi minha. Tiveram a infelicidade de proibir e deram tiro no pé.

Há mágoas?

Não tenho mágoas. Não tenho inveja no trabalho de ninguém por confiar na minha capacidade. Em 1980, fiz Unidos da Tijuca, com o lançamento do Renato Lages (carnavalesco), e ela subiu. Levei o Neguinho (Neguinho da Beija-Flor, puxador de samba) para cantar na Unidos da Tijuca e ninguém fala isso.

Como o Laíla descreve o Laíla?

Sei lá. Sou trabalhador e, quando você gosta, você trabalha com amor. Você tem estilo próprio? Sim. Agora, sozinho, você não faz. Agora, hoje, o cara tem um amigo, bota na harmonia. Tem um compromisso com alguém, dá a camisa. Ensaio para caramba para dar ensinamento musical. Tem gente boa aí também. Se não houver harmonia, não ganha carnaval.

Como funciona a harmonia na escola?

Entrosamento de tudo, desenvolvimento do enredo, o artístico e parte do canto. Já vi escolas lindas e maravilhosas, mas como não aconteceu nada de harmonia, não ganhou. Já vi escolas ruins esteticamente chegar na Avenida, tomar conta e ser campeã. Discuto com qualquer diretor de bateria, debato métrica de samba. Foi eu que levei pessoal de escola de samba para gravar. Botei maestro dentro de gravação de samba-enredo. Tomei muita pancada. Carlinhos do conjunto “Nosso Samba” era o maior cavaquinista do mundo, mas não lia partitura.

Ninguém nunca imaginou a Sapucaí fechada forçadamente por causa de uma pandemia. É triste, mas necessário.

As entidades onde trato minha vida espiritual falaram e, não foi só para mim, que viria uma doença para abalar o mundo. E muita gente não acreditou. Veio para mostrar que o ser humano está indo além do seu limite com a ambição. O país não tem trabalho, educação, os caras roubam descaradamente e continuam aí. O povo do morro vive sem saneamento.

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Laíla em sua casa, na Ilha do Governador, zona norte do Rio de Janeiro
Laíla, lenda viva do carnaval carioca
Laíla em seu canto dos troféus e prêmios
Laíla em seu canto dos troféus e prêmios
Tempo religioso de Laíla
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Laíla, 28 títulos do carnaval carioca

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Templo religioso de Laíla

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A Sapucaí não tem espetáculo esse ano, por razões de preservação de vidas, e teremos que conviver com o vazio.

Fica o vazio. É ruim. Mas quando começou, quantos artistas deixaram de trabalhar? Tinha que ter parado tudo. Muitos amigos do samba morreram. Houve falta de respeito.

Você ganhou dinheiro com o Carnaval?

Lógico que sim. Morava num barraco no morro. Quando moleque, não tinha dinheiro para comprar um tamanco. Vim receber através do Anísio (Anísio Abraão David, presidente de honra da Beija-Flor), em 1995. Minha história com o Anísio surgiu quando ele deu o bolo de aniversário de 15 anos da minha filha e os doces. Daí se formou amizade. No Carnaval, viajei para caramba. A Beija-Flor e a Grande Rio que me deram emprego. Fiquei na Grande Rio por dois anos. Não existe mágoa com o Anísio.

Você vai se vacinar contra a Covid-19?

Sim. Correndo. Estou preso dentro de casa. Sobre a pandemia, todo mundo já sabia. No Carnaval, muita gente trabalha, mas a gente tem que se controlar. Faço até uma brincadeira com os amigos: me botaram fora do Carnaval, mas não tem ninguém. Agora, é duro. Há um vazio que vai ficar para a história.

Em duas décadas foram nove títulos. Nas duas passagens, foram 13 títulos, no geral. Foi um casamento que deu certo com a Beija-Flor.

Sabe por que voltei para a Beija-Flor? Em 1988, estava fora e um dia depois do desfile recebi um recado: João queria sair da Beija-Flor. Fui para uma reunião, ele estava irredutível. João ficou e saí de lá diretor. Depois saí porque João não atendia mais ninguém. Fiz Carnaval em São Paulo, trabalhei com o João na Peruche também, e só voltei em 1995. Na época, procurei o Anísio para trabalhar. A escola não ganhava desde 1983. E arrebentou.

Mas o que houve com a separação? Houve conflito de geração com o Gabriel David (um dos comandantes da Beija-Flor e filho de Anísio Abraão David)?

O poder era do pai e era dele. O caso não foi esse. O Gabriel foi um garoto que sempre incentivei. Não tenho nada contra o Gabriel, se tivesse problema não falaria sobre o pai dele. Foram outros problemas.

Quais?

Você tem um administrador financeiro, não é artístico. Só que os caras não querem só financeiro, querem mandar em você e eu não me adaptei a esse esquema e não vou me adaptar.

Mas se falou muito do Marcelo Misailidis (carnavalesco) também…

A parte artística foi desrespeitada antes. A comissão pediu a demissão. Mas depois continuou a mesma coisa. O carnaval dá muita visibilidade. Tinha um sonho de trabalhar com o Marcelo e vice-versa. Ele estava na Vila (Vila Isabel), teve problema. O Pedro Nobre (diretor de barracão do Salgueiro) era amigo do Marcelo, ligou para dizer que ele tinha saído da Vila e queria ir para a Beija-Flor. Conversei com o Marcelo e levei ao conhecimento do Anísio, assim foi. Deu certo. A escola foi campeã.

E depois?

Existiu um processo de esvaziamento. Apresentamos cinco enredos e nenhum aceito. O enredo “Brasil, eu quero falar de você” não toparam. Nós ficamos proibidos de falar, em 2018. Mas foi estampado em uma página no jornal. Ele (Marcelo) participou disso, aí acabou a amizade, e ele ficou como carnavalesco. Não tive briga com ele. Fui excluído, vou ficar? Mas não quero confusão. Quero que fiquem no caminho deles.

Em 2019, houve a homenagem dos 70 anos da Beija-Flor e você não foi citado. Doeu?

Não. É um direito de cada um. Vai tentar e ninguém vai conseguir excluir minha passagem pela Beija-Flor. O tempo dirá.

Você voltaria para a Beija-Flor?

O futuro vai dizer.

No ano passado, a Ilha (União da Ilha do Governador) caiu e a Águia de Ouro ganhou. O que representou para você?

Fui para Ilha porque o presidente me pediu pelo amor de Deus. Pedi roupa para comunidade, ele topou. Não deixei de dar satisfação em nada. Como é que pode uma escola com essa comunidade fantástica, ensaios lotados e, de repente, faltando 20 dias, as coisas tinham mudado. Acabou com o ganho de roupa, mas o presidente aceitou. Gerou um certo desconforto. Faltou estrutura. O que aconteceu foi o sobrenatural.

E o futuro?

Preciso trabalhar. Primeiro porque gosto, preciso pagar minhas contas e não vou desistir de trabalhar. Consegui subir com duas escolas, Tijuca e Grande Rio. Tenho tudo na cabeça. As minhas histórias do carnaval dos últimos cinco anos lá na frente serão contadas.

E a fama de enérgico?

Sou duro no que faço. O dinheiro não é meu, tenho que dar resultado. Trabalho com coração e emoção. Sempre fui durão, mas não é distrato. Quando chamo a atenção, explico a razão.

E qual a sua rotina hoje?

Sair de manhã para comprar pão e os jornais. Ler as notícias e orar sempre no templo aqui em casa para o mal que as pessoas me desejem nunca me pegue.

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