Quanto demorariam julgamentos no Brasil se todos os réus fossem Lula?
No TRF-4, tempo usado para julgar ex-presidente costuma ser suficiente para analisar 63 casos. No STJ, seria possível apreciar 365 processos
atualizado
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A última quinta-feira (22/3) foi marcada por mais um julgamento envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta semana, foi a vez do Supremo Tribunal Federal (STF): a Corte iniciou, na sessão desse dia, a análise de habeas corpus que tenta evitar a prisão do petista. Longo e cansativo, o julgamento não fugiu à regra dos outros que trataram da situação de Lula no caso do triplex do Guarujá (SP).
Na verdade, se todos os julgamentos levassem o mesmo tempo gasto com os do ex-presidente, o Judiciário demoraria anos para analisar o que hoje resolve em apenas uma tarde. O Metrópoles colocou em números o impacto que seria sentido caso as Turmas julgadoras dos processos do líder petista requeressem, em todos os julgamentos, o período dedicado às causas relacionadas ao político. O resultado: a Justiça brasileira seria, basicamente, impraticável.
TRF-4O primeiro julgamento colegiado relativo ao caso do triplex ocorreu em 24 de janeiro, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). À ocasião, a 8ª Turma da Corte analisou apelação do ex-presidente, condenado em primeira instância a 9 anos e 6 meses de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro. O resultado não foi nada bom para Lula: além de manter a condenação, o tribunal aumentou a pena para 12 anos e 1 mês de reclusão.
A proclamação do resultado final, no entanto, não veio fácil. A sessão começou pontualmente às 8h e terminou pouco antes das 18h. Tirando o tempo de intervalo, foram mais de 8 horas de julgamento.
Não foi um trâmite comum à 8ª Turma do TRF-4. Geralmente, as deliberações ali começam às 13h30. Além disso, diferentemente do dia 24 de janeiro, os desembargadores costumam julgar dezenas de processos em uma só tarde. De acordo com informações coletadas no site da Corte, cada uma das duas sessões anteriores e das duas posteriores à de Lula julgaram uma média de 63 apelações criminais como a do ex-presidente.
Se fosse mantida a média de um processo por reunião – a exemplo do ocorrido com a ação contra o petista –, a 8ª Turma precisaria de 63 sessões para julgar os casos que costuma avaliar em apenas uma. Como tais encontros ocorrem semanalmente, seriam quase 15 meses para se analisar os processos que hoje são resolvidos em somente uma tarde.
STJ
Outra corte que avaliou ações contra a condenação do ex-presidente foi o Superior Tribunal de Justiça (STJ). No dia 6 de março de 2018, a 5ª Turma negou pedido de habeas corpus (HC) que tentava impedir a prisão de Lula após a condenação em segunda instância, no TRF-4.
Segundo as atas de julgamento publicadas no site do STJ, em cada uma das primeiras cinco sessões do ano – todas anteriores à que julgou o HC do petista –, os ministros da Turma analisaram em torno de 365 processos por dia. A média de duração dessas reuniões foi de 2 horas e 42 minutos.
No dia 6, no entanto, o esquema foi diferente. O habeas corpus do ex-presidente foi o primeiro processo na pauta da 5ª Turma e, só com ele, os ministros utilizaram 3 horas e 36 minutos, tempo maior que a média das outras sessões inteiras. Ou seja, o período gasto para apreciar o pedido do petista costuma ser suficiente para a análise de 365 processos, conforme demonstra o esquema abaixo.
Depois do HC de Lula, os membros do colegiado ainda julgaram outros 296 processos. Para isso, no entanto, a sessão, que começou às 13h, teve duração incomum de mais de 6 horas: só acabou às 19h29.
No Supremo Tribunal Federal (STF), corte mais recente a julgar pedidos apresentados pela defesa de Lula, a análise de questão preliminar do habeas corpus contra a prisão do petista levou mais de 3 horas. Como o julgamento do HC foi suspenso e só será retomado em 4 de abril, ainda não há como saber qual será o tempo total necessário para a deliberação do caso pelos ministros do STF. No entanto, se a tendência se mantiver, não há dúvidas de que será uma sessão bem longa.
Regra é celeridade
Para o especialista em direito penal e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Manoel Aguimon, julgamentos muito longos como os de Lula são “possíveis, mas incomuns”. “A prática forense é no sentido de que os julgamentos sejam céleres, sobretudo os de turmas ou plenários”, explica.
De acordo com o professor, em casos de decisão unânime – como as tomadas contra Lula no STJ e no TRF-4 –, existe ainda maior tendência a análises mais rápidas. “Já fiz inúmeras sustentações orais em habeas corpus. Nessas ações, depois que o relator profere o voto, a tendência é que os outros [integrantes da turma ou corte] só falem assim: ‘com o relator, com o relator'”, detalha.
Para Aguimon, são duas as principais razões para os julgamentos de Lula terem maior duração: o fato de ser um ex-presidente da República e a ampla cobertura da mídia. “Nesses casos que envolvem pessoas com notoriedade, mais especificamente os do ex-presidente Lula, ficou nítido que, por ser a figura dele, os julgamentos têm demorado mais”, avalia.
O especialista prossegue: “Somada a isso, vem a questão da mídia, que tem feito uma cobertura bem ampla nessas matérias. Em razão disso, os julgadores se preocupam em fazer um voto mais denso, mais fundamentado, com o objetivo de se proteger de qualquer crítica que possa vir”, finaliza.
Outro lado
Questionado pela reportagem, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região afirmou que as sessões podem “ter data e horários alterados devido à extensão da pauta e à complexidade dos processos analisados”. Segundo a Corte, a importância do caso do ex-presidente teve papel essencial na decisão de dedicar tanto tempo a um único processo.
Frente ao interesse público em relação ao processo envolvendo o ex-presidente Lula, à complexidade da ação, ao número de sustentações orais das defesas dos réus e do MPF e ao trâmite da sessão, que teve leitura extensa dos votos dos desembargadores, a Turma entendeu pela necessidade de pauta única
Trecho de nota encaminhada pela assessoria do TRF-4
Ainda de acordo com o tribunal, “o acesso de operadores do direito envolvidos em outros processos seria prejudicado pelo esquema montado pelos órgãos de segurança pública envolvidos no dia do julgamento”. Isso porque, na sessão de apelação da sentença de Lula, foi organizado um esquema de segurança especial que isolou o perímetro da Corte.
O STJ, por sua vez, preferiu não se manifestar.