MPF pede prisão de marroquino que ameaçou “beber sangue” de brasileira
Em setembro, juiz da 5ª Vara Federal Criminal de Goiás absolveu o empresário marroquino. Defesa da brasileira recorreu ao TRF-1
atualizado
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O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou a favor da prisão do empresário marroquino Ismail Sbai, acusado de ameaçar de morte a ex-esposa, uma brasileira de 36 anos, e as próprias filhas.
Sbai teria dito à vítima que iria “beber o sangue dela” e chegou a jurar por Deus que mataria a mulher. No entanto, o juiz federal Paulo Ernane Moreira Barros, da 5ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de Goiás (SJGO), o absolveu, apontou “abalo emocional” do acusado e relativizou as ameaças em razão da cultura machista do Marrocos. O caso, que corre em segredo de Justiça, foi revelado pelo Metrópoles.
Frente à absolvição, a defesa da mulher recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
“O douto juiz federal, em sua sentença, considerou que não ficou devidamente demonstrado no presente processo a ação delituosa cometida pelo réu, ora apelado, Ismail Sbai. No entanto, entende-se que restou cabalmente comprovado que esse efetivamente proferiu ameaças à [mulher], utilizando-se da relação íntima de afeto que mantinha com a vítima, fazendo-o com motivação de gênero e aproveitando-se da situação de vulnerabilidade da ofendida para a prática do delito”, assinalou o procurador regional da República da 1ª Região Álvaro Ricardo de Souza Cruz, em 13 de dezembro do ano passado.
O MPF diz que todas as nuances do crime de ameaça se encontram presentes no caso, pois ocorreram de forma explícita (quando Sbai afirmou que iria a matar), implícita (ao enviar vídeo de uma mulher sendo espancada por um homem) e diretamente contra a vítima.
Segundo a Procuradoria, o empresário marroquino admitiu ter proferido as ameaças à vítima, quando se encontrava nervoso, e confessou ter enviado um vídeo de um homem batendo em uma mulher, com o intuito de “fazê-la rir”.
“É imprescindível ressaltar que nos parece impossível, em qualquer situação, entender como brincadeira um conteúdo no qual uma mulher é agredida por um homem. Tal circunstância jamais poderia configurar como algo natural, aceitável ou como motivo para entretenimento”, prosseguiu Cruz.
Entenda
O juiz federal Paulo Ernane Moreira Barros absolveu o empresário marroquino em setembro do ano passado. Na decisão, o magistrado diz que a mulher deveria ter pesquisado sobre os costumes do Marrocos antes de se casar e de ter filhos com o estrangeiro.
A denunciante diz que as discussões começaram quando ela decidiu se divorciar e voltou para o Brasil com as filhas, no fim de 2019. No dia 26 de dezembro daquele ano, o empresário ligou para a mulher e pediu para ela fazer um “strip-tease“, mas a brasileira recusou.
“Você não é nada. Você é uma merda. Quem você pensa que é? Você é minha propriedade. Você tem de fazer o que eu mandar. Quem é você que veio de um país de merda, querer pedir divórcio de mim?”, teria dito o marroquino, por ligação, após ter o pedido negado.
“Toma seu café devagar, porque é o último que você vai tomar. Se você voltar com suas filhas, volte sabendo que eu vou te educar como se educa mulher de um árabe. Até meus inimigos fazem o que eu mando. Depois que eu te educar, vou beber o seu sangue da hora que acordar até a noite”, disse Sbai em ligação para a ex-mulher.
Dois dias depois, de forma mais enfática, o empresário teria deixado claro que tinha a intenção matá-la. “Juro por Deus que vou te matar. Não existe ninguém que me humilhe diante do meu povo.”
Sentença
Na decisão em que absolveu o empresário marroquino, o juiz alegou que a mulher brasileira que se propõe a casar com estrangeiro precisa procurar saber mais sobre os costumes do país de origem do marido.
“Sem a intenção de deslegitimar grandes conquistas femininas, não há dúvida de que a mulher brasileira que se propõe ao casamento com estrangeiro deve, no mínimo, procurar saber quais são os usos e costumes naquele país. Se pretende com ele ter filhos, mais ainda”, diz trecho da sentença.
Para Moreira Barros, também é “inegável” que o término do relacionamento “abalou o emocional” do ex-marido, porque se trata de um estrangeiro, de país árabe, “cujos usos e costumes são peculiares”.
O juiz ainda citou pesquisa realizada no Marrocos pela ONU Mulheres, a qual revelou que 69% dos homens decidem quando e se as esposas podem sair de casa, sendo que 91% querem saber o tempo todo onde a parceira está. A sondagem apontada pelo magistrado mostra também que 38% dos homens e 20% das mulheres disseram que a esposa “às vezes deve apanhar”.
“Portanto, para os marroquinos, o controle sobre o cônjuge do sexo feminino é perfeitamente normal”, escreveu Moreira Barros.
O magistrado ainda afirma que é preciso ser demonstrada a intimidação à vítima para que a denúncia seja levada em consideração, o que, para ele, não ocorreu.
“A frase ‘toma seu café devagar, porque é o último que você vai tomar’, não me parece ameaçadora, uma vez que a vítima se encontrava no Brasil e ele no Marrocos. Portanto, não é crível que ele conseguisse praticar algum mal à vítima”, diz trecho da decisão, em que o juiz desqualifica, frase por frase, as supostas ameaças do empresário marroquino à brasileira.
Outro lado
Procurado, o marroquino Ismail Sbai disse nesta quarta-feira (26/1), por meio de sua defesa, que não irá se manifestar sobre o pedido do MPF.