Fachin vota contra restrição à doação de sangue por homens gays
Ação foi ajuizada pelo PSB contra normas que proíbem homens gays de doarem sangue pelo período de 12 meses a partir da última relação sexual
atualizado
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“A orientação sexual não contamina ninguém. O preconceito, sim.” Com um voto de mais de 40 páginas, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), se posicionou nesta quinta-feira (19/10) pelo fim da restrição imposta a homens gays para a doação de sangue. Na avaliação do ministro, é a conduta do indivíduo que deve definir quem está apto ou não a praticar o ato, e não a orientação sexual. “O estabelecimento de grupos, e não de condutas de risco, incorre em discriminação”, ponderou Fachin.
A discussão teve início na tarde de quinta com o julgamento de uma ação proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As regras atualmente em vigor impedem homens homossexuais de doarem sangue por até 12 meses após terem relações sexuais. Segundo a sigla, o fato ofende a dignidade dos envolvidos e impede o exercício da solidariedade.
Preconceito e discriminação
Durante sua fala, Fachin defendeu o tratamento igual e digno a todas as pessoas que desejam doar sangue. De acordo com o relator, a exclusão de quaisquer grupos de pessoas desse cenário deve ser vista “com atenção redobrada”. “É preciso reconhecer a cada um, e a todas as pessoas, igual tratamento moral, jurídico, normativo e social”, alertou.
Sangue e pertencimento têm, ao longo da história, pendulado entre os extremos do acolhimento e da exclusão.
Edson Fachin, ministro do STF
Segundo o ministro, a restrição imposta pelos órgãos de que os doadores só sejam liberados para doar sangue passados 12 meses da última relação sexual configura praticamente proibição, o que viola “a forma de ser e existir” dos indivíduos e o dever de respeito à diversidade.
“As normas afrontam a autonomia daqueles que querem doar sangue, mas encontram-se, pela razão da orientação sexual, limitados pelas normas ora impugnadas”, avaliou Fachin. Para o ministro, as regras, ainda que não intencionalmente, ofendem a dignidade da pessoa humana “porque impedem que pessoas por ela abrangidas sejam como são”.
Sustentações orais
A relevância da ação levou nove advogados à tribuna do Supremo para defender suas posições. Primeiro a falar, Rafael Carneiro, representante do PSB, repudiou as normas do Ministério da Saúde e da Anvisa e lembrou que “a orientação sexual não se presta como fato para desigualdade jurídica”. “Não é a orientação que define o risco de uma pessoa ser infectada por uma doença sexualmente transmissível, mas a conduta, o comportamento individual”, frisou.
Para Gustavo da Silva, que sustentou pela Defensoria Pública da União, a regulamentação é “absolutamente discriminatória” e estigmatiza um grupo social. “O grande desafio é buscar as sutilezas subjacentes aos discursos aparentemente inofensivos”, avaliou Silva ao destacar os preconceitos implícitos nos normativos.
‘Gays são mais promíscuos’. ‘Aids é doença de gay’. Essas frases nos chocam, mas elas estão subentendidas nas normas que se está a atacar nessa ação direta de inconstitucionalidade.
Gustavo da Silva, defensor público
Do Centro Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília, Cezar Britto destacou que não há ato mais solidário do que a doação de sangue. A ação fraterna, em seu ponto de vista, não pode ser impedida pelo regramento imposto pelos órgãos brasileiros. Ainda segundo o advogado Rafael dos Santos Kirchhhoff, do Grupo Dignidade Pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros, as normas negam o direito de livre expressão da sexualidade.
“Tratamento discriminatório”
A ação do Partido Socialista Brasileiro (PSB) questiona norma da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que restringe a doação de sangue por homens homossexuais. Segundo a sigla, as regras violam a dignidade da pessoa humana, o direito fundamental à igualdade, o objetivo fundamental de promover o bem de todos sem discriminações e o princípio da proporcionalidade.
Além dos prejuízos às pessoas atingidas por estas regras, o PSB lembra que a proibição de doação de sangue por homens gays impede a doação de 19 milhões de litros de sangue por ano. “Considerando que em cada doação são coletados, em média, 450 ml de sangue, o desperdício anual de 19 milhões de litros corresponde a um número assombroso de vidas que poderiam sem salvas, mas que acabam desassistidas”, argumenta.
Para o partido, o entrave criado pela norma releva um “absurdo tratamento discriminatório” por parte do Poder Público em função da orientação sexual.