De salvo-conduto para beber a xerox: veja HCs nos tribunais superiores
Apesar de ser recurso pensado para proteger o direito dos indivíduos à liberdade, muitos resolvem usar o habeas corpus para fins diversos
atualizado
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Quando se fala de habeas corpus (HC) subentende-se que se está referindo a um processo que serve para proteger o direito de ir e vir das pessoas – sempre que ele tenha sido ferido ilegalmente ou isso esteja perto de acontecer. Ou seja, o HC pode ser acionado quando alguém sentir a liberdade pessoal ameaçada, por ilegalidade ou abuso de poder. No entanto, muitos cidadãos usam o dispositivo para outros fins, que podem ser considerados inusitados – ajudando a engrossar uma estatística que revela como a Justiça brasileira, em suas várias instâncias e braços, terminou 2018 com um estoque de 78,7 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução.
Qualquer cidadão pode impetrar uma petição de habeas corpus, garantem as leis brasileiras. Para fazer isso, basta que elabore o documento – até à mão – contendo o nome da pessoa que sofreu a coação ou ameaça, a espécie de constrangimento sofrida ou as razões pelas quais se sente ameaçado e a assinatura. A presença de um advogado chega a ser dispensável nesses casos. E, como é um direito amplamente divulgado, casos curiosos vão parar nos tribunais por meio de HCs. Veja abaixo:
Sanidade mental
Em recusa a realizar um exame para atestar a sua sanidade mental, um servidor público impetrou um habeas corpus (HC 170366/PE) no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – provando que “há louco para tudo”. Ele queria impedir que o procedimento administrativo disciplinar fosse efetuado. O relator do caso à época, ministro Teori Zavascki, negou o pedido. A decisão monocrática é de 2011.
“Habeas fotus”
Um homem entrou com um habeas corpus (HC 88.448/DF) no STJ para solicitar a retirada de uma foto dele mesmo da denúncia oferecida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) contra ele. A 6ª Turma da Corte seguiu o voto do ministro Og Fernandes, relator do caso, e concedeu o pedido. Para os magistrados, embora réu, a imagem do acusado não podia ser usada na peça de acusação por violar a dignidade da pessoa humana.
Raio-X
Quatro angolanos foram presos por tráfico de drogas em São Paulo após assumirem aos policias que engoliram cápsulas de cocaína. Contudo, os acusados resolveram impetrar um habeas corpus (HC 149.146/SP) para impedir a realização de um exame de raio-X, que logicamente comprovaria o delito. O argumento dos envolvidos foi de que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo. Em decisão previsível, os ministros da 6ª Turma do STJ negaram o pedido.
“Mesmo não fossem realizadas as radiografias abdominais, o próprio organismo, se o pior não ocorresse, expeliria naturalmente as cápsulas ingeridas, de forma a permitir a comprovação da ocorrência do crime de tráfico de entorpecentes”, diz trecho da sentença.
OAB
É normal que os estudantes de direito fiquem desesperados com a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que deve ser concluída com sucesso para que a carteira de advogado seja expedida. Contudo, um desses alunos extrapolou os limites de aflição e resolveu entrar com o habeas corpus (HC 109.327/RJ) para obter a carteirinha sem fazer o exame solicitado. Em decisão monocrática, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido. Provavelmente o rapaz teve que estudar um pouco mais.
“Velha guarda”
Quando o Tribunal de Justiça do Acre resolveu mudar o sistema de peticionamento de processos tradicionais – de físico para digital –, algumas pessoas não ficaram satisfeitas. Com isso, resolveram impetrar um habeas corpus (HC 215.050/AC) para impedir que os protocolos fossem realizados apenas virtualmente. O argumento não convenceu os ministros da 5ª Turma do STJ, que rechaçaram o pedido e garantiram a integridade das petições digitais.
Carteira de habilitação
Um advogado questionou a decisão criminal que suspendeu a habilitação do seu cliente como pena alternativa. O paciente matou duas crianças ao dirigir em alta velocidade. Ele avançou o sinal vermelho e atropelou-as sobre a faixa de pedestres. O homem foi condenado a 3 anos e 4 meses de detenção, com substituição por duas penas restritivas de direitos. No seu habeas corpus (HC 159.298/PR), no STJ, o impetrante atacou a dosimetria e a fixação dessas duas punições substitutivas.
Xerox de graça
O ministro Jorge Mussi, do STJ, foi surpreendido ao julgar um habeas corpus (HC 111.561/SP) peculiar. O impetrante solicitava o direito de extrair cópias de ações criminais, pelas quais responde, gratuitamente. O pedido não foi conhecido porque não se tratava de hipótese de ameaça ou ofensa ao direito de locomoção.
Teste do bafômetro
Mais um para a lista. Dessa vez, um rapaz “precavido” resolveu entrar com um habeas corpus (HC 140.861/SP), no STJ, para que, se fosse pego dirigindo bêbado, tivesse um documento preventivo que barrasse sua submissão ao bafômetro. Em tese, ele queria poder conduzir o veículo sob efeito de álcool sem passar pelo etilômetro. Sem sombra de dúvidas, o pedido foi rejeitado. E segue a famosa expressão: “Se beber, não dirija”.