Lista de Janot e foro privilegiado deixam STF sobrecarregado
STF demora 565 dias para receber denúncia. A lista, com 83 pedidos de abertura de inquérito, revela urgência em rever o privilégio
atualizado
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O foro privilegiado tem se mostrado uma pedra no sapato do Supremo Tribunal Federal (STF). O sistema chegou a ser chamado de “perversão da Justiça” pelo ministro Luís Roberto Barroso, crítico velado da prática. Segundo o magistrado, a regra é feita “para não funcionar” e provoca um grande congestionamento na Corte. A lista de Janot, com 83 pedidos de abertura de inquérito contra parlamentares e ministros de Estado — que têm prerrogativa de foro —, deve agravar a situação.
Para receber uma denúncia e transformar um político em réu, o STF demora, em média, 565 dias — mais de um ano e meio. Segundo a ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora-geral de Justiça Eliana Calmon, o foro privilegiado, nos moldes atuais, é “absolutamente inviável”.
A situação preocupa não só pela demora, mas diante da possibilidade de prescrição punitiva, que ocorre devido ao excesso de tempo entre o fato criminoso e a atuação do Estado para puni-lo. No entanto, para Eliana Calmon, se o foro privilegiado existe na Constituição Federal, os tribunais têm de se equipar para dar conta da demanda.Sou contra o foro privilegiado. Demora-se muito e os crimes terminam caminhando para a prescrição. Não sou contra para todas as autoridades, mas que sejam poucas. Não essa enxurrada de pessoas, como é atualmente
Eliana Calmon, ex-ministra do STJ
“Naturalmente, o relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, está muito assoberbado. Isso deveria provocar uma manifestação da Corte para haver uma excepcionalização e ele ficar livre dos outros processos da distribuição para atender a Lava Jato”, ponderou Eliana.
Processos desprivilegiados
O STF tem como prerrogativa ser o guardião da Constituição, mas tem ficado refém dos vários processos penais que batem à porta da mais alta Corte do Judiciário brasileiro. Entre eles, os casos referentes a políticos.
Nas duas primeiras sessões do mês de março, a 2ª Turma só conseguiu analisar dois processos, ambos referentes à Lava Jato. Tornou réu o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) e o deputado Vander Loubet (PT-MS), nomes ainda da primeira lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
O colegiado, responsável por julgar os casos da operação, se reúne apenas uma vez na semana — às terças-feiras, a partir das 14h — e tem de vencer uma pauta extensa com outros processos significativos. Enquanto se debruça sobre essas questões e leva a tarde toda para apreciar os pedidos, outros casos ficam parados.
Preferência de julgamento
Especialista em direito processual, o advogado Leonardo Ranna avalia que não é de hoje que o Supremo Tribunal Federal dedica boa parte da sua capacidade de julgamento às ações de matéria criminal. “Essa carga maior de processos criminais com certeza vai influenciar no tempo necessário para apreciar outras matérias de competência do STF”, analisa.
Segundo Ranna, como essas ações têm preferência no julgamento por tratar de um bem jurídico maior, elas, de fato, consomem uma fatia maior do tempo do Supremo. “As turmas não têm uma divisão de competência por matéria, de modo que, de fato, uma sobrecarga de inquéritos e ações penais ou de processos criminais vai exigir do Supremo uma maior atenção ou maior de dedicação. De fato, tira o tempo para outras matérias.”
Possibilidade de mudança
Eliminação ou redução drástica. Essa foi a sugestão de Roberto Barroso ao afetar ao plenário do STF uma ação penal na qual se pretende discutir o alcance do foro privilegiado. “Há problemas associados à morosidade, à impunidade e à impropriedade de uma Suprema Corte ocupar-se como primeira instância de centenas de processos criminais”, registrou o ministro.
O caso diz respeito ao ex-deputado federal Marquinho Mendes (PMDB-RJ), acusado do crime de compra de votos, mas a questão vai além. Barroso quer debater a possibilidade de limitar o foro aos crimes cometidos em razão do ofício e que digam respeito estritamente ao desempenho daquele cargo. O processo pode ser uma saída para aliviar o Supremo.
Cortes Constitucionais, como o STF, não foram concebidas para funcionarem como juízos criminais de primeiro grau, nem têm estrutura para isso.
Roberto Barroso, ministro do STF
De acordo com Barroso, desde que o STF começou a julgar ações penais, a partir da Emenda Constitucional 35/2011, já houve a prescrição da pretensão punitiva de mais de 60 casos.
Listas de Janot
Hoje, a sociedade espera que o mesmo não ocorra com a Lava Jato. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgou a primeira lista de políticos a serem investigados no âmbito dessa operação em março de 2015. Ao todo foram 28 pedidos de abertura de inquérito que incluíam 49 políticos. O STF autorizou o prosseguimento das investigações em 25 casos. Dessa lista, apenas seis parlamentares se tornaram réus. Até agora, nenhum político foi condenado.
A segunda lista foi enviada ao Supremo no dia 14 de março. São 83 pedidos de abertura de inquérito. Os nomes dos políticos alvo da maior ofensiva da Operação Lava Jato ainda não foram relevados oficialmente, mas o PGR já pediu a quebra do sigilo das delações premiadas de ex-executivos da Odebrecht, que embasaram os pedidos. Estima-se que quase 100 pessoas com foro privilegiado possam vir a ser investigadas pelo Supremo.
Entre os políticos implicados na famigerada lista estão ministros do governo Temer, como Eliseu Padilha, da Casa Civil; Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência; e Aloysio Nunes Ferreira, das Relações Exteriores. Também são alvo de Janot Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do Senado; Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados; e os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL), Romero Jucá (PMDB-RR), Edison Lobão (PMDB-MA), José Serra (PSDB-SP) e Aécio Neves (PSDB-MG).
O PGR também pediu para investigar seis políticos do DF: os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT); o ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB); o ex-secretário de Habitação da gestão Agnelo, Geraldo Magela (PT); além do distrital Robério Negreiros (PSDB) e do ex-senador Gim Argello, preso e condenado pela Lava Jato.
Foro na mira
No Congresso, o foro privilegiado está por um fio. Tramita atualmente no Senado uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que quer acabar com a prerrogativa, inclusive para o presidente da República, nos casos em que a autoridade cometer crimes comuns. A PEC prevê também a possibilidade de prisão de membros do Congresso após condenação em segunda instância nas infrações comuns.
A proposta chegou a ser discutida no plenário da Casa, mas voltou para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Como a PEC recebeu emendas para alteração e foi apensada a outro texto referente ao assunto, retornou à comissão, mesmo já tendo sido aprovada em 2016. O relator da matéria é o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Para ser aprovada no Senado, a PEC precisará de pelo menos 49 votos favoráveis nos dois turnos de votação. Caso passe pelo crivo dos parlamentares nas duas etapas, a proposta segue para análise da Câmara dos Deputados. Entretanto, não há previsão para que isso aconteça.