Zara promoveu trabalho escravo e pode entrar para “lista suja”
Segundo TRT-SP, empresa é responsável por situação análoga à escravidão verificada em suas oficinas de costura no ano de 2011
atualizado
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A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo determinou que o trabalho análogo ao escravo registrado na cadeia produtiva da Zara Brasil em 2011 é de fato responsabilidade da marca de roupas, que faz parte do grupo multinacional Inditex. O desembargador do Trabalho Ricardo Artur Costa Trigueiros, relator do acórdão , afirmou que “é impossível” aceitar a ideia de que a Zara não sabia o que estava acontecendo nas oficinas de costura, em uma espécie de “cegueira conveniente”. A sessão de julgamento foi no dia 8 deste mês.
A empresa vinha vinha tentando anular os autos de infração de auditores fiscais do Trabalho (Ministério do Trabalho), desde 2012, quando registraram trabalho análogo ao escravo em oficinas que costuravam para a marca, em 2011. Para isso, a marca processou a União com uma ação anulatória. O Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo, que também participou da força-tarefa em 2011, passou a atuar como fiscal da lei contra a ação da Zara, acompanhando as sessões judiciais e emitindo pareceres.
Na sentença, o desembargador afirma que a Zara fez mais do que ignorar deliberadamente o que se passava nas oficinas contratadas por suas tercerizadas, como a AHA Indústria e Comércio: “A cadeia produtiva da Zara empregou a AHA como entreposta, no esforço de evitar seu flagrante envolvimento com mão-de-obra em condições análogas às de escravo”, afirmou. A decisão judicial também possibilita que a Zara seja incluída no Cadastro de Empregadores que mantiveram trabalhadores em condições análogas às de escravos, conhecido como “Lista Suja”. O acórdão cassou uma tutela antecipada da empresa que impedia a entrada da grife na lista.“A decisão está em conformidade com as deliberações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em matéria de responsabilidade em cadeias produtivas”, afirmou o procurador do Trabalho Luiz Carlos Fabre, que acompanha o caso desde o início. “O subproduto do trabalho escravo é a proliferação de bolsões de miséria e mazelas sociais. Nada mais justo que tal degradação sócio-ambiental urbana seja internalizada pela detentora do poder econômico relevante em uma cadeia produtiva, ainda que o trabalho escravo haja sido flagrado em oficinas contratadas por fornecedoras da Zara”.
Um dos indícios mais fortes da fraude era que a AHA não tinha em suas instalações nenhuma máquina de costura. Era impossível que a Zara não soubesse disso, já que a produção dependeria de máquinas e trabalhadores. Para Ricardo, a Zara pretendia, com a cegueira deliberada, “obter um produto de qualidade barata, através de quarteirização, que obviamente implicava em baixíssimos custos, que somente poderiam ser obtidos de forma ilegal”.
O grupo têxtil Inditex, que detém a marca Zara, é uma multinacional com patrimônio de cerca de U$ 25 milhões. Em 2016, o grupo registrou lucro líquido de US$ 3,277 bilhões, alta de 10% com relação a 2015. Em agosto de 2011, uma operação do Ministério do Trabalho flagrou 15 pessoas, incluindo uma adolescente de 14 anos, trabalhando em regime análogo ao de escravidão nas oficinas fornecedoras da Zara situadas em São Paulo. Meses antes, dezenas de trabalhadores, bolivianos em sua maioria, também haviam sido flagrados nas mesmas condições em oficinas na cidade de Americana (SP).
(Com informações da Procuradoria-Geral do Trabalho/Ministério do Trabalho)
Outro lado
Em nota enviada nesta tarde ao Metrópoles, a assessoria de comunicação da Zara Brasil afirmou que a empresa vai recorrer da decisão do Tribunal Regional do Trabalho. A marca alega que “um de seus fornecedores, a AHA, desviou sem o conhecimento da Zara Brasil, sua produção de forma irregular para duas oficinas que descumpriam as leis trabalhistas.”
“A Zara Brasil continua acreditando que a Justiça do Trabalho vai considerar aspectos importantes do caso em sua decisão final, como o reconhecimento do vínculo empregatício da AHA com os trabalhadores das oficinas de costura, já que a própria AHA se responsabilizou imediatamente na época pela regularização dos mesmos quando encontrados em condições ilegais”, destaca a Zara no texto.
Segundo a empresa, o caso, isolado, “não reflete o sistema de monitoramento da cadeia de produção da Zara no Brasil, que é supervisionado pelo Ministério Público do Trabalho por meio do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) recentemente renovado para garantir as perfeitas condições de seu funcionamento e a transparência na cadeia de fornecimento da companhia.” A marca diz ter investido mais de R$ 20 milhões em ações para melhorar as condições trabalhistas do setor da confecção no país.