Prisão em 2ª instância: Toffoli adia julgamento para a próxima 4ª
Corte analisa ações que questionam possibilidade de o réu ser preso antes de ter recursos esgotados. Lula pode ser beneficiado
atualizado
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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quinta-feira (17/10/2019), ações que contestam a possibilidade de execução da pena após condenação em 2ª instância. O tema é de interesse nacional, podendo beneficiar 4,9 mil presos e afetar a Lava Jato. Há chances de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ser favorecido caso haja uma alteração na jurisprudência.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, apresentou-o em poucos minutos e limitou-se a defender ser “inconcebível uma visão totalitária no Supremo”. Sem muita delonga, o magistrado encerrou a apresentação do tema aos colegas, para possibilitar o começo das sustentações orais.
Depois das sustentações orais dos defensores da mudança na interpretação que hoje permite a prisão após condenação em segundo instância, o presidente da Corte, Dias Toffoli, adiou o julgamento para a quarta-feira (23/10/2019), quando haverá sessões pela manhã e à tarde. Duas sustentações de amicus curiae – “amigos da Corte”, partes interessadas no tema em análise – ficaram para a próxima semana, além das posições da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR), que defendem a manutenção da regra atual.
Pedidos para mudar a interpretação
Os advogados do Partido Ecológico (PEN) – responsável por uma das ações contra a prisão após sentença em 2º grau – se manifestaram no Corte. Eles pediram que os ministros estabeleçam um “marco” para garantir a “segurança jurídica” no país.
Em nome da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora da segunda ação contra a possibilidade de prisão antes de esgotados todos os recursos, o advogado Juliano Breda afirmou que o órgão defende a liberdade do Legislativo. “Temos o sentido de reafirmação da Constituição, da independência e da liberdade do Legislativo. A OAB, em nome da força normativa da Constituição e das garantias individuais, pede que a norma [ação impetrada para derrubar a possibilidade de prisão em segunda instância] seja julgada procedente”, disse.
O último a falar pelos que defendem a revisão da interpretação atual foi o ex-ministro da Justiça no governo Dilma, José Eduardo Cardozo, que defendeu a ação impetrada pelo PCdoB. “Trânsito em julgado significa sentença que não comporta mais recurso. A que gera a definitividade dos seus efeitos. Podemos discordar da Constituição, dizer que é atrasada, mas é o que a Constituição diz. Nós juramos defender. Por isso, há que se respeitar”, cravou, peremptório.
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, representando o Instituto de Garantias Penais (IDP), que entrou na ação como amicus curiae, um “amigo da Corte” interessado em defender o fim da prisão em 2ª instância, disse que o único pedido é “que se cumpra a Constituição”. Ele ainda declarou que o STF “pode muito, mas não pode tudo”. Para Kakay, a ação “não foi programada para beneficiar Lula”.
Representante da Defensoria Pública da União (DPU), Gabriel Faria Oliveira avaliou que a Corte tem o dever de “zelar pelo princípio constitucional da inocência”. Ele pediu a procedência das ações, para que o réu seja preso apenas depois de todos os recursos esgotados, “sem prejuízo”. “Que as prisões cautelares continuem acontecendo, dentro dos parâmetros legais”, disse.
A advogada Sílvia Souza, representando o Conectas Direitos Humanos, defendeu a alteração da jurisprudência atual sobre a 2ª instância. “É preciso reconhecer que as restrições de direito atingem, em primeiro lugar e com muito mais força, a população pobre, preta e periférica”, disse.
Ela pontuou que foi a única mulher negra a se manifestar na tribuna. “Um debate tão sério tem sido pautado como se afetasse apenas os crimes de colarinho-branco, quando na verdade sabemos a quem se endereça”, declarou.
Primeiro dia
A expectativa é de que, nesta sessão, apenas seja lido o relatório do ministro relator, Marco Aurélio Mello, e feitas as sustentações orais. Devem se manifestar os advogados, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o advogado-geral da União, André Mendonça.
Ao abrir a sessão, o presidente da Corte, Dias Toffoli, afirmou que o julgamento versa sobre o alcance do princípio da presunção de inocência. Contudo, avaliou que não se trata de casos específicos. “Que fique bem claro que esse julgamento não se refere a nenhuma situação particular. Estamos diante de ações abstratas de controle de constitucionalidade”, declarou.
“As ações definirão alcance da norma constitucional que daqui emanará e servirá de norte para a atuação de todos os magistrados do país. O objetivo é dar o alcance efetivo e a interpretação a um dos direitos previstos na Constituição”, disse.
Desde 2016, o entendimento da maioria da Corte é de que a pena pode começar a ser executada após decisão por tribunal de 2ª instância. A orientação agora poderá mudar. Mais cedo, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, disse ao Metrópoles que não acredita “em nada além das leis” e vem “há muito tempo dando liminares, afastando a execução provisória”. No entanto, afirmou que as declarações não são uma antecipação do voto.
Em 2009, o STF definiu que apenas os casos transitados em julgado, ou seja, com todos os recursos esgotados, determinariam impreterivelmente a prisão — obedecendo literalmente ao escrito na Constituição, sem qualquer interpretação, mas a reviravolta de 2016 prevalece até hoje. Os ministros Luiz Fux e Roberto Barroso já se manifestaram contra a modificação. Para eles, a iniciativa é um “retrocesso” e favorecerá os “criminosos de colarinho-branco”.
Entenda
Na prática, a Corte julgará três ações que questionam a possibilidade admitida em análises anteriores. O argumento central dos recursos é de que o Código de Processo Penal estabelece que as prisões só podem ser executadas após o trânsito em julgado, sem recursos restantes.
Além disso, há a premissa de que a presunção da inocência é um direito constitucional que garante ao cidadão dispor de todos os recursos possíveis para se defender, incluindo os cabíveis aos tribunais superiores.
Lula será solto?
As dúvidas sobre o desfecho do ex-presidente, caso a Corte decida derrubar as sentenças de prisão após condenação em 2º grau, são inúmeras. Há quem pense que Lula será solto instantaneamente e a decisão terá efeito cascata. No entanto, não é bem assim.
Mesmo que o STF decida anular as condenações e a iniciativa beneficie o ex-presidente, a defesa ainda terá que apresentar um recurso – que será analisado pela Justiça. Só assim o petista poderá deixar a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR), onde está detido desde 7 de abril de 2018.
Os ministros podem, ainda, elaborar uma decisão permitindo a prisão após condenação em terceira instância. Nesse caso, Lula não seria colocado em liberdade, porque o caso do triplex do Guarujá (SP) – no qual foi condenado – já foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).