Inquérito dos Portos: teve até nota fria em obra da filha de Temer
Responsável por reforma, mulher do coronel Lima pediu para empresa faturar venda com valor maior que preço de materiais: PF quer prendê-la
atualizado
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O relatório final do Inquérito dos Portos, produzido pela Polícia Federal, mostra que até mesmo nota fria foi usada para tentar esconder as falcatruas por trás da reforma da casa de Maristela Temer, filha do presidente Michel Temer (MDB). Em depoimento, Antônio Carlos Pinto Júnior, dono de uma empresa de materiais de construção em São Paulo, conta que a arquiteta responsável pela obra, Maria Rita Fratezi, ao adquirir produtos no local, pediu que o valor final fosse superior ao total das compras, a “título de reserva técnica”.
A arquiteta é esposa do coronel João Baptista Lima Filho, amigo do presidente e suspeito de ser intermediário de propinas para o emedebista. Na empresa, Maria Rita comprou esquadrias de PVC, definidas como de alto padrão pelo empresário, no valor total de R$ 120 mil, ainda em 2014. Segundo Antônio Carlos, a arquiteta pediu um desconto e eles fecharam em R$ 100 mil. Nesse momento, ela pediu para que a nota saísse com R$ 15 mil a mais, já que precisaria do montante como reserva.
O comerciante aceitou a alteração na nota fiscal, desde que ganhasse R$ 5 mil de comissão (veja o depoimento abaixo).
Como provas do negócio, o empresário entregou à Polícia Federal extratos bancários e até mesmo um contrato assinado por Maristela Temer. Ele contou ainda que a arquiteta pretendia pagar em dinheiro vivo a primeira parcela dos materiais adquiridos para a reforma, no valor de R$ 56 mil. No entanto, o dono da empresa se recusou a aceitar e, então, Maria Rita Fratezi depositou o montante na conta da loja.
Procurado pela reportagem, Antônio Carlos Pinto Júnior não quis comentar as denúncias feitas por ele. O empresário disse apenas que “tudo que tinha para contar foi dito durante o depoimento prestado à PF”, em 29 de maio deste ano.
Indiciamento e prisão
No relatório final, entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (16/10), a PF pediu o indiciamento de Michel Temer e mais 10 envolvidos por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa: Maristela Temer, o coronel Lima e sua mulher, Maria Rita, entre eles. Os federais pediram também a prisão preventiva do casal – bem como do dono e de um dos diretores da Rodrimar, empresa supostamente beneficiada pela a edição do Decreto dos Portos pelo emedebista.
Em nota, a defesa do coronel Lima e Maria Rita se disse “perplexa” com os pedidos de prisão. Segundos os advogados, “sempre foram apresentadas todas as informações solicitadas pelas autoridades, o que torna o pedido de prisão desprovido de fundamento legal”.
Entenda o caso
Desde novembro de 2017, o delegado federal Cleyber Malta Lopes apurava se empresas do setor portuário pagaram propina em troca da edição do Decreto dos Portos. O texto ampliou de 25 para 35 anos as concessões dessas companhias, que poderiam administrar terminais portuários por até 70 anos. A suspeita é que as principais beneficiárias tenham sido a Rodrimar e o grupo J&F.
O inquérito, aberto pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot, baseia-se nas delações de ex-executivos da J&F, grupo proprietário da Eldorado Celulose, que atua no Porto de Santos (SP). Eles denunciaram pagamentos de propina a agentes políticos, entre eles Michel Temer e seu ex-assessor e ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (MDB).
Depois, o coronel João Baptista Lima Filho, amigo do presidente, também passou à condição de investigado: teria recebido R$ 1 milhão da J&F, a pedido de Temer, segundo os delatores. Rocha Loures e Lima Filho chegaram a ser presos. A detenção de Loures ocorreu quando ele carregava uma mala com dinheiro entregue por representantes da J&F e a qual seria, segundo ele, destinada a Michel Temer, o que lhe rendeu o apelido de “homem da mala de Temer”.
Além deles, o ex-deputado federal Antônio Celso Grecco, dono da Rodrimar, e Ricardo Conrado Mesquita, diretor da empresa, também tiveram o indiciamento e a prisão pedidos pela PF. Durante quase um ano, a Polícia Federal investigou ainda uma reforma feita na casa da filha do presidente, Maristela Temer. A obra é avaliada em ao menos R$ 1 milhão e teria sido paga com recursos do setor portuário. Maristela também acabou indiciada pela Polícia Federal.
A conclusão do inquérito foi prorrogada quatro vezes, com autorização judicial. O relatório final da PF sobre a investigação foi entregue, nessa terça, ao ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo no STF. Barroso, por sua vez, encaminhou o documento à Procuradoria-Geral da República, que deve autorizar ou negar os pedidos de prisão e acatar ou rejeitar a denúncia. Até que isso ocorra, o ministro do Supremo determinou o sequestro dos bens dos indiciados e determinou que nenhum deles poderá deixar o país.
Nesta quinta-feira (18/10), Temer chamou ao Palácio do Planalto, para discutir o relatório, os ministros Carlos Marun, da Secretaria de Governo, e Torquarto Jardim, da Justiça; o marqueteiro Elsinho Mouco e o advogado Brian Alves Prado. O presidente da República decidiu convocar a reunião já que agora o processo foi remetido à PGR, que pode transformá-lo em réu no caso. No fim da tarde, o presidente viajou para São Paulo, para se reunir com sua equipe de defesa.
Todos os envolvidos negam as acusações feitas pelos delatores da J&F.