Ministro do TST: “Justiça do Trabalho será reinventada”
Douglas Alencar Rodrigues imagina a ampliação da área trabalhista para abranger questões previdenciárias
atualizado
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A trajetória de mais de um quarto de século na magistratura está nos cabelos grisalhos, na memória, na lembrança dos diários de Justiça impressos. No pulso, um smartwatch evidencia que o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Douglas Alencar Rodrigues não parou no tempo, embora se considere, em suas próprias palavras, um “homem obsoleto”. Na opinião dele, a Justiça trabalhista sofrerá mais mudanças, como consequência de um mercado impactado pelas novas tecnologias, mas não deixará de existir.
Não acredito no fim da Justiça do Trabalho. Creio que ela deva ser repensada, inclusive no sentido de ter sua competência ampliada para abraçar os conflitos de índole social-previdenciária, que na Justiça Federal, por exemplo, têm sido resolvidos, lamentavelmente, depois de muitos e muitos anos.
Douglas Alencar Rodrigues, ministro do TST
Entusiasta da reforma trabalhista em vigor desde novembro de 2017, o ministro avalia que a revisão da jurisprudência no TST, travada devido a contestações no Supremo Tribunal Federal (STF), é necessária para aplicação das ideias modernas trazidas pela nova legislação, como a regulamentação do home office.
Conforme entendimento de Rodrigues, as regras são suficientes para resolver os novos tipos de conflitos ligados a um mercado orientado pela tecnologia. A atuação dos sindicatos nas negociações trabalhistas, nesse sentido, “será fundamental para a adaptação da lei, mantendo a atualidade da reforma e a tornando duradoura”, pontua.
Douglas Alencar Rodrigues é bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (1989), pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Passou pelos tribunais regionais do Trabalho de Campinas (SP), do Distrito Federal e de Tocantins. Em 2014, tomou posse como ministro do Tribunal Superior do Trabalho.
Em entrevista ao Metrópoles, ele falou sobre a reforma trabalhista, novas tecnologias e perspectivas para o futuro. Leia a seguir.
Houve alguma mudança expressiva em relação às novas tecnologias na reforma trabalhista?
A reforma trabalhista representa um conjunto de inovações legais. A Lei nº 13.467 [de julho de 2017] promoveu, em mais de 100 artigos, alterações significativas. Em relação às tecnologias, nós podemos nos referir, por exemplo, ao tema do teletrabalho. O trabalho remoto, o trabalho prestado em domicílio. E isso, obviamente, também vem ao encontro do objetivo de aumentar os níveis de empregabilidade, de reduzir os custos das empresas com manutenção de espaços físicos, de permitir maior ganho de tempo em favor dos próprios trabalhadores, que não mais devem se deslocar aos espaços físicos. Basta imaginarmos em grandes cidades, como São Paulo, que o deslocamento diário pode consumir duas, três horas para ir e mais duas ou três horas para retornar. Nesse sentido, a reforma andou bem.
E é bom para os dois lados?
Pretende-se que sim. O legislador, obviamente, objetivou criar condições favoráveis para ambos os lados. É evidente que o empregado pode tentar estabelecer até mais de um vínculo de emprego. E nós sabemos que a utilização do computador, a digitação frequente, pode trazer danos, lesões por esforço repetitivo. É, portanto, preciso que se verifique caso a caso. Mas a ideia do legislador é muito boa. Agora, eventualmente, pode haver danos à saúde de trabalhadores que se sujeitem a jornadas exaustivas de trabalho.
A Justiça do Trabalho está preparada para essas mudanças?
A Justiça do Trabalho está preparada para decidir todas essas questões ligadas à reforma trabalhista. Nós ainda estamos com mãos atadas, aqui no TST, para ajustar a própria jurisprudência, porque a reforma mudou muitas das teses inscritas nessas súmulas e orientações jurisprudenciais. A reforma também criou um problema, que foi estabelecer um procedimento difícil para essa alteração. Nós tentamos resolver esse impasse com um exame da própria constitucionalidade desse artigo 702, mas o tribunal pleno não pôde decidir a questão porque algumas confederações nacionais ajuizaram no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de constitucionalidade (ADC). Entendeu-se, aqui no TST, que seria conveniente aguardar o Supremo resolver essa questão para só depois nós promovermos esses ajustes que precisam ser feitos na nossa jurisprudência.
Nós temos um paradoxo de uma lei em vigor e de várias súmulas, que estão também vigendo, com diretrizes contraditórias. Isso gera insegurança jurídica e atrapalha as inovações trazidas pela reforma trabalhista.
Casos relacionados a tecnologias já estão chegando à Justiça do Trabalho?
Estão começando a chegar. Por exemplo: a discussão que envolve a existência ou não de vínculo de emprego para aqueles trabalhadores que se ativam via aplicativo. Essa é uma questão ainda nova no TST. Inclusive, comparada a outros países. Na Inglaterra, há uma decisão que reconheceu o vínculo de emprego de motoristas que operam com o aplicativo Uber.
E existe alguma avaliação sobre isso?
O vínculo de emprego pressupõe subordinação jurídica. A pessoalidade, a não eventualidade e a onerosidade. E a subordinação jurídica, ela estará presente quando o empregado, o trabalhador, se colocar em estado de submissão, de sujeição do poder do empreendimento.
Eu uso muito o Uber e sempre pergunto aos motoristas como se dá a rotina de trabalho. Alguns possuem, inclusive, outros aplicativos que são concorrentes. E eles dizem que definem, como bem entendem, quantas horas por dia vão trabalhar.
Então, há liberdade, autonomia, que parece incompatível com uma relação de emprego. Esses aplicativos concedem autonomia. Trabalha se quiser, quando quiser, numa relação de parceria, auferindo ganhos e repassando uma parte para a empresa que fornece o aplicativo.
Agora, evidentemente, cada caso vem com as suas peculiaridades, com as suas premissas. Pode haver situações em que o trabalhador consiga provar que, embora usasse o aplicativo, era cobrado constantemente, tinha que cumprir jornada sob pena de ser até descredenciado. Existem critérios, cenários, que cada caso poderá nos apresentar.
A Justiça do Trabalho vai ficar obsoleta? Vai acabar?
Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. O que eu diria é que a Justiça do Trabalho será reinventada porque nós atuamos resolvendo essas disputas ligadas ao universo capital-trabalho, que é muito amplo. Nós temos questões de direito previdenciário ligadas à seguridade social. Temos questões empregado-empregador, propriamente ditas. Temos questões vinculadas ao direito tributário, aplicáveis também nessas questões do trabalho. Temos os conflitos coletivos. Temos, enfim, uma série de matérias que nos são apresentadas.
É evidente que a mudança dessa produção capital-trabalho pode produzir impactos, sem dúvida, que levem a um enxugamento da jurisdição trabalhista. Mas os conflitos sempre vão existir. É da natureza humana. Se a Justiça do Trabalho não for a responsável por julgá-los, outro órgão vai ter que resolver, porque nós temos uma Constituição que assegura o direito de acesso à Justiça. Mas nós vivemos num momento de muitas transformações.
Não acredito no fim da Justiça do Trabalho. Creio que ela deva ser repensada, inclusive no sentido de ter sua competência ampliada para abraçar os conflitos de índole social-previdenciária, que na Justiça Federal, por exemplo, que está abarrotada, têm sido resolvidos, lamentavelmente, depois de muitos e muitos anos.