TSE rejeita punir abuso de poder religioso nestas eleições
Julgamento fez o TSE entrar na mira da militância digital bolsonarista e de lideranças evangélicas
atualizado
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Por 6 a 1, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu nesta terça-feira (18/8) rejeitar a possibilidade de políticos terem o mandato cassado por abuso de poder religioso já nestas eleições. O julgamento sobre o tema fez o TSE entrar na mira da militância digital bolsonarista e de lideranças evangélicas, que veem na discussão uma caça às bruxas ao conservadorismo e uma ameaça à liberdade de culto.
Atualmente, a legislação eleitoral prevê três tipos de abuso de poder que podem levar à perda do mandato: o político, o econômico e o uso indevido dos meios de comunicação. O ministro Edson Fachin propôs criar também a possibilidade de se punir quem utiliza sua ascendência eclesiástica sobre algum grupo para influenciar na escolha de candidatos, o que foi rejeitado pelos integrantes do TSE.
Ao apontar dificuldades no debate do tema, o ministro Luís Felipe Salomão ressaltou que não há uma previsão legal que combata especificamente o abuso de poder religioso – o que dependeria de aprovação de uma lei pelo Congresso. “A primeira delas (das dificuldades) é a própria ingerência do Estado, a considerar o abuso do poder religioso ou a ingerência no próprio poder religioso, que me parece inquietante no contexto do Estado Democrático de Direito. E segundo lugar, a questão do subjetivismo, onde cada um pode chegar à conclusão diversa não havendo uma base objetiva para a configuração desse abuso. A própria doutrina especializada no tema esclarece a necessidade de uma previsão expressa sobre o que se considera abuso de poder religioso, ainda que seja possível analisar interferência de líderes”, observou Salomão.
Na avaliação de Salomão, eventuais práticas ilícitas que venham a ser cometidas na esfera religiosa podem ser punidas por meio de dispositivos já previstos na legislação eleitoral, tais como propaganda irregular, compra de votos, abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.
O ministro Og Fernandes foi na mesma linha. “Não vejo como conceber o abuso de poder religioso de forma autônoma. Tenho o entendimento de que não é preciso destacar uma categoria para sedimentar que a Constituição proíbe a fraude às eleições, de modo que eventuais abusos praticados por lideranças, sejam elas eclesiásticas, sindicais, patronais, esportivas, artísticas, corporativas, docentes e que visam, em última análise, a influenciar a livre escolha do eleitor, estão incluídas na expressão ‘fraude’, cuja acepção é ampla e abrange a coação oriunda da ascendência desses líderes sobre determinado grupo de eleitores”, disse Og.
Og, Salomão e Sérgio Banhos acompanharam o entendimento dos ministros Alexandre de Moraes e Tarcísio Vieira, que já haviam votado contra a criação da figura do abuso de poder religioso.
Ativismo judicial. Em reunião reservada com deputados da Frente Parlamentar Evangélica, no último dia 5, Fachin ouviu críticas à sua proposta. Para os parlamentares, é “ativismo judicial” cassar o mandato de políticos (de vereadores a presidente da República) por abuso de poder religioso, sem uma previsão explícita na lei sobre o tema. Em memorial distribuído aos ministros da Corte Eleitoral, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) alegou que a legislação eleitoral não prevê o chamado “abuso de poder religioso”, de modo que a aplicação de sanções com base nesse novo conceito tem o potencial de gerar “grave insegurança jurídica e violar a liberdade religiosa”.
Fachin é o relator do caso que envolve a vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos). Pastora da Assembleia de Deus, ela é acusada de usar sua posição na igreja para promover a candidatura, influenciando o voto de fiéis. Valdirene foi reeleita em 2016. Fachin votou contra a cassação da vereadora, por não encontrar provas suficientes no caso concreto, mas ressaltou que Estado e religião devem ser mantidos separados para garantir a livre escolha dos eleitores. Integrantes da Corte avaliavam que o caso em si não era dos melhores para se lançar a figura do abuso de poder religioso – todos os ministros votaram contra tirar o mandato de Valdirene.
“As circunstâncias deste caso concreto não permitem uma discussão de nenhum desses pontos”, afirmou o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. Barroso não abraçou a tese de Fachin por avaliar que o caso em discussão neste momento não era o melhor para abordar o tema.
No início da discussão, em junho, Fachin disse que a “imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”. O recado, num dos trechos mais polêmicos do voto, foi interpretado como uma crítica severa aos neopentecostais.
O presidente da Anajure, Uziel Santana, elogiou o entendimento da maioria dos ministros do TSE. “O TSE, guardião do poder eleitoral, exerceu dignamente a função constitucional que lhe é reservada. Aprovar uma restrição de direitos a um segmento social, qualquer que seja ele, seria abuso do poder judicial contra a democracia participativa. As preocupações do ministro Fachin são legítimas, mas já contempladas no sistema legislativo eleitoral. Inovações só através do Congresso Nacional”, disse Uziel.