Decisão do STF em delação contra Lula abre precedente para outros réus
Juristas afirmam que envio de investigações para São Paulo abre espaço para questionamentos sobre condenação do ex-presidente
atualizado
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Após sucessivas derrotas, a defesa do ex-presidente Lula conseguiu uma decisão que pode ser considerada vitória: nessa terça-feira (24/4), a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu a pedido dos advogados e determinou a remessa à Justiça Federal em São Paulo de partes da delação de ex-executivos da Odebrecht que citam o petista.
As investigações, que tratam de casos como o do sítio de Atibaia e a construção da sede do Instituto Lula, estavam sob a tutela do juiz Sérgio Moro, na Justiça Federal no Paraná. Com a decisão do STF, a competência do magistrado para julgar os processos deve ser questionada e pode levar a anulação de medidas tomadas por Moro. Para juristas, a medida abre espaço para uma possível mudança na situação de Lula e pode beneficiar outros réus da Lava Jato.
No entanto, segundo o professor, “efetivamente, isso indica que, se a delação não vincula Lula à Lava Jato, o processo também não poderia estar com o juiz Moro. Não haveria ali um vínculo que desse a ele competência para julgar um caso sem relação com a operação”, explica. Costa afirma que, agora, a defesa de Lula pode entrar com pedidos para que os processos sejam encaminhados à SP, e que o posicionamento do STF “robustece” a linha de argumentação da defesa.
O entendimento é parecido com o do sócio do escritório Urbano Vitalino e professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP) João Paulo Martinelli. Ele afirma que a mudança de competência das ações pode ocorrer caso a defesa de Lula ou o Ministério Público Federal de São Paulo levem a questão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo o advogado, essa questão “já foi debatida, inclusive no habeas corpus encaminhado ao STJ. Lá, a Corte entendeu que ele era o juiz competente. Mas agora, com essa decisão do STF, isso pode ser revisto”. Caso Moro seja declarado incompetente, Martinelli afirma que “todo o processo seria anulado e teria que começar de novo na Justiça Federal em São Paulo, que é o local onde os fatos foram praticados”.
“Muitos criminalistas que atuam na defesa de réus da Lava Jato sustentam que o juiz Sérgio Moro foi transformado em um juízo universal de todas as ações que supostamente envolvem corrupção no Brasil, o que é muito criticado por vários autores e professores. Nesse caso específico, foi mais ou menos esse o argumento que o Supremo acolheu”, explica o professor de direito penal do Uniceub Álvaro Castelo Branco.
Outra questão levantada pela decisão do STF é a possibilidade de utilização das provas obtidas por meio da delação da Odebrecht, caso os processos contra Lula continuem com o juiz Sérgio Moro. Para Alessandro Costa, “nenhuma prova vinculada ou extraída diretamente a partir das delações pode ser usada para fundamentação da sentença do juiz Moro. No entanto, no caso do sítio de Atibaia, por exemplo, é um processo extenso e com mais de 90 testemunhas arroladas. Se mesmo com a retirada da delação, restarem provas lícitas, elas podem ser usadas pelo juiz”.
Já João Paulo Martinelli acredita que o tema ainda será alvo de discussão. “É uma situação muito nova. A questão que está para ser levantada é se as provas produzidas até agora permanecem válidas ou se tudo aquilo conseguido por meio da delação deve ser invalidado. A lei que regulamenta as delações premiadas não prevê esse contexto, e é isso que os tribunais devem agora decidir”, explica.
Anulação da condenação
Além da possibilidade de envio das ações ainda em tramitação para São Paulo, juristas também acreditam que a determinação do STF abre espaço para questionamentos sobre a condenação de Lula em segunda instância. Atualmente, o ex-presidente cumpre pena de 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex no Guarujá (SP).
“Isso pode, mais adiante, levar a pelo menos um questionamento sobre a competência do juiz Sérgio Moro para o caso do tríplex”, explica João Paulo Martinelli. Para o advogado, “com certeza é uma questão que será levantada pela defesa, principalmente porque os advogados já vêm batendo na incompetência do Sérgio Moro há muito tempo e o próprio STF dizia que não tinha problema caso ele julgasse”.
Já Alessandro Costa afirma que aumentam as possibilidades do ex-presidente conseguir, no STJ ou no STF, pelo menos a suspensão da condenação em segunda instância “o que lhe daria a possibilidade de não apenas ser solto, como também de poder se candidatar. Se conseguir o efeito suspensivo, não poderia ser indeferida a candidatura dele enquanto estivesse em vigor essa liminar”, explica.
Outros réus
Além dos casos de Lula, a decisão da 2ª Turma também abre um precedente para que outros réus da Lava Jato questionem a competência de Sérgio Moro para julgar seus casos. “O que pode acontecer é a abertura de uma brecha já que, até então, a maioria das alegações de incompetência do juízo da 13ª Vara de Curitiba foi julgada improcedente pelo próprio STF. Agora, há uma preocupação de isso se torne um precedente e altere as decisões anteriores sobre esse mesmo questionamento. É uma questão polêmica porque há argumentos jurídicos nos dois sentidos”, explica Álvaro Castelo Branco.
O professor também afirma que é “estranho” que a decisão tenha sido tomada em embargos de declaração, que geralmente não são aceitos com efeitos infringentes — capazes de modificar uma decisão anterior. Inicialmente, a 2ª Turma já havia negado, por unanimidade, o pedido da defesa de Lula.
Já para o advogado constitucionalista Davi Evangelista, a decisão do Supremo é positiva tanto para as defesas quanto para as acusações, já que diminui o risco de nulidades no processo. “A vantagem de o recurso ter chegado ao STF é justamente acabar com a insegurança jurídica. Os envolvidos, agora, tem a consciência de que existe uma tendência do Supremo de determinar como local de competência o lugar de cometimento do crime principal”, finaliza.
Decisão
Em sessão na terça-feira (24), a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu pedido da defesa de Lula e determinou a remessa dos trechos da delação da Odebrecht que citam Lula à Justiça Federal em São Paulo, cassando decisão do relator da Lava Jato na Corte, ministro Edson Fachin, que havia enviado a investigação para o Paraná.
Os advogados argumentavam que a delação tratava de questões ocorridas em São Paulo e, portanto, deveriam ser julgadas no estado. Em primeiro julgamento, a Turma negou o pedido. A defesa então entrou com embargos de declaração e, na terça, três dos cinco ministros que compõem o colegiado votaram pela concessão do pedido. Foram favoráveis Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Já os contrários eram Celso de Mello e Edson Fachin.
O primeiro a votar nesse sentido foi o ministro Dias Toffoli. No voto, ele afirmou que não visualizava “ao menos por ora, nenhuma imbricação específica dos fatos descritos nos termos de colaboração com desvios de valores operados no âmbito da Petrobras”.