STF protege terras ocupadas por quilombolas na Amazônia Legal
Decisão foi proferida pelo plenário nesta quarta-feira (18). PGR contestava dispositivos de lei voltada à regularização fundiária
atualizado
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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (18/10), que não é possível promover a regularização fundiária, em favor de terceiros, de áreas públicas ocupadas por quilombolas ou outras comunidades tradicionais na Amazônia Legal.
Por maioria, o tribunal também estabeleceu que a dispensa de realização de vistoria prévia de pequenas propriedades (até quatro módulos fiscais), para fins de regularização, não é automática. Segundo o colegiado, antes de concluir pela desnecessidade da ação é preciso que a administração utilize outros meios para assegurar a devida proteção ambiental.
Segundo o ministro, nas áreas em que houve demarcação de terras dos povos tradicionais o impacto na proteção ambiental “foi extramente positivo”. “Proteger reservar indígenas, quilombolas, é bom para o meio ambiente”, disse o ministro.“A Amazônia, e sua floresta tropical, é uma das maiores riquezas de biodiversidade do mundo. Entre 1970 e 2013, foi desmatada uma área da Amazônia equivalente ao território de duas Alemanhas. Houve uma significativa redução do desmatamento ao longo dos anos, mas, ainda assim, em 2014, cerca de 5 mil km² de floresta foram desmatados, o que corresponde a uma extensão próxima ao tamanho de Brasília”, ponderou o ministro Luís Roberto Barroso durante o julgamento.
O plenário da Corte tomou a decisão em uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República contra dispositivos da Lei 11.952/2009, que trata da regularização fundiária das ocupações em terras situadas em áreas da União na Amazônia Legal. O entendimento foi norteado pelo relator, ministro Edson Fachin, e seguido integralmente por Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
Interpretações
Em seu voto, Fachin destacou que a Constituição Federal assegura aos quilombolas o direito de receberem títulos definitivos sobre suas terras. De acordo com o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Para o relator, é necessário dar interpretação conforme a Constituição ao parágrafo 2º do artigo 4º da norma porque, “efetivamente, abre-se possibilidade para interpretação que permita que terceiros, não integrantes dos grupos de quilombolas e populações tradicionais tenham acesso a essas terras e à respectiva regularização fundiária”.
Primeiro a acompanhar Fachin no plenário, o ministro Luís Roberto Barroso indicou que na redação original da medida provisória a qual deu origem à lei em discussão estava previsto o veto à regularização de áreas ocupadas por comunidades quilombolas e tradicionais. “Estava explicitado de modo inequívoco. (…) Na conversão da MP em lei suprimiu-se a referência às comunidades quilombolas”, afirmou.
Com relação ao artigo 13 da norma, a respeito da dispensa da vistoria prévia dos imóveis com até quatro módulos fiscais, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que, por ser um ato administrativo, deve ser “devidamente motivado”. “O que se deseja é que a União não se demita de sua obrigação de fiscalizar efetivamente”, ponderou.
Na avaliação de Lewandowski, a necessidade de fundamentação da dispensa não implicará em burocratização do processo. “Do contrário, se teria claramente uma proteção deficiente de um bem jurídico de valor fundamental, que é a proteção do meio ambiente”, completou o ministro Luís Roberto Barroso.
Direitos de minorias
A ação foi proposta pela Procuradoria-Geral da República, em 2009. À época, a então chefe do MPF Deborah Duprat argumentou que a norma se afastou do objetivo de promover inclusão social e justiça agrária, dando amparo a posseiros de boa-fé, que retiram da terra o seu sustento.
Segundo a ex-PGR, a lei estabelece “privilégios injustificáveis” de grileiros que, no passado, teriam se apropriado ilicitamente de grandes áreas de terra pública. Para Duprat, o legislador deixou de proteger a floresta Amazônica brasileira e os direitos de minorias étnicas como os povos indígenas, os quilombolas e as populações que habitam na região.
Durante o julgamento na tarde desta quarta, o ministro Edson Fachin declarou a prejudicialidade parcial do pedido da PGR devido a uma mudança promovida na legislação, por meio de medida provisória posteriormente convertida em lei. A norma revogou os parágrafos 4º e 5º, do artigo 15, alvos do pedido da Procuradoria. Os dispositivos, segundo o MPF, incorriam em violação da igualdade e desvio de poder legislativo.