Justiça aceita denúncia sobre cartel de trens no governo de José Serra
Há indícios de que os cinco executivos da Alstom e dois da CAF denunciados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate a Delitos Econômicos (Gedec) do Ministério Público de São Paulo cometeram crimes
atualizado
Compartilhar notícia
A Justiça de São Paulo aceitou a denúncia contra sete executivos acusados de cartel e fraude à licitação de 2009, durante o governo José Serra (PSDB) em São Paulo, para a criação de uma Parceria Público Privada (PPP) no setor metroferroviário paulista.
A parceria, no valor total de R$ 1,8 bilhão, contempla a aquisição de 288 carros novos para a frota da linha 8 – Diamante da CPTM, além da responsabilidade de realizar por 20 anos a manutenção preventiva, corretiva e revisão geral da frota.
Diante disso, a magistrada aceitou a 8ª denúncia contra empresários acusados de participar do cartel em São Paulo e deu o prazo de dez dias para que os réus respondam às acusações e indiquem testemunhas.
Prisão preventiva
Porém a justiça negou, pela 11ª vez, o pedido de prisão preventiva de executivos acusados de envolvimento com o esquema de cartel e fraude às licitações do sistema metroferroviário nos governos do PSDB em São Paulo, entre 1999 e 2009.
Na decisão em que aceitou a denúncia contra sete executivos acusados de fraudar uma Parceria Público Privada (PPP) da CPTM de R$ 1,8 bilhão em 2009, no governo José Serra (PSDB), a juíza Roseane Cristina de Aguiar, da 28ª Vara Criminal da capital, entendeu que o fato de os réus Cesar Ponce de Leon, que ocupou no Brasil a direção da Alstom, e Antonio Oporto Del Omo, ex-presidente da multinacional na Espanha, residirem no exterior não significa que eles vão frustrar o cumprimento da lei.
“Não obstante a gravidade das imputações, não há qualquer evidência de que soltos, os denunciados Cesar Ponce de Leon e Antonio Oporto Del Omo poderão comprometer a ordem econômica ou frustrar a aplicação da lei penal”, assinalou a magistrada ao aceitar a denúncia contra cinco executivos ligados à Alstom e dois da CAF apresentada no começo de março.
Denúncia
A denúncia tem por base as investigações do Ministério Público de São Paulo e o acordo de leniência da multinacional alemã Siemens com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em 2013. Nesta licitação, apenas o Consórcio Paulista, formado pelas empresas CAF – Brasil Indústria e Comércio S.A., CAF S.A. – Construcciones Y Auxiliar de Ferrocarriles S.A. e ICF – Inversiones en Concesiones Ferroviarias S.A.,ofereceu proposta para assumir a PPP e foi a vencedora do certame.
Ainda assim, segundo a denúncia, houve crime financeiro e crime contra a administração pública, pois executivos da Alstom, CAF, Bombardier, Siemens, MGE, Mitsui e Tejofran teriam discutido estratégias para dividir o certame e até fazer parcerias.
Na acusação são listadas dez trocas de e-mails entre executivos da Alstom com referência às reuniões com representantes de outras empresas e também com a indicação de que eles não chegaram a um “acordo global” sobre como seria dividido o contrato entre as empresas.
“Competição sem competidores”
Diante disso, a denúncia aponta que a CAF já sabia que as outras empresas não iriam apresentar proposta para a licitação, o que configurou uma “competição sem competidores”. “Exatamente pelo teor das conversas (a CAF) teve a certeza da não participação de outras empresas na ‘concorrência’ e ofereceu o preço que bem entendeu – seguramente muito acima daquele que resultaria de ambiente competitivo, já que não encontraria qualquer resistência”, assinala a denúncia.
Chamou a atenção do Gedec o fato de que o preço oferecido pelo consórcio formado pela CAF ser apenas 0,0099% abaixo do valor de referência estabelecido pela CPTM na licitação. Além disso, dentre as trocas de e-mails que indicam as tratativas entre empresas concorrentes, uma mensagem de Cesar Ponce de Leon, de 19 de setembro de 2009, mostra a preocupação do grupo em explicar para a CPTM o porquê de apenas uma oferta, caso todas as empresas decidissem dividir o projeto.
A solução de se juntarem todos, tem para mim o problema de que teremos que explicar ao cliente que só haverá uma oferta (pode-se justificar pelo problema de capital, dos prazos de entrega etc.). Além do mais, se os trens novos são para nós e para a CAF, acho difícil que Bombardier e Siemens o aceitem. A segunda solução (CAF e nós, + MGE mais financeiro) me parece mais viável
Cesar Ponce de Leon
Em seguida, ele ainda sugere que não haveria competição se uma das empresas não participasse. “Mas haverá competição, a não ser que a Siemens jogue a toalha”.
Apesar de indicar a participação de executivos de outras empresas na denúncia, o Ministério Público afirma que não encontrou provas suficientes para enquadrá-los nos crimes.
Aditivo
Além da licitação com proposta única e dos e-mails indicando a estratégia conjunta das empresas, chamou a atenção do Ministério Público o fato de o governo do Estado de São Paulo ter assinado, já em fevereiro de 2015 no segundo mandato do governo Geraldo Alckmin, um aditivo de R$ 13,3 milhões, “praticamente equivalente àquele valor da diferença entre o valor de referência (da CPTM e o valor proposta (da CAF)”.
A justificativa do aditivo era a instalação de equipamentos de bordo de Controle de Tráfego Automático em 36 novos trens fornecidos, o que não estava previsto no contrato inicial. Apesar da referência, a denúncia não acusa nenhum funcionário público, nem as estatais e nem o governo de São Paulo, de irregularidades.
Na ocasião da denúncia, a Alstom e a CAF informaram que estão colaborando com as autoridades brasileiras.