Com voto do relator, TSE retoma julgamento que pode cassar Temer
Ministros avaliam se depoimentos de Marcelo Odebrecht, Cláudio Melo Filho, João Santana e Mônica Moura podem ser usados como prova
atualizado
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Se terça-feira (6/6) foi dia de o país prender a respiração enquanto acompanhava o julgamento que pode cassar o mandato de Michel Temer (PMDB), quarta (7) será ainda pior. A partir das 9h, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retomará a análise do caso que pode fazer o Brasil perder o segundo presidente da República em cerca de um ano — Dilma Rousseff (PT) foi afastada em maio de 2016 e sofreu o impeachment em agosto.
A sessão será iniciada com a análise de seis preliminares que não passaram pelo crivo da Corte. Entre elas, a validade dos depoimentos prestados pelos ex-executivos da Odebrecht, Marcelo Odebrecht e Cláudio Melo Filho.
Para o PSDB, autor da ação, os depoimentos de empreiteiros que atestam o pagamento de caixa 2 à campanha de Dilma-Temer devem ser levados em consideração. Já os advogados da petista e os defensores de Temer sustentam que as revelações não podem ser objeto de análise. Caberá ao TSE bater o martelo sobre a validade das delações no julgamento em curso.
Cassação
A tendência do relator é se posicionar pela cassação da chapa Dilma-Temer. Ao iniciar seu voto, por volta das 22h da noite de terça (6), o magistrado foi firme ao dizer que as ditaduras cassavam os defensores da democracia “e o TSE cassa quem é contra a democracia”. A declaração ocorreu pouco antes de o presidente da Corte, Gilmar Mendes, suspender a sessão.
A terça (6) foi o primeiro dia de retomada do julgamento, que havia sido suspenso em abril, após pedido de vista. Os trabalhos começaram às 19h05 e duraram três horas, com debates marcados pela interpretação que acusação e defesa dão à validade das delações premiadas da Operação Lava Jato.
Independentemente da repercussão política da Lava Jato, caso a Corte conclua que houve ilegalidades na campanha eleitoral de 2014, Michel Temer terá de deixar o cargo. Ele e Dilma podem ainda ficar inelegíveis por oito anos.
Saiba como foi a terça no TSE
Mesmo antes da sessão, o plenário já estava lotado de juristas, advogados, estudantes e jornalistas. Como os lugares foram preenchidos rapidamente, o TSE disponibilizou cadeiras e um telão para transmitir o julgamento no foyer.
Do lado de fora, manifestantes protestavam em frente à Corte. O ato, contudo, foi modesto. Segundo a Polícia Militar, havia apenas cerca de 25 pessoas por volta das 18h20.
Pouco depois das 19h, Gilmar Mendes abriu a sessão e o ministro Herman Benjamin deu início à leitura do relatório. Após resumir os principais pontos da ação eleitoral e citar nominalmente as testemunhas convocadas por acusação, defesa e juízo, o relator enumerou as diligências realizadas na ação. O magistrado ressaltou a legalidade e a publicidade de todo o processo.
“Tudo o que eu disser no meu relatório e no meu voto, todos os brasileiros podem olhar no processo. Isso é uma garantia para a população e para nós, que podemos julgar com segurança.”
Herman Benjamin, ministro-relator da ação contra a chapa Dilma-Temer
A vez dos advogados
Às 19h57, Benjamin terminou a leitura do relatório e a palavra foi passada aos advogados. Cada um tinha 15 minutos para se pronunciar. O primeiro a falar foi José Eduardo Alckmin, representante do PSDB. “Convenhamos que existe uma realidade gravíssima, porque a prática de caixa 2, ainda mais nesse montante em que foi praticado, revela uma impossibilidade de qualquer outro candidato fazer face a outros que se beneficiam dessa situação”, afirmou Alckmin.
O tempo de sustentação oral do PSDB foi dividido entre dois advogados: Alckmin e Flávio Henrique Costa Pereira. Na tribuna, Pereira disse ser “evidente que a despesa da campanha [de Dilma e Temer] foi irregular”.
Em seguida, foi a vez do advogado Flávio Caetano, que defende Dilma Rousseff. O defensor tentou desqualificar o processo analisado pelo TSE em sua origem: quando o PSDB propôs a ação. Caetano citou conversa mantida entre o senador afastado Aécio Neves (MG) — ex-presidente do PSDB — e Joesley Batista, dono da JBS e delator na Lava Jato. Nos diálogos gravados por Joesley e entregues ao Ministério Público, o tucano afirma que queria “encher o saco do PT” ao entrar com a ação.
Flávio Caetano disse ainda que o objeto da ação foi extrapolado, pediu que fossem desconsiderados depoimentos do grupo Odebrecht e defendeu a anulação das oitivas feitas com os marqueteiros João Santana e Mônica Moura, que prestaram serviços ao PT. Ele também argumentou que não se pode fatiar o julgamento para analisar separadamente a situação de Dilma e de Temer, como quer a defesa do peemedebista. “O TSE tem jurisprudência histórica de que isso não é possível”, opinou Caetano.
Ataque versus Defesa
Já o advogado de Temer, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, disse que “as acusações não foram comprovadas após longa e minuciosa apuração conduzida pelo TSE”.
“Os fatos narrados nas acusações alegam que houve contribuição ilegal vinculada à Petrobras para a campanha da chapa vencedora em 2014 e que as gráficas pagas com recursos da campanha não prestaram efetivamente os serviços contratados. Mas o próprio parecer apresentado pelo Ministério Público deixa claro que os autos do processo não mostram ligações do presidente Michel Temer com as acusações”, afirmou Coêlho, que já presidiu a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Gustavo Guedes, que também advoga para Temer, foi enfático: “Não é possível que o presidente Michel Temer pague a conta da corrupção do Brasil”.
MPE: Odebrecht repassou R$ 150 milhões à campanha
Por volta das 20h45, o vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, deu início à manifestação do Ministério Público Eleitoral (MPE). Segundo Dino, há uma “confusão” entre “fato novo” e provas que surgiram ao longo do processo. “Provas evidenciam que a Odebrecht disponibilizou R$ 150 milhões para a campanha de Dilma e Temer”, disse.
De acordo com o vice-procurador, o valor foi combinado entre o então presidente da construtora, Marcelo Odebrecht, e o ministro da Fazenda de Dilma, Guido Mantega.
O início dos votos
Passado o período de exposição dos advogados e do MPE, Herman Benjamin retomou a palavra para a leitura do voto. Antes de anunciar seu posicionamento, o ministro-relator reafirmou o caráter técnico do Judiciário como um todo: “Nós, juízes brasileiros, do TSE ou de qualquer instância da magistratura brasileira, julgamos fatos como fatos, não como expediente político”.
Benjamin ainda defendeu uma reforma eleitoral “abrangente e corajosa”. “As ações agora sob julgamento são filhas de um sistema político e eleitoral falido”, sentenciou.
Após ser interrompido por Gilmar Mendes, com direito a adendo do ministro Luiz Fux, Benjamin voltou a falar. Pouco depois, ficou acertado que a sessão seria interrompida. Mendes ainda sugeriu que a retomada fosse às 8h30 desta quarta (7), antecipando o horário em meia hora.
Mas Herman Benjamin, que está doente, pigarreou e disse que os trabalhos não seriam prejudicados caso a previsão inicial fosse mantida. Em um momento de descontração que arrancou risadas da plateia e dos colegas, Mendes concordou, “em respeito à gripe do relator”.
As acusações
A Corte Eleitoral decide se houve abuso de poder político e econômico na campanha encabeçada por Dilma Rousseff em 2014, quando Temer era candidato à vice-Presidência. Segundo o PSDB, a chapa teria recebido doações de empreiteiras contratadas pela Petrobras com dinheiro oriundo de propina.
Ainda de acordo com os autores do processo, houve desvio de finalidade em pronunciamentos oficiais feitos em cadeia nacional. A acusação é de que programas de rádio e tevê teriam sido utilizados para promoção pessoal de Dilma e Temer.
Confira os possíveis resultados para o julgamento
Julgamento suspenso em abril
A discussão a respeito da regularidade da campanha eleitoral de 2014 teve início em 4 de abril deste ano, mas foi adiada após os ministros autorizarem a oitiva de novas testemunhas e concederem mais prazo para apresentação de alegações finais da defesa. Durante esse período, foram ouvidos o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e os publicitários João Santana e Mônica Moura.
Desde que o processo foi suspenso, houve uma mudança sensível no cenário político nacional. A revelação das delações de executivos e ex-executivos da líder mundial do mercado da carne, a JBS, agravou a crise institucional e expôs políticos do alto escalão da República, como Temer e o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG). Em uma das conversas que veio à tona com a recente divulgação das delações da JBS, Aécio admitiu que ajuizou a ação no TSE só para “encher o saco do PT”. “Sacanearam tanto a gente que vamos entrar com um negócio para encher o saco deles também”, disse o tucano.
Além da movimentação política, também houve mudanças nas cadeiras do tribunal. Com o fim do mandato de Henrique Neves e de Luciana Lóssio no TSE, assumiram o posto de ministro pela classe dos juristas os advogados Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira. Eles já faziam parte dos quadros da Corte como ministros substitutos e foram indicados por Temer para o cargo de titular com base em uma lista tríplice elaborada pelo STF.
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Colaborou Ian Ferraz