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Com placar em 9 a 1, STF decide rejeitar direito ao esquecimento

Corte decidiu que não se pode proibir um fato antigo de ser exposto ao público em respeito à privacidade e à intimidade da pessoa envolvida

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Fachada do STF – Brasília(DF), 18/05/2017
1 de 1 Fachada do STF – Brasília(DF), 18/05/2017 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (11/2), pelo não reconhecimento do direito ao esquecimento. Com isso, a Corte entendeu que não se pode proibir um fato antigo de ser exposto ao público em respeito à privacidade e à intimidade da pessoa envolvida. O placar ficou em 9 a 1. Apenas o ministro Edson Fachin divergiu. Já o ministro Luís Roberto Barroso se declarou impedido e não participou do julgamento.

O tema ganhou amplitude nos últimos anos e se tornou alvo de debates entre especialistas. Estudiosos, empresas e setores da sociedade civil que trabalham com liberdade de expressão têm o receio de que o debate possa limitar o direito à liberdade de expressão, e, com isso, tolher a atuação de empresas e jornais na internet.

Voto do relator

Segundo o ministro Dias Toffoli, relator do caso, a previsão ou a aplicação de um direito ao esquecimento afronta a liberdade de expressão. “É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento. Assim entendido como poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação sociais analógicos ou digitais”, disse.

“Eventuais excessos ou abusos no exercício de liberdade de expressão devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente aqueles relativos à proteção da honra, imagem, privacidade e da personalidade em geral e também as expressas e específicas previsões legais penal e civil”, completou.

Pelo não reconhecimento do direito ao esquecimento

Segundo a votar, o ministro Nunes Marques acompanhou, em parte, o relator. Mesmo reconhecendo que não há o direito ao esquecimento, o ministro entendeu que os familiares de Aída Curi, no caso concreto (leia mais abaixo), devem ser indenizados por dano moral.

O ministro afirmou que não cogita apagar os fatos nem proibir sua divulgação, que deve ser oportuna e respeitosa à vítima. O que é inaceitável, segundo ele, é tripudiar sobre a memória da vítima, sem nenhuma justificativa. “Verdadeiro bullying”, classificou.

Para o ministro Alexandre de Moraes, o reconhecimento amplo, genérico, abstrato do direito ao esquecimento traz presente o “traço marcante da censura prévia”. Ele seguiu o relator.

O ministro afirmou que é necessário existir “liberdade com responsabilidade” na produção de conteúdos. Se o jornal se desviar da responsabilidade, ele será condenado pelo Judiciário, seguindo o devido processo legal. “É assim que funciona na democracia”, afirmou.

Para a ministra Rosa Weber, sujeitar a produção televisiva Linha Direta sobre o caso de Aída Curi à autorização dos familiares da vítima aniquilaria a proteção às liberdades de manifestação do pensamento, expressão, artística e de informação. Por consequência desse entendimento, a ministra não reconheceu o direito ao esquecimento na esfera cível.

Em seu voto, a ministra Rosa Weber afirmou que é incompatível com o Estado Democrático de Direito a imposição de restrições às liberdades de manifestação de pensamento, expressão, informação e imprensa, que traduzam censura prévia. Segundo destacou a ministra, o núcleo essencial da liberdade de expressão compreende não apenas os direitos de informar e ser informado, mas de ter e emitir opiniões e críticas.

A ministra Cármen Lúcia também foi contra o reconhecimento do direito ao esquecimento e afirmou que o Brasil é um país de “desmemória”. Para ela, discutir e julgar o esquecimento como direito fundamental “parece um desaforo jurídico para minha geração”.

“Num país de triste desmemória, discutir e julgar o esquecimento como direito fundamental de alguém poder impor o silêncio de fato ou ato que pode ser de relevância de interesse público parece um desaforo jurídico”, disse.

O ministro Lewandowski votou pelo não reconhecimento do direito ao esquecimento na área cível. Em breve voto, o ministro afirmou que o direito ao esquecimento jamais constituiu um direito jurídico autônomo e independente.

O ministro Gilmar Mendes apresentou tese no sentido de que na hipótese de conflitos entre normas constitucionais de igual hierarquia, “deve salutar técnica de concordância prática”, demandando análise pontual sobre qual direito fundamental deve prevalecer para fins de direito de resposta ou indenização.

De acordo com o ministro, deve ser permitida a divulgação jornalística, artística, ou acadêmica de fato histórico distante do tempo, incluindo dados pessoais, desde que presentes o interesse histórico, social e público. No entanto, segundo o ministro é possível compatibilizar o direito fundamental o direito à privacidade com a liberdade de informação.

O ministro Marco Aurélio também não reconheceu o direito ao esquecimento e afirmou que o insucesso do pleito nas instâncias inferiores se deve em razão de ares democráticos, “considerado o disposto no art. 220 da CF inserido em um capítulo que guarda direitos fundamentais (comunicação social)”.

Segundo o ministro, o programa tratou o trágico caso de Aída Curi de forma jornalística. O ministro relembrou voto da ministra Cármen Lúcia, no qual a ministra disse que o Brasil deve ter memória e Marco Aurélio complementou: “deve contar com memória dos fatos negativos e positivos”.

Para o ministro Luiz Fux, presidente do STF, o direito ao esquecimento não pode reescrever o passado e nem obstaculizar o acesso à memória, o direito à informação e à liberdade de imprensa.

O ministro fez ponderações acerca do direito ao esquecimento, dizendo que está enraizado no núcleo essencial de tutela da pessoa humana: “é inegável que o direito ao esquecimento é uma decorrência lógica da tutela da dignidade da pessoa humana (…) a doutrina consagra o direito ao esquecimento”, disse o ministro.

“Hoje nós falamos em direito à busca da felicidade, por que não dizer que há um direito ao esquecimento como forma de não gerar infelicidade?”

Divergência
O ministro Edson Fachin foi o único a divergir, votando para reconhecer a existência do direito ao esquecimento. Contudo, ele não foi a favor da indenização à família de Aída Curi.
Segundo Fachin, o direito ao esquecimento compreende, mas não se reduz aos tradicionais direitos à privacidade, à honra, nem tampouco ao direito à proteção de dados. “Decorre de uma leitura sistemática dessas liberdades fundamentais”, falou.
Caso concreto

Os irmãos de Aída Curi ajuizaram ação de reparação contra a TV Globo após a história do crime ter sido apresentada no programa Linha Direta, com a divulgação do nome da vítima e de fotos reais. A tragédia aconteceu em 1958, e o programa foi exibido nos anos 2000, sem autorização da família.

Na ocasião, Aída, que tinha 18 anos, foi levada à força por dois homens ao topo do Edifício Rio Nobre, na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, onde eles foram ajudados pelo porteiro a abusar sexualmente da jovem.

De acordo com a perícia, ela foi submetida a pelo menos 30 minutos de tortura e luta intensa contra os três agressores, até vir a desmaiar. Para encobrir o crime, os agressores atiraram a jovem do terraço do 12º andar do prédio, tentando simular um suicídio. Aída faleceu em função da queda.

Nos tribunais superiores, o caso teve origem em julgamento no STJ, capitaneado pelo voto do ministro Luis Felipe Salomão, reconhecendo o direito ao esquecimento, embora afastando-o no caso concreto.

Mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta “antigos sentimentos de angústia, revolta e dor” diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a turma entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares.

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