Campeão de produtividade: conheça Kassio Marques, o nome de Bolsonaro para o STF
Humanista, religioso e de perfil conservador, o juiz federal ficou conhecido por gestão eficiente no TRF-1
atualizado
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O aparecimento de um nome que estava fora do radar para a cadeira que o decano Celso de Mello deixará vaga no mês que vem no Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo, a princípio, bem avaliado nos círculos de poder jurídico e político. O piauiense Kassio Nunes Marques, de 48 anos, é tido como alguém de boa articulação, muito discreto publicamente e obcecado por eficiência no trabalho.
Segundo fontes do Palácio do Planalto confirmaram ao Metrópoles na manhã desta quarta-feira (30/9), o presidente Jair Bolsonaro disse a ministros ter escolhido o nome de Marques para indicar ao STF. A informação foi divulgada, inicialmente, pelo colunista Lauro Jardim, de O Globo.
Desempenhando função de desembargador do TRF-1, Corte da qual foi vice-presidente até o início deste ano, Kassio Nunes Marques ficou marcado como um resolvedor de pendências históricas. Um ex-colega de tribunal conta que o magistrado “se distinguiu porque conseguiu dar encaminhamento e desfecho a acervos imensos”. “Ele chegou a levar até mil processos para julgamento em uma mesma sessão, marcando sua atuação como alguém que tinha reconhecida capacidade de gestão”.
No período de dois anos em que Marques ocupou a vice presidência do TRF-1, números do tribunal mostram que ele tomou 167.432 decisões em processos, uma média de 6,9 mil por mês – lembrando que o Judiciário goza de dois meses de férias por ano. Em várias ocasiões, o magistrado proferiu mais de 600 decisões em um dia por meio da gestão para unir ações sobre o mesmo tema.
Advogado, com histórico de atuação em casos complexos no setor de planos de saúde, Marques iniciou a vida de juiz em 2008, após 15 anos no “outro lado do balcão”, quando ingressou no Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE-PI). Em 2011, no primeiro governo de Dilma Rousseff, entrou no TRF-1 após a aposentadoria do juiz federal Carlos Fernando Mathias de Souza. Kassio Nunes Marques é doutor em direito pela Universidade de Salamanca, na Espanha, pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Messina (Itália) e concluiu o pós-doutorado em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca, com diploma em tramitação.
Enquanto advogado, Marques ocupou vários cargos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Piauí e foi suplente do Conselho Federal da OAB. A articulação o ajudou a ser indicado como representante da advocacia na carreira de magistrado (o chamado quinto constitucional) e ainda rende frutos, pois seu nome, desde que veio a público, está despertando efusivos elogios nos meios jurídico e político.
Como juiz, Nunes se notabiliza também pelos votos curtos, de redação objetiva e didática. Ele evita fazer longas citações retiradas de peças de outros juristas.
Em 2015, foi cotado para assumir a vaga do ministro aposentado Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ficou em 4º lugar em uma eleição entre desembargadores, com 16 votos, e não integrou a lista tríplice enviada à então presidente Dilma Roussef.
A indicação de desembargadores no STJ é feita da seguinte forma: o tribunal anuncia a vaga e os magistrados têm um prazo para se candidatar. Na sequência, eles podem fazer visitas aos gabinetes dos ministros e apresentar seus currículos. Após essa fase, o pleno vota para formar a lista tríplice.
Kassio ingressou na magistratura através do quinto constitucional – dispositivo jurídico que estabelece que um quinto das vagas de determinados tribunais brasileiros seja preenchido por advogados, indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e membros do Ministério Público.
Apesar de uma certa resistência do STJ a magistrados que ingressam na carreira dessa forma, a posição de Kassio Numes Marques na eleição do pleno mostra que ele conseguiu se articular com os ministros da Casa e vencer, pelo menos, parte dessa resistência.
Repercussão
Se Kassio Marques for confirmado como o nome de Bolsonaro ao STF, o presidente terá evitado indicar para a vaga um jurista “terrivelmente evangélico“. Humanista, religioso e de perfil conservador, o juiz federal ficou conhecido por uma gestão eficiente no TRF-1. Católico praticante, já chega operando o pequeno milagre de não sofrer críticas imediatas.
Nomes que vinham sendo cotados, como os dos ministros Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, e André Mendonça, da Justiça, estavam desgastados pela própria associação ao governo.
Entre políticos em alinhamento com o Planalto, um dos primeiros a se manifestar foi o conterrâneo senador Ciro Nogueira, presidente nacional do PP e um dos líderes do Centrão, que defendeu a escolha. Veja a empolgação do parlamentar nas redes sociais:
Também piauiense e oriundo da carreira jurídica, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), celebra o surgimento do nome de Kassio Nunes Marques como candidato ao Supremo. Segundo Ibaneis, o magistrado conquistou o respeito dos colegas. “Trata-se de um jurista de temperamento muito afável, conciliador. Ele é respeitado e admirado pelos colegas. Se esta for, de fato, a vontade do presidente será um nome a somar muito no STF. No direito, diz-se que não se faz campanha para vagas como a de ministro do Supremo, mas quando o convite acontece, não se pode negar”, opinou.
Conservadores por fora
Se caiu bem entre os novos aliados do presidente Jair Bolsonaro, a possível indicação, porém, ainda não foi assimilada pela ala mais ideológica do bolsonarismo, que tinha a expectativa por um perfil claramente conservador e reservas a nomes como os de Mendonça e de Oliveira.
“Não conheço. Para falar a verdade, nunca ouvi falar”, disse ao Metrópoles, sobre Kassio Marques, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que nesta quarta-feira (30/9) perdeu a vice-liderança do governo na Câmara, onde estava havia mais de um ano. “Mas é bom que seja cristão para ter os mesmos valores que a maioria do povo brasileiro tem. A gente não tem ninguém conservador no STF”, disse.
Marques se manifestou sobre assuntos de grande repercussão, que mobilizam a sociedade brasileira, como a prisão de réus antes da condenação em segunda instância. Em entrevista ao site Conjur em 2018, ele mostrou uma posição intermediária sobre a possibilidade de prisão só após condenação em segunda instância, que era o entendimento do Supremo na época.
Para ele, cada caso é um caso: “Não é necessário aguardar o trânsito em julgado para a decretação da prisão. Ao meu sentir, o Supremo autorizou que os tribunais assim procedam, mas não os compeliu a assim proceder. O recolhimento ao cárcere não é um consectário lógico que prescinda de decisão fundamentada e análise das circunstâncias de cada caso. Há a necessidade de a ordem ser, além de expressa, fundamentada. Diante das circunstâncias do caso concreto, os julgadores podem adotar ou não a medida constritiva de liberdade”.
No mundo jurídico
A repercussão também está sendo boa entre os advogados. O presidente da OAB-DF, Délio Lins e Silva Jr., só tem boas referências. “Era um advogado extremamente competente, é um magistrado extremamente competente. Receptivo à advocacia, atende bem os advogados. Quando ocupou a vice-presidência do TRF-1, era o responsável pelas admissibilidade de recursos especiais extraordinários e os números de produtividade dele sempre foram muito altos. No tribunal, a fama dele era de uma pessoa, além de competente, que trabalhava muito. Ele tem toda a nossa admiração”, avaliou.
O presidente da seccional Piauí da Ordem, Celso Barros Coelho Neto, vai na mesma linha e lembra que foi contemporâneo de Nunes na advocacia.
“Nós fomos advogados contemporâneos, frequentamos o mesmo fórum. Ele teve uma vivência grande na advocacia e ocupou funções na OAB, o que é importante para os que se tornam juízes pelo quinto constitucional; o desembargador Kassio conhece a Justiça nordestina e brasileira e é um homem que merece ser alçado à Corte Constitucional do Brasil”, avalia.
Amigo pessoal de Kassio Nunes, o advogado Sigifroi Moreno, ex-presidente da OAB-PI, conta que o conhece desde o ensino médio e que a possível indicação o alegra pela amizade e pelo trabalho que Nunes pode fazer: “No âmbito político-institucional, ele foi um grande líder. Nós o imaginávamos como presidente da seccional da OAB do Piauí”.
“Então, se for mesmo indicado, será positivo. Ele tem se destacado dentro do tribunal a que pertence, como um bom juiz, com produtividade destacada, comportando-se como um magistrado ponderado, inovador, vanguardista. Ele possui qualidades, claro, para a vaga”, apostou o amigo.
O também advogado Juliano Costa Couto, que já presidiu a OAB-DF, acha que as características pessoais de Nunes serão uma boa novidade no Supremo. “É um grande nome, uma ótima escolha, que muito tem a contribuir no Supremo, inclusive com humanidade e serenidade”, afirmou, antes de elencar outra “qualidade”. “Bom que se diga, é flamenguista do mais alto gabarito”, concluiu.
E no Supremo?
Antes de optar pelo nome de Marques, o presidente Jair Bolsonaro o levou à casa do ministro Gilmar Mendes, do Supremo, onde também estava o ministro Dias Toffoli, que, recentemente, deixou a presidência da Corte. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também esteve presente, sinalizando que o nome agradaria.