Quatro empresas indiciadas por fraude em licitação de alimentos já receberam R$ 94 mi da União
Empresas Ceres e Empório Comércio assinaram acordos nos últimos três governos, incluindo o atual. Elas esperam julgamento no STM
atualizado
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O governo federal já pagou R$ 94.718.930,68 para quatro empresas indiciadas pelo Ministério Público Militar (MPM) por fraudarem, com a ajuda de um major do Exército Brasileiro (EB), uma licitação para a compra de alimentos feita pela corporação militar.
O montante se refere a recursos já destinados pelo governo, de 2014 até o momento, às empresas Ceres – Cereais e Estivas LTDA, JJ Alimentos e Conveniências Eireli, Empório Comércio Atacadista Eireli e Disbral – Distribuidora Brasileira de Alimentos LTDA.
Nesse período, o maior valor foi destinado à Disbral, situada em Jaboatão dos Guararapes (PE). A distribuidora de alimentos, especializada em carnes e leites, segundo dados da Receita, ganhou R$ 43.996.136,04 em apenas quatro anos (de 2014 a 2017).
Em seguida, as companhias Empório Comércio Atacadista (antes chamada de Empório de Alimentos LTDA) e JJ Alimentos e Conveniências receberam, cada uma, R$ 29.685.264,86 e R$ 16.012.048,94. Por fim, a Ceres já faturou R$ 5.025.480,84.
Apesar da denúncia do MPM levada ao Superior Tribunal Militar (STM), no entanto, três dessas empresas (com exceção da Disbral) continuam recebendo recursos do governo federal. Nos últimos dois anos, ganharam, juntas, R$ 6.777.432,77 de dinheiro público.
E deverão continuar recebendo. Isso porque as empresas Ceres e Empório Comércio Atacadista assinaram pelo menos 15 outros contratos, respectivamente, com os ministérios da Defesa e da Saúde, já sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Os novos acordos estabelecem o fornecimento de alimentos para as pastas. Alguns deles, inclusive, têm cifras milionárias: em março do ano passado, a Empório Atacadista assinou a entrega de carnes bovina (coxão mole, alcatra e patinho) por R$ 2.558.625,00.
Esses dados foram levantados pelo Metrópoles junto ao Portal da Transparência e ao Painel de Preços do Ministério da Economia. As plataformas permitem analisar os contratos e detalhar as aquisições feitas pela administração pública nos últimos anos.
A acusação
Conforme denúncia apresentada pelo Ministério Público e recebida pelo juiz federal da Justiça Militar Rodolfo Rosa Telles Menezes, as empresas teriam fraudado uma licitação de pregão feita em 2014 pela 7ª Região Militar do Exército Brasileiro (EB).
As irregularidades teriam sido intermediadas pelo major do Exército Francisco Dias Nascimento Filho, que era chefe, à época, da Seção de Aquisição, Licitações e Contratos (Salc) da região militar. O militar é acusado de manipular a pesquisa de preços do certame.
As fraudes, segundo o MPM, ocorreram tanto nas propostas de preços que serviram de referência para o pregão, “como também na fase de classificação, onde várias propostas com preços mais vantajosos para a administração militar foram desclassificadas”.
Na licitação, a pesquisa de preços que serviu de parâmetro foi baseada em três propostas, com cotações das empresas AKE Comércio Ltda, além da Empório de Alimentos e Disbral. Umas delas faz parte do mesmo grupo, o que é ilegal, por facilitar a combinação de preços, e todas em desacordo com os preços de mercado à época.
“Estas três propostas são, na verdade, da empresa Disbral, pois a empresa Empório de Alimentos faz parte do mesmo grupo. Os sócios administradores da empresa Empório são os filhos do sócio da empresa Disbral”, esclarece a procuradoria militar.
Além disso, as três propostas foram entregues ao Setor de Licitações da 7ª Região Militar pelas companhias em um mesmo dia e apresentaram, ainda, a mesma formatação, o que levantou uma série de suspeitas dos investigadores.
“As propostas da empresa Disbral e Empórios são idênticas, apenas com mudanças no tipo da fonte e nos valores. Ambas possuem o mesmo texto, as mesmas ordens de colunas na tabela, e exatamente a mesma observação final”, descreve o Ministério Público, no documento.
Também houve indícios de irregularidades na homologação, onde ficou constatado, de acordo com os procuradores, considerável sobrepreço dos produtos licitados, ocasião em que se promoveu uma renegociação dos valores dos alimentos com os licitantes.
“Porém, mesmo após esta renegociação, os preços praticados nos contratos mantiveram valores incompatíveis com os valores praticados no mercado de itens alimentícios”, conclui. O esquema criminoso teria fraudado, no total, R$ 1.659.625,14 de verba pública.
Praxe
Por fim, o major do Exército teria determinado, após a elevação fraudulenta dos preços, que promovessem a desclassificação de propostas que seriam mais vantajosas, garantindo apenas a participação das empresas Disbral, Ceres, JJ Alimentos e Ferigolo.
Essa não é a primeira vez, inclusive, que a JJ Alimentos, da empresária Juçara Torres de Almeida Andriani, é citada em uma denúncia do MPM. A empresa aparece também em uma investigação sobre uma fraude no Hospital Militar de Área do Recife (HMAR).
Neste caso, os crimes em procedimentos licitatórios teriam acontecido entre 2008 e 2010, mas a sentença, revelada pelo Metrópoles, foi proferida apenas em 6 de maio do ano passado, pela juíza federal da Justiça Militar Maria do Socorro Leal.
A prática criminosa acontecia durante supostas compras de equipamentos de informática, como computadores, gravadores de CD e fontes de alimentação, por exemplo. Durante o período, o número de computadores mais que dobrou na unidade hospitalar.
Em um esquema que, segundo a denúncia, era muito bem organizado, os empresários (somente um foi condenado, apesar de quatro empresas denunciadas) emitiam notas fiscais para receber dinheiro público da administração militar, mas os produtos não eram entregues.
Do outro lado, os oficiais do Exército teriam dado aval às supostas compras, mesmo sabendo que os materiais não foram, nem seriam, entregues. Por sua vez, a dona de uma das empresas envolvidas no esquema criminoso é esposa de um dos oficiais.
O dirigente do hospital pernambucano, o coronel Francisco José de Madeiro Monteiro, foi acusado pelo Ministério Público de arquitetar o sistema de pagamentos dos produtos que nunca adentraram no HMAR. Ele recebeu a maior pena, de seis anos de reclusão.
No fim, um grupo de cinco militares e uma empresária – Fabiana de Moraes Sansone Silva – foi condenado e vai responder pelos crimes de falsidade ideológica, estelionato e uso de documento falso. Juçara Torres de Almeida Adriani, contudo, foi absolvida.
Andamento do processo
O Ministério Público explicou que a denúncia foi recebida pela Justiça Militar da União (JMU) e o processo está em curso. Ocorre que o promotor de Justiça Militar no Recife havia solicitado que os civis envolvidos nas fraudes fossem julgados na Justiça Comum.
O juiz, no entanto, rejeitou o pedido. Em seguida, o promotor levou o caso para o Superior Tribunal Militar (STM), que manteve a decisão, assinada pela ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixiera Rocha. Assim, todos – militares e civis – serão julgados na JMU.
Outro lado
O Ministério da Defesa, o Ministério da Saúde e o Exército Brasileiro (EB) foram procurados desde a manhã dessa sexta-feira (29/1) para prestarem esclarecimentos sobre os contratos firmados, mas não se pronunciaram até então. O espaço segue aberto.
O Metrópoles também falou com a defesa da empresária Juçara Torres de Almeida Andriani, feita pelo advogado Cassius Guerra. Ele enfatizou que todas as licitações (tanto a que foi investigada pelo MPM quanto as outras realizadas ao longo dos últimos anos) que a empresária participou foram regulares.
A reportagem tentou contato com os advogados que defendem as outras três empresas, mas não obteve sucesso. Novamente, o espaço segue livre para futuras manifestações.