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MPF volta a investigar empresas por “caixinha da ditadura” e prepara pedidos de indenização

Grupo se reúne nesta terça, em continuidade aos levantamento da Comissão da Verdade. Objetivo é embasar futuras ações de indenizações

atualizado

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Eugênia Gonzaga
1 de 1 Eugênia Gonzaga - Foto: Reprodução/Redes Socias

Empresas que ajudaram a financiar a ditadura militar (1964-1985) no Brasil voltaram a ser alvo do Ministério Público Federal (MPF) que iniciou um trabalho para tentar concluir os levantamentos já realizados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), constituída no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

A busca pelas empresas que participaram da “caixinha da ditadura” reunidas na chamada Operação Bandeirantes, conhecida como Oban, ou mesmo empresas fora desse grupo, mas que ajudaram de alguma forma na repressão, é um dos 10 pontos a serem investigados pelo grupo de trabalho formado na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão técnico do MPF.

A coordenadora do grupo é a procuradora regional da República, em São Paulo, Eugênia Augusta Gonzaga. A primeira reunião temática com entidade civis será realizada nesta terça-feira (24/11).

Ela presidiu a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos de 2014 até agosto de 2019, quando foi exonerada após ter se manifestado publicamente em defesa da família e da memória do desaparecido político Fernando Santa Cruz. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro atacou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, insinuando, sem provas, que o pai dele, Fernando, havia sido morto por companheiros de guerrilha, por suposta traição.

Eugênia Gonzaga agora continua, com o auxílio de mais cinco procuradores do MPF, a busca por informações sobre o período militar.

Para ela, o trabalho precisa ser desenvolvido no sentido de ouvir atores da sociedade civil, buscar testemunhas e provas de participação das empresas em ações com o objetivo de basear futuras reparações de danos causados a opositores do regime militar.

Ao Metrópoles, a procuradora explicou que o trabalho não é de natureza criminal, mas cível. Um resultado esperado a partir do levantamento de fatos ocorridos é, por exemplo, futuras celebrações de termos de ajustamento de conduta, como o que foi efetivado com a Volkswagen, no qual a empresa assumiu o compromisso de destinar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhadores de sua fábrica no Brasil, perseguidos ou torturados durante o governo militar, além de financiar outras iniciativas de promoção de direitos humanos e difusos.

“Nosso objetivo primeiro é dar sequência ao trabalho de justiça de transição (ramo da Justiça que como objetivo julgar os perpetradores de crimes e graves violações de direitos humanos, e inclui um conjunto de medidas políticas e judiciais utilizadas como reparação), que é feito no MPF há mais 20 anos. Eu sempre atuei na área cível e esse GT Memória e Verdade é apenas para medidas cíveis”, destaca a procuradora.

“Eu acredito que, se a gente fizer um levantamento consistente e der oportunidade para essa empresas também trazerem sua versão, trazerem suas provas, eu acho que isso pode contribuir para gente conseguir promover uma reparação mais geral para a sociedade brasileira no tocante aos crimes cometido pela ditadura.”

Apoio das elites

“O que queremos é ampliar essa investigação também para demostrar o quanto a sociedade brasileira colaborou com essa ditadura. No início, os próprios veículos de imprensa estavam a favor  do golpe, viam sentido na derrubada do governo anterior. A ditadura brasileira foi amplamente apoiada, principalmente pelas elites, pelo setores de importação, pelos setores de formação. Além disso, os militares foram bem-sucedidos em conseguir calar a voz de todos que poderiam demonstrar o que estava acontecendo”, avalia a procuradora..

“A gente acha, inclusive, que esse acordo com a VW foi frutífero até por pressão da VW internacional, na Alemanha, que não quer ver sua história manchada com esse tipo de acusação. Então, ela (a empresa) quis também fazer a reparação”, ressalvou.

O grupo já havia sido criado em 2015, estava inerte e no último dia 13 de agosto teve sua nova composição nomeada pelo novo subprocurador Carlos Alberto Carvalho de Vilhena Coelho.

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Protesto contra a ditadura, na Redenção, no centro de Porto Alegre (RS)
Protesto contra a ditadura militar, na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro (RJ)
Protesto contra a ditadura militar, em frente à Casa das 11 Janelas, local que aprisionou perseguidos pela ditadura, em Belém (PA)
Protesto contra a ditadura militar, na Praça 19 de Dezembro, no centro de Curitiba (PR)
MPF volta a investigar empresas que contribuíram com a ditadura
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Protesto contra a ditadura, na Redenção, no centro de Porto Alegre (RS)

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Protesto contra a ditadura militar, na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro (RJ)

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Protesto contra a ditadura militar, em frente à Casa das 11 Janelas, local que aprisionou perseguidos pela ditadura, em Belém (PA)

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Protesto contra a ditadura militar, na Praça 19 de Dezembro, no centro de Curitiba (PR)

EDUARDO MATYSIAK/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
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MPF volta a investigar empresas que contribuíram com a ditadura

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MPF volta a investigar empresas que contribuíram com a ditadura

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“Nós ficamos muito felizes por ter sido eleita uma das prioridades da PFDC. O objetivo desse grupo no âmbito da PFDC é essa análise ligada a sessões não criminais, que envolvem responsabilização civil , direito à memória e à verdade, a análise dos monumentos históricos, e ainda verificar o funcionamento das comissões de anistia e sobre mortos e desaparecidos, que acabaram ficando bastante desmobilizadas nesse ultimo governo. São 10 eixos no plano de trabalho. A responsabilidade das empresas é apenas um deles”, relata a procuradora.

Oban

A Oban teria sido financiada por diversos doadores privados, entre eles o Grupo Ultra, dono da empresa Ultragas; outras montadoras automobilísticas, como a Ford e a GM; o Grupo Camargo Corrêa; o Grupo Objetivo; o Grupo Folha, além de banqueiros, como Amador Aguiar, do Bradesco. Essas e outras empresas constam na lista de investigação da Comissão Nacional da Verdade.

Empresas como a Fiat e a Companhia Docas de Santos já possuem investigação em andamento. Uma das mortes cometidas pela luta armada contra o regime foi justamente a do presidente do grupo Ultra, o dinamarquês naturalizado brasileiro, Henning Albert Boilesen, assassinado em São Paulo pela resistência à ditadura em 15 de abril de 1971.

Também estão no rol já identificado pela CNV ações cometidas pela empresa Fiat e pela Companhia Docas de Santos. “Em relação a essas duas empresas, a Fiat e a Docas de Santos, as investigados já estão mais adiantadas. Contra as outras empresas ainda não.”

“Após a Comissão da Verdade, a primeira empresa a ser investigada foi a Volkswagen, o que resultou na celebração do termo de ajustamento de conduta no qual ela concordou em reparar a sociedade pelo danos para os quais ela contribuiu. Ela não foi a única a colaborar, mas a comissão não teve tempo de se aprofundar no tema. Faz parte deste acordo que a VW financie um grupo de pesquisa, exatamente sobre esse tema. Esse grupo vai funcionar no Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf) da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo). Ele recebeu desse termo uma verba especificamente para se constituir esse grupo. O que estamos fazendo é colaborar com os colegas que celebraram esse TAC, para a gente indicar as empresas que tiveram esse mesmo papel da VW. Novamente decidimos partir das informados colhidas da sociedade civil.”

Provas

Segundo a procuradora, ainda não houve reunião com as empresas citadas no relatório da comissão. “O que se tem é esse apontamento na Comissão da Verdade. Vamos partir deles e também dos relatos da sociedade civil que podem indicar eventuais testemunhas e meios de provas.”

“No caso da Folha, a gente tem depoimentos de pessoas que estão vivas e que hoje falam: eu fui conduzido para a delegacia dentro de um veículo da Folha. Isso tudo é muito sério. Nós vamos ouvir e, dessas pessoas, vamos extrair essa lista e passar para esse grupo de pesquisa. A ideia é concluir esse rol de empresas. A comissão da verdade não chegou a concluir. Ela apontou como se tivesse sido possível. Agora esse grupo de pesquisa vai levantar as provas dessa colaboração”, observou a procuradora.

Repressão

Eugênia Gonzaga sustenta ainda que os militares foram hábeis em esconder tudo que ocorreu no país, inclusive depois que que deixaram o poder. “A transição da ditadura para a democracia foi totalmente controlada pelos militares. Foi totalmente feita com base no acordo de esquecimento, e esse acordo foi honrado pelos presidentes da República depois. Tanto é que, em 2000, 30 anos depois não havia um procedimento de responsabilização sequer. Nada. Não se falava isso. Quando começamos a tentar trazer o que existia no exterior para cá, éramos vozes completamente isoladas”, lembrou.

“Mas isso foi tomando corpo, até ao ponto de conseguirmos ter uma Comissão Nacional da Verdade. O Brasil foi o último país a ter uma Comissão Nacional da Verdade”, ressaltou.

A procuradora ainda aponta como efeito colateral da busca pelo que ocorreu no período ditatorial as tentativas da extrema-direita de impor a sua versão dos fatos. “A justiça de transição começou a se fortalecer tanto no Brasil que a extrema-direita começa a se fortalecer também. Ela também quer contar sua parte da história, e ela tem a seu favor a ignorância da população. A população, em geral, não sabia”, considerou.

Governos

A procuradora lembra que sucessivos governos não fizeram o trabalho de resgate da memória e a tentativa tímida de Dilma em fazer a “comissão da verdade possível”. “A gente espera mais de Dilma nesse negócio de justiça de transição. A gente esperava uma comissão com mais poderes, com mais tempo para se trabalhar. O que se dizia na época era a comissão da verdade possível. Ou seja, ela tentou ficar com o pé em duas canoas: cumprir a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque não tinha mais como não fazer uma comissão da verdade, mas tentou fazer do modo mais tímido possível. Mesmo assim desagradou os militares e a Dilma caiu.”

Eugênia Gonzaga ainda aponta mudanças feitas ainda no período de Fernando Collor de Mello que, em sua visão não foram aceitas pelos militares. “Ali, eles já começam a queimar os arquivos. Coincidência ou não, Color caiu. Obviamente, não foi só por isso, mas ele não teve o apoio dos militares”.

“Até mesmo a indenização paga pelo governo brasileiro para a família do Carlos Lamarca contou com o beneplácito do Exercito. Ou seja, a primeira lei que reconhece os royalties dos desaparecidos políticos foi negociada item or item pelos militares”. “A primeira lei que reconhece os royalties dos desaparecidos políticos foi negociada item por item com os militares”, cita.

Segundo a procuradora, esse trabalho vem sendo feito em conjunto com outro grupo, formado no âmbito da PFDC, para tratar de empresas e direitos humanos, que é coordenado pelo procurador regional da República Vladimir Aras.

Bolsonaro

Sobre o governo de Jair Bolsonaro, ela aponta total inércia no trabalho de resgate de memória de reparação.

“Ele é típico dessa cultura que vem dos porões da ditadura. Fui exonerada por ele e, a partir desse momento, a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos parou com todos os trabalhos. Estavam sendo conduzidas as identificações das ossadas de Perus, estávamos fazendo diligências no Brasil todo, na tentativa de localizar corpos, estávamos fazendo as certificações de atestados de óbito, constando que a morte decorreu de perseguição estatal política. Isso tudo está parado”, ressalta.

“Isso nada mais é um atos de improbidade. A ministra Damares Alves está nitidamente frustrando todo mecanismo existente no Brasil”, destacou.

“A existência de conselhos é uma faceta da democracia participativa garantida na Constituição.”

Direto à memória

A procuradora ressaltou que o Brasil, ainda precisa de espaços onde sua história possa ser contada para que fatos sombrios não sejam repetidos.

“Esse nosso trabalho de memória e verdade é justamente para isso. É para demostrar que é para fazer espaços, museus, marcos históricos. É para que não se esqueça. É para que nunca mais se repita. A gente tem certeza observando o exemplo de outros países que sofreram essas graves violações, de que somente mantendo viva a memória e o conhecimento da população é que a gente vai prevenir as repetições.”

O grupo

Além de Eugênia Gonzaga fazem parte do grupo os procuradores da República Ivan Cláudio Garcia Marx (SC), José Gladston Viana Correia (AM), José Godoy Bezerra de Souza (PB), Luiz Eduardo Camargo Outeiro Hernandes (MS); e Vanessa Seguezzi (RJ).

Nesta terça, a reunião está marcada para as 18h, é aberta e foram convidadas diversas instituições da sociedade civil.

Qualquer pessoa interessada poderá participar por meio do link: https://mpf.webex.com/mpf/j.php?MTID=m2c1aF3vh6d4oV7yitBKw4UUgzK5UJSrsD74.

O grupo, de acordo com o MPF, tem como diretrizes “zelar pela observância de leis que tratam de mortos e desaparecidos políticos (Lei nº 9.140/1995), da Comissão da Anistia (Lei 10.559/2002), Comissão Nacional da Verdade (Lei nº 2.528/2011) e cumprimento das decisões internacionais em direitos humanos pelo Estado brasileiro em matéria de justiça de transição”.

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