STF proíbe conduções coercitivas de acusados para interrogatório
Para seis dos 11 ministros que compõem o plenário da Corte, medida não é compatível com a Constituição
atualizado
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O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu, por 6 votos a 5, a utilização de conduções coercitivas para a tomada de depoimentos de investigados em apurações policiais. Em sessão nesta quinta-feira (14/6), a terceira utilizada para tratar do tema, a maioria dos magistrados da Corte se manifestou pela incompatibilidade da medida com a Constituição. Desde dezembro de 2017, as conduções coercitivas estão proibidas por liminar deferida pelo ministro Gilmar Mendes.
Nesta quinta, votaram pela inconstitucionalidade da prática para depoimento de investigados os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Nas sessões anteriores, já haviam se manifestado nesse sentido o relator, Gilmar Mendes, e a ministra Rosa Weber. Os favoráveis à manutenção da medida foram Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e a presidente do STF, Cármen Lúcia.
Desde o último dia 7 de junho, o plenário da Corte apreciava duas ações que defendem a incompatibilidade das conduções coercitivas com a Constituição. Os feitos foram apresentados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Segundo as entidades, as conduções de suspeitos, na forma como têm ocorrido, ferem direitos fundamentais previstos na Constituição.Na semana passada, durante as sustentações orais, o representante do PT, advogado Thiago Bottino do Amaral, argumentou: “[A prática] viola [a Constituição] porque a condução coercitiva é feita com intimidação, medo, susto, com a finalidade de criar uma situação de desamparo psicológico de uma pessoa, de desestabilizá-la, com o objetivo de fragilizar o direito ao silêncio”. Manifestou-se de forma parecida o representante da OAB. Para Juliano José Breda, “o principal fim da condução coercitiva tem sido a estigmatização, o constrangimento, a execração pública e a prévia condenação do cidadão”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), por sua vez, defendeu a compatibilidade da prática com a Constituição. Em sustentação oral, o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, argumentou: “Não podemos e não devemos nos concentrar no momento da condução coercitiva como algo que viola a Constituição. O que viola é o modo como são realizadas”.
Votação
Ao proferir o voto majoritário pela proibição da prática, o ministro Gilmar Mendes afirmou: “Não há nenhuma dúvida de que a condução coercitiva [de acusados para interrogatório] interfere no direito da liberdade, da presunção da inocência, da dignidade da pessoa humana e, de alguma forma, no direito de não se autoincriminar”.
Seguiram o entendimento os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. A maioria, no entanto, deixou claro: fica permitida a utilização da prática em outros contextos, como para depoimento de testemunhas que tenham faltado, sem justificativa, a interrogatório previamente marcado.
Divergiram do relator os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O primeiro foi Moraes. Para o magistrado, é garantido ao acusado o direito ao silêncio e o privilégio contra a autoincriminação, mas a lei não prevê a possibilidade de recusa à participação em atos procedimentais estabelecidos dentro do processo legal.
“Não há, a meu ver, previsão de uma cláusula que permita ao investigado optar por participar da persecução penal presencialmente. O que não pode ser exigido é que ele produza provas contra si mesmo, seja obrigado a falar”, argumentou. O ministro então votou pela constitucionalidade da condução coercitiva. No entanto, restringiu a prática apenas a situações em que o acusado já tenha sido convocado a depor e faltado injustificadamente.
Já Barroso e Fachin votaram pela legalidade da prática também nos casos em que substitua medidas cautelares mais graves, como a prisão temporária. Fizeram ainda críticas ao sistema criminal brasileiro, o qual classificaram como “injusto e desigual”. “Há rigor excessivo contra uma parcela menos abastada da população e uma injustificada leniência quando poderosos estão às voltas com práticas criminosas”, disse Fachin.
Barroso, por sua vez, afirmou: “Ganha uma passagem para as Ilhas Cayman quem adivinhar qual novidade ocorreu para justificar a súbita indignação contra a condução coercitiva, tantos anos após sua vigência. É que o direito penal finalmente vai chegando aos poucos, com atrasos, mas não tarde demais, ao andar de cima, aos que sempre se acreditaram imunes e impunes”.
Virada
O placar até o fim da sessão dessa quarta-feira (13/6) tinha 4 votos a favor das conduções coercitivas de acusados para interrogatório e 2 contra. O cenário, no entanto, mudou no encontro de hoje. Primeiro a votar nesta quinta (14), o ministro Dias Toffoli afirmou ser este o momento de o STF “zelar pela estrita observância dos limites legais para a imposição da condução coercitiva sem dar margem para interpretações criativas que [violem] o direito fundamental de ir e vir, a garantia à ampla defesa e o privilégio à não incriminação”.
Em sentido similar, o ministro Ricardo Lewandowski disse que o questionamento à prática nada tem a ver com o fato de ela ter chegado aos poderosos e relembrou casos de jurisprudências do STF firmadas em episódios envolvendo pessoas pobres. Já Marco Aurélio Mello disse que todos desejam um Brasil melhor, mas defendeu o respeito às estritas normas legais. “Não podemos partir como querem para o justiçamento, sob pena de ter-se a Babel. Sob pena de não ter-se mais segurança jurídica, vivendo a sociedade em sobressaltos”, argumentou.
Último a acompanhar o relator, o ministro Celso de Mello afirmou que os tribunais, e principalmente o Supremo, devem atuar de maneira “independente e imune a devidas pressões externas”. Nesse sentido, o magistrado destacou: “o processo penal é um meio de contenção e delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal”, e, por isso, revela-se “inadmissível” sob a perspectiva constitucional a possibilidade de condução coercitiva dos acusados ou réus. Segundo Mello, a prática coloca em risco o direito ao devido processo, ao silêncio e o privilégio contra a autoincriminação.
Por fim, a ministra Cármen Lúcia disse que não se discutia no julgamento os direitos fundamentais dos acusados e “qualquer restrição à liberdade deve ser feita nos termos estritos da legislação”. No entanto, para a presidente do Supremo, a condução coercitiva por si só “não colide com o posto na Constituição Federal”. Por isso, aliou-se com a divergência iniciada pelo ministro Edson Fachin, permitindo a prática em casos de ausência injustificada de acusado a depoimento e em substituição a medidas cautelares mais graves.
Debate
As conduções coercitivas estão previstas no artigo 260 do Código de Processo Penal. De acordo com a norma, “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.
A discussão sobre a aplicação da prática é antiga e se intensificou após a Operação Lava Jato, já que diversos políticos e executivos passaram a se tornar alvo dessa medida. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), até a proibição, haviam sido cumpridos 262 mandados de condução coercitiva no âmbito da operação.
O impasse sobre o assunto chegou a um ápice em dezembro de 2017, quando o ministro Gilmar Mendes, notório crítico da medida, deferiu liminar monocrática e suspendeu o trecho do Código de Processo Penal que permite a condução coercitiva.
Ao determinar a interrupção da prática, decisão agora referendada pelo plenário, o ministro argumentou que “a condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal”.