STF liberou Bolsonaro, mas pode punir pescadores por 1,5 kg de lagosta
Dois pescadores foram flagrados no litoral do RN com equipamentos proibidos de pesca. Falta um voto no STF para que condenação seja mantida
atualizado
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O mesmo Supremo Tribunal Federal (STF) que rejeitou, com base no princípio da insignificância, denúncia contra o então deputado federal Jair Bolsonaro (PL) por pescar em local proibido, hoje deve manter a condenação de dois pescadores flagrados com equipamentos proibidos e 1,5 kg de lagostas vermelhas, no litoral do Rio Grande do Norte.
O ministro Ricardo Lewandowski, em decisão monocrática, negou provimento a habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) contra a condenação da dupla. O caso foi então levado ao plenário virtual da 2ª Turma da Corte. O ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator, fazendo dois votos a zero para manter a condenação dos pescadores. Com mais um voto, a pena será mantida. Os outros três ministros têm até o próximo dia 7 de fevereiro para divulgarem suas posições.
Os dois pescadores foram condenados a um ano de detenção e multa. Depois, a pena foi substituída por uma restritiva de direitos.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, à qual o Metrópoles teve acesso, os trabalhadores foram presos em flagrante, na manhã do dia 17 de junho de 2010, nas proximidades da praia de Ponta do Mel, em Areia Branca, no Rio Grande do Norte.
Os dois foram flagrados com uma mangueira de compressor de ar para mergulho, uma válvula, um pé de nadadeira, duas máscaras, um GPS, um bicheiro, além de 1,5 kg de lagosta. Servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) relatam ainda que os pescadores atrapalharam a ação, uma vez que teriam jogado no mar as lagostas e os apetrechos de pesca.
Em depoimento prestado na delegacia, a dupla afirmou que sobrevive da pesca, de onde tira o sustento da família, e confessou que o produto é comercializado na cidade.
No pedido de habeas corpus, a DPU explica que inexistem provas de que a conduta dos pescadores tenha prejudicado o meio ambiente significativamente. Ressaltou ainda que a quantidade de crustáceo apreendida foi de apenas 1,5 kg, “quantidade ínfima, o que demonstra a inexpressividade da conduta imputada aos pacientes, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, bem como nenhuma periculosidade social da ação”.
“Importante salientar que não se busca aqui legitimar a conduta dos pacientes, mas que se aplique o princípio da insignificância à luz dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal”, complementa a defensoria.
Ao Metrópoles o autor do agravo regimental em favor dos dois pescadores, o defensor público Gustavo de Almeida Ribeiro, rejeita o discurso de que a não punibilidade da dupla pode abrir margem para que outros pescadores sigam com a pesca ilegal. “Esse mesmo argumento é muito utilizado quando acontece um pequeno furto. A questão é se essa prisão se justifica”, pondera.
No início deste ano, o próprio ministro Gilmar Mendes absolveu homem condenado pelo furto de uma peça de picanha de R$ 52.
Ribeiro compara a situação com o julgamento da 2ª Turma do STF sobre denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro por pesca ilegal. O atual presidente da República foi flagrado em 2012 pescando na Ilha de Samambaia, em Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro. A pesca é proibida no local. Os ministros aplicaram o princípio da insignificância no caso.
“No processo em exame, houve a impossibilidade de produzir-se prova material de qualquer dano efetivo ao meio ambiente, sendo a conduta do acusado enquadrada no art. 34 da Lei nº 9.605/1998. Mesmo diante de crime de perigo abstrato, não é possível dispensar a verificação in concreto do perigo real ou mesmo potencial da conduta praticada pelo acusado com relação ao bem jurídico tutelado. Esse perigo real não se verifica na espécie vertente”, escreveu a relatora do inquérito contra Bolsonaro, ministra Cármen Lúcia.
“O acusado estava em pequena embarcação, próximo à Ilha de Samambaia, quando foi surpreendido em contexto de pesca rústica, com vara de pescar, linha e anzol. Não estava em barco grande, munido de redes, arrasto nem com instrumentos de maior potencialidade lesiva ao meio ambiente”, contemporizou a magistrada, no voto.
“Muitas das vezes, o pescador caiu em uma necessidade. A pessoa está ali por falta de emprego, por fome. Então, se no caso de alguém que pratica pesca esportiva e não precisa disso para o sustento foi aplicado o princípio da insignificância, por que no outro caso não foi? É preciso considerar ainda a atual situação econômica do país”, sustenta Ribeiro.
O DPU explica ainda que crimes ambientais e seu tratamento são excelentes indicadores de seletividade penal para comparação.
“O desastre de Mariana, por exemplo. Há quantos anos isso aconteceu e ninguém foi condenado? E aí o pequeno pescador vai ser condenado?”, provoca o defensor público. O rompimento da barragem em Mariana (MG) liberou mais ou menos 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, formados, principalmente, por óxido de ferro, água e lama.
Procurado, o STF informou que não irá se manifestar.