MP diz que juíza foi racista ao citar “raça” de réu em condenação
Procuradora de Justiça do Ministério Público do Paraná (MPPR) pediu a anulação da condenação de Natan Vieira da Paz
atualizado
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A procuradora de Justiça do Ministério Público do Paraná (MPPR) Mônica Louise de Azevedo pediu a anulação da condenação de Natan Vieira da Paz ao apontar ofensa aos princípios da “moralidade, imparcialidade e impessoalidade” da juíza Inês Marchalek Zarpelon (foto em destaque), da 1ª Vara Criminal de Curitiba (PR).
Negro, Natan foi condenado, em junho do ano passado, a 14 anos e 2 meses de prisão por furto, roubo e organização criminosa. O caso tomou repercussão nacional pois, na sentença, Zarpelon citou três vezes a “raça” do homem.
“Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”, escreveu a juíza.
A procuradora de Justiça assinalou que Zarpelon incorreu em “estereótipo”, algo “inadmissível em qualquer decisão que deva prezar pela moralidade, impessoalidade, presunção de inocência e, principalmente, democracia racial”. O Metrópoles teve acesso à manifestação em segundo grau do MPPR, assinada nessa quarta-feira (4/8).
“Ainda que se diga que não pretendia assim se expressar e que foi um erro de construção do período gramatical, uma sentença judicial com o uso de estereótipo preconceituoso em razão de raça não pode subsistir”, afirmou.
Mônica salientou que a questão é muito mais séria do que uma infeliz construção de frases e parágrafos. Ela ressalta ser necessário desconstruir a versão alternativa de que, se reconstruída a frase, estaria tudo resolvido.
“A incorporação de um viés racista na análise das condutas atribuídas ao recorrente é duplamente perversa para seu julgamento porque traz consequências práticas no âmbito dos standards probatórios: se Natan, por ser negro, procurava atuar de forma discreta, por sua presença secundária e supostamente invisível na cena do crime (inclusive nas imagens captadas pelas câmeras), ao invés de direcionar o convenciomento à insuficiência de provas, ao contrário, reforça, na ótica da magistrada sentenciante, sua participação no crime”, prossegue o MPPR.
“É como se o julgador, incorporando a valoração dada pelo policial e invertendo a lógica ordinária de valoração das provas concluísse: quanto menos aparece, mais culpado é, especialmente sendo de uma raça específica”, completa.
Logo, Mônica conclui que a valoração das provas, em relação a Natan, “ocorre de modo racista e contraditório e, ao que tudo indica, contraditório porque racista: quando aparece ostensivamente na cena do crime tem ‘culpabilidade elevada’, quando não aparece, ou aparece de modo discreto, é mais uma evidência de sua culpabilidade”.
“Na espécie, conforme alega a defesa, verifica-se que a juíza conduziu o julgamento sem isenção e neutralidade, eis que proferiu sentença utilizando-se de fundamentação com apelo punitivo exacerbado, relegando aos recorrentes a imagem dos delinquentes que nada tem a contribuir com a sociedade, a não ser medo, intranquilidade, insegurança, desesperança e desassossego. Há, nos trechos em exame, caso de incongruência ética com as normativas constitucionais e convencionais de enfrentamento do preconceito e do racismo e de promoção da igualdade”, finaliza a procuradora de Justiça.
Em decorrência da alegada imparcialidade da juíza, o Ministério Público do Paraná também pediu a anulação da sentença condenatória dos outros réus: Ademilson Antônio Marcelino, Eloir De Assis Correa Junior, Eros Marcos Alves, Luiz de Almeida Espínola, Noeli Aparecida Alves e Rodrigo Trevisan.
Ao Metrópoles, a advogada Thayse Pozzobon, defesa de Natan, disse que concorda com o parecer da procuradora e que confia que os desembargadores da Câmara Criminal também reconhecerão a parcialidade do juízo e anularão o processo.
TJPR culpa imprensa
No dia 28 de setembro do ano passado, o Órgão Especial (OE) do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) arquivou o processo disciplinar contra a juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba (PR), que mencionou a “raça” de um réu negro ao condená-lo a 14 anos e 2 meses de prisão.
Os desembargadores concluíram que não houve qualquer indícios de racismo. Um dos pontos apresentados pelo Órgão Especial foi que a magistrada teria concedido a mesma pena para todos os membros da organização criminosa, apesar de Natan ser o único negro.
O tribunal entendeu que a frase foi retirada de contexto. Segundo os desembargadores, o termo “em razão da sua raça” estaria subordinado à oração subsequente – “agia de forma extremamente discreta” –, e não à antecedente – “seguramente integrante do grupo criminoso”.
“O Código Civil diz que toda vez que formos analisar, não temos que analisar a literalidade do texto, mas sim a intenção apresentada. Na condição dele [Natan], ele teria que ser discreto para não chamar a atenção”, explicou o desembargador Luiz Osório Moraes Panza, ao perguntar se a juíza tem um histórico racista.
Durante a sessão, os desembargadores elogiaram o histórico da juíza Inês Zarpelon e culparam a imprensa por uma suposta avaliação precipitada. “Nós temos que interpretar a sentença com boa fé. Não se trata de uma sentença de três linhas”, afirmou o desembargador Clayton Maranhão. “Parece que as pessoas têm preguiça de ler, mas não têm preguiça de sair atacando nas redes sociais”, completou.