STF suspende voto impresso nas eleições de 2018
Plenário da Corte atendeu a pedido da PGR e concedeu medida cautelar sustando efeito de trecho da Lei Eleitoral
atualizado
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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quarta-feira (6/6), concedeu medida cautelar suspendendo a efetividade do artigo 59-A da Lei 9.504/1997, que determinava a impressão dos votos em eleições realizadas por meio de urnas eletrônicas. A disposição estava prevista para funcionar em 5% das urnas já no pleito geral deste ano. No entanto, com a decisão da Corte, fica suspensa até a análise do mérito do processo.
Dez ministros da Corte votaram pela concessão da medida cautelar. No entanto, o relator da ação, Gilmar Mendes, manifestou-se pelo deferimento do pedido apenas parcialmente e foi seguido por Dias Toffoli. Outros oito magistrados acompanharam divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes e deferiram a cautelar integralmente, por acreditarem haver indícios de ilegalidade na lei. Luiz Fux não votou, pois é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo o Ministério Público, a minirreforma eleitoral de 2015 – que incluiu a obrigatoriedade do voto impresso na Lei Eleitoral – deixou de explicitar questões cruciais para a aplicação da norma. Além disso, diz o parquet, a medida poderia violar o sigilo do voto.
Na petição inicial, o MPF afirma que “ao determinar a impressão do voto no processo de votação eletrônica, a norma legal enfrenta o direito fundamental do cidadão ao sigilo do voto, inscrito no art. 14 da Constituição. Além disso, conforme será demonstrado, a adoção do modelo impresso provoca risco à confiabilidade do sistema eleitoral, fragilizando o nível de segurança e eficácia da expressão da soberania nacional por meio do sufrágio universal”.
Na sessão desta quarta (6/6), a procuradora-gera da República, Raquel Dodge, fez sustentação oral e ratificou o pedido, chamando a iniciativa de “retrocesso”. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), a impressão do voto “é um mecanismo de fiscalização visual, e não de manifestação de vontade do eleitor por meio da impressão de um papel, já que o que vai contar é o digitado na urna eletrônica”.
Ainda de acordo com Dodge, a lei não disciplina como solucionar possíveis casos de divergência entre o voto na urna e o impresso. Assim, segundo a procuradora-geral da República, existe a possibilidade de que os responsáveis por reportar e solucionar a falha, por exemplo, tenham acesso ao conteúdo do voto de quem suscita a diligência. Disse ainda que a lei reproduz trechos anteriormente declarados inconstitucionais, e finalizou: “Não há justificativa para se adotar um modelo que possa violar o sigilo do voto”, finalizou.
Associações e entidades
Após o pronunciamento de Raquel Dodge, quatro entidades manifestaram-se pela manutenção da lei que determina a impressão do voto. O grupo fez críticas ao sistema eletrônico de votação e apontou a possibilidade de irregularidades nas eleições. Segundo os defensores da medida, no modelo atual não há garantias físicas de que os votos computados e divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral reflitam integralmente os depositados.
A advogada Beatriz Kicis, do Instituto Resgata Brasil, afirmou que a urna eletrônica “põe em risco todo o sistema eleitoral”. “Sempre houve fraudes nas eleições. Mas nunca se permitia, na época do voto no papel, que essa fraude fosse sistêmica. Hoje, a possibilidade de fraude escapa aos olhos do cidadão eleitor e aos fiscais do TSE”.
Já a advogada Dênia Érica Magalhães rebateu os argumentos da PGR e disse que “suscetível a desconfianças e questionamentos é como o sistema existe agora”. A representante da Associação Pátria Brasil, Miriam Noronha Mota Gimenez, afirmou que a lei do voto impresso “garante o registro do voto para fins de fiscalização. Registro esse que não foi observado nesses 20 anos de reinado da urna eletrônica”.
Disse ainda que a sociedade é obrigada a confiar cegamente no TSE, pois não existem provas físicas das votações. “Não creio que a população concorde com isso, ainda que tenha ficado calada por todo esse tempo”, declarou. Por fim, falou o advogado Alberto Malta, representando a Associação Brasileira dos Peritos Criminais Federais (APCF).
Segundo o defensor, profissionais filiados à entidade participaram de testes com urnas eletrônicas e “conseguiram sim encontrar diversos vícios e falhas no sistema eletrônico de votação”. A afirmação elicitou respostas dos ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux, atual presidente do TSE. De acordo com os membros do STF, são feitos testes regulares com as urnas eletrônicas, e a segurança delas é repetidamente atestada.
Votação
Ao proferir seu voto, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, afirmou que, baseado nos pronunciamentos dos defensores da medida, “temos que acreditar que o homem talvez não tenha chegado à lua”. “Todos conhecem a seriedade com que esse processo [de votação eletrônica] foi desenvolvido, como ele foi pensado e como ele é executado com rigor ao longo desses anos”, disse.
Gilmar argumentou não encontrar, a priori, inconstitucionalidade em uma eventual determinação do Congresso Nacional para que haja impressão dos votos. No entanto, segundo o ministro, esse processo precisa de um prazo razoavelmente longo para ser implementado e necessita ser testado repetidamente antes de sua colocação em prática. Para Gilmar, a lei atual “não levou em conta a própria relação com a realidade, já que é de 2015 e determinava que o modelo deveria ser aplicado nas eleições subsequentes”.
O ministro também defendeu a higidez das urnas eletrônicas: “Todos nós sabemos que os modelos atuais das impressoras suscitam uma série de problemas. E a urna eletrônica, como desenvolvida por nós, é um modelo extremamente bem-sucedido e adaptado à realidade nacional”. E ainda pediu cautela àqueles que alegam irregularidades no processo de votação atualmente implementado no Brasil. “Vende-se uma ilusão que beira ou já ultrapassou os limites do ridículo. É preciso ter cuidado com uma matéria sensível como essa”, afirmou.
Por fim, o relator votou pelo deferimento parcial do pedido do MPF, permitindo a aplicação do voto impresso, mas no tempo estabelecido pelo TSE e não nas eleições de 2018. O ministro Dias Toffoli acompanhou o entendimento de Gilmar.
O magistrado Alexandre de Moraes também defendeu o sistema de votação eletrônica e disse que a suposta necessidade de impressão do voto para higidez das eleições “parte de um pressuposto falso. Parte de um pressuposto de que as eleições realizadas no Brasil por urna eletrônica não têm legitimidade”, afirmou. Alegou, ainda, ter sido promotor eleitoral durante as eleições manuais e viu mais fraudes naquela época do que no período de votação eletrônica. Por fim, abriu divergência e votou pela concessão integral da cautelar à PGR.
Os magistrados Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, também se manifestaram. Barroso disse que a medida “é um pouco como fazer uma aposta analógica em um mundo que se tornou digital”. Já Lewandowski afirmou que não atende ao princípio de economicidade gastar R$ 2,5 bilhões para “alterar um sistema que funciona, e bem”.
Em maio deste ano, em cumprimento à Lei Eleitoral, o TSE aprovou a implementação do voto impresso já nas eleições de 2018. Segundo as diretrizes da Corte, a medida estaria disponível em 5% das urnas eletrônicas e teria um custo estimado de R$ 57 milhões aos cofres públicos. Uma licitação chegou a ser aberta, mas, após a decisão do STF, não seguirá em frente.
Protestos
Enquanto os ministros decidiam sobre o voto impresso de dentro do Supremo, na Praça dos Três Poderes, um grupo de cerca de 10 pessoas pedia a manutenção da medida para as eleições de 2018, com faixas que pressionavam os magistrados da Corte. Mais tarde, outros manifestantes compareceram ao local, criticando a prisão do ex-presidente Lula.