Empresa que atrasou vacinas foi denunciada por esquema de propina
IBL Logística foi denunciada por improbidade administrativa em 2016. No fim do ano passado, empresa fez contrato com o Ministério da Saúde
atualizado
Compartilhar notícia
A Intermodal Brasil Logística (IBL), empresa contratada pelo Ministério da Saúde para transportar as vacinas pediátricas contra a Covid-19 da Pfizer, já foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) por envolvimento em um esquema de propinas na Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). O Metrópoles teve acesso à íntegra do processo.
O suposto suborno dado a servidores da superintendência teria como objetivo agilizar o processo das apresentações de mercadorias na Zona Franca de Manaus e obter as chancelas sem as devidas vistorias. Com isso, a companhia seria beneficiada com incentivos fiscais.
A denúncia feita pelo MPF contra a IBL e outras duas empresas, por improbidade administrativa, foi apresentada em junho de 2016 pelo procurador Alexandre Jabur – que também fez parte da finada força-tarefa da Lava Jato –, mas ainda não foi aceita pela Justiça.
Os crimes teriam ocorrido em meados de 2007, quando a Polícia Federal (PF) deflagrou a Operação Rio Nilo. Trinta e uma pessoas foram denunciadas pelo MPF. Entre os acusados, estão o atual presidente da IBL Logística, Jonatas Spina Borlenghi, e o então gerente da empresa em Manaus, Neil da Silva Araújo, que admitiu o envolvimento da companhia no esquema.
Em março de 2015, a juíza Ana Paula Serizawa Silva Podedworny, da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas, condenou 30 réus por estelionato, formação de quadrilha, corrupção e falsidade ideológica. Nesse caso, Borlenghi foi o único absolvido, por falta de provas.
No ano seguinte, o MPF propôs a ação de improbidade administrativa contra as empresas.
Hoje, a IBL Logística tem apresentado problemas na entrega do imunizante para o público infantil. A vacinação contra o novo coronavírus (Sars-CoV-2) para crianças de 5 a 11 anos começou no último dia 14 no país. Levantamento feito pelo Metrópoles apontou que ao menos 11 estados e o Distrito Federal relataram atrasos na chegada das primeiras doses da vacina pediátrica.
Os contratos entre a IBL e o Ministério da Saúde foram firmados em dezembro do ano passado, no valor de R$ 62,224 milhões, com dispensa de licitação. O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu um processo para investigar a contratação da companhia.
A Folha de S. Paulo revelou, no último domingo (16/1), que a IBL não tem experiência com vacinas do Sistema Único de Saúde (SUS).
Esquema Homero
As investigações do Ministério Público apontaram a existência de uma organização criminosa na área de integração de mercadorias na Zona Franca de Manaus. Empresários de São Paulo simulavam a remessa de mercadorias para obter isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Por outro lado, os vistoriadores da Suframa facilitavam o ingresso de produtos, sem a devida conferência, “sequer da documentação necessária”, como narra a denúncia.
A ação foi apelidada pelos investigadores de esquema Homero, por ter como principal articulador o vistoriador Homero Cordeiro Tavares, que era na época um servidor antigo da Suframa. Ele coordenava a arrecadação da propina e sua distribuição aos demais integrantes do esquema, o que demonstrava uma organização hierarquizada, com divisão de tarefas e ações permanentes, segundo a acusação.
“Despachantes e funcionários de transportadoras se informavam com Homero sobre os postos e horários em que os integrantes do esquema estariam de serviço, fazendo chegar até eles os PINs [Protocolos de Ingresso de Mercadorias Nacionais] a serem chancelados de forma facilitada. Quinzenalmente, vistoriadores eram enviados às transportadoras para o recolhimento da propina”, relata o MPF.
Um ex-servidor público da Suframa e o gerente da IBL em Manaus teriam confirmado, em depoimento, a participação da empresa no esquema criminoso. Neil da Silva Araújo contou que a companhia pagava valores em períodos quinzenais para Homero.
Apesar de as propinas não terem um valor alto, eram feitas de forma recorrente e contínua.
Dono da IBL, Borlenghi chegou a ser réu, mas a 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amazonas o absolveu por falta de provas. O empresário teria sido citado por Neil, que depois voltou atrás sobre o envolvimento do empresário no esquema. “Não se pode descartar a possibilidade de que Jonatas Spina Borlenghi tivesse realmente conhecimento de todo o esquema e dele participasse de forma consciente. Porém não há provas suficientes quanto a isso. E a ausência de provas não autoriza o decreto condenatório”, escreveu a juíza Ana Paula Serizawa Silva Podedworny, na sentença, em 2015.
Em defesa preliminar feita na ação de improbidade administrativa, a IBL Logística afirma que a denúncia do MPF apresenta “argumentos frágeis dissociados de elementos indiciários idôneos, ainda que escondidos por detrás de uma retórica bem engendrada”.
A defesa, feita pelo advogado João Carlos Pannocchia, também destaca que Borlenghi figurou como réu, mas foi absolvido.
“Outro motivo pelo qual a demanda não pode ser recepcionada por esse respeitável Juízo reside na prescrição do direito de ação por parte do autor”, diz a defesa. “Pois o pedido é juridicamente impossível, já que não há sequer um indício de dolo ou ao menos indicação de participação da requerida nos fatos narrados com a inicial, não concorrendo uma das condições da ação, que é a possibilidade jurídica do pedido, motivo pelo qual deve o feito sofrer extinção”, complementa a petição apresentada por Pannocchia.
Fase do processo
Ao Metrópoles, o advogado explicou que a ação de improbidade administrativa ainda não foi recebida pela Justiça Federal.
“Nós estamos na seguinte fase: o juiz intimou para que apresentássemos a defesa liminar, então se aplica a lei da época, e nós apresentamos a defesa, mostramos as razões, e até hoje o juiz não disse se irá receber a ação. Essa fase é para saber se ele aceita ou rejeita a ação. O processo está tramitando há mais de cinco anos sem que o juiz tenha recebido a ação”, afirmou Pannocchia.
Procurada, a Justiça Federal do Amazonas explicou que a denúncia foi proposta anteriormente à Lei nº 14.230/2021, “submetendo-se ao procedimento de notificação prévia previsto originariamente na Lei nº 8.429/1992”. Por isso, foi realizada a defesa prévia pela empresa, antes mesmo do recebimento da denúncia pela Corte. A Lei nº 14.230/2021 (nova Lei de Improbidade Administrativa) acabou com a chamada defesa prévia.
“Adicionalmente, possuía muitos requeridos e diversas demandas para análise antes do recebimento da inicial”, prosseguiu.
A Corte salientou que, anteriormente, o processo encontrava-se em face de vista ao MPF para manifestação quanto a eventual acordo de não persecução cível e intimação das partes. “Posteriormente, o processo foi concluso para decisão em 17 de dezembro de 2021, pouco antes do recesso forense, e, atualmente, encontra-se em fase de elaboração de minuta, assim como outras ações de improbidade administrativa que tramitam na 3ª Vara”, complementou a Justiça Federal do Amazonas.