Daniela Teixeira recebe prêmio por lei criada para proteger gestantes
Depois de ter um parto prematuro, ela lutou para dar benefícios às advogadas grávidas em sua atuação profissional
atualizado
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A vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF), Daniela Teixeira, receberá nesta quinta-feira (26/10) o Diploma Mulher-Cidadã Carlota Pereira de Queirós, concedido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados.
Ela ficou em primeiro lugar em uma votação que também reconheceu a importância da cantora Elza Soares, da promotora de Justiça Maria Gabriela Prado Manssur, da médica Marina Kroeff e de Raimunda Gomes da Silva, extrativista da quebra de coco babaçu e líder comunitária de Tocantins, que luta contra a ameaça dos grileiros.
Daniela voltará à Câmara após um episódio desagradável. Em setembro de 2016, ela saiu escoltada da Casa, depois de discursar na comissão-geral sobre a Violência Contra a Mulher. A advogada foi agredida verbalmente pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao defender punição a agressores. Desde então, tem sido alvo de ataques nas redes sociais por pessoas que apoiam a pré-candidatura do parlamentar à presidência da República em 2018.
Daniela foi indicada ao prêmio pelo deputado federal Rogério Rosso (PSD-DF), por sua atuação na defesa dos direitos das mulheres. Ela criou a Lei Federal 13.363 de 25 de novembro de 2016, para dispensar gestantes e lactantes de passar em aparelhos de raio X ao entrar nos fóruns e tribunais. As advogadas chegam a fazer essa inspeção 30 vezes por semana, o que pode fazer mal ao bebê. Agora, elas são revistadas manualmente.Pela lei, as profissionais também passaram a ter prioridade nas sustentações orais (falam primeiro) e e o direito de suspender os prazos processuais em suas ações, com aprovação dos clientes, se derem à luz ou adotarem um filho.
Importância da lei
A cada 10 advogadas, três desistem da profissão ao engravidar. A estatística da OAB não está relacionada à dificuldade em conciliar o nascimento do bebê com a carreira. As barreiras surgem antes mesmo do parto. Longos períodos de espera em audiências e a falta de bom senso de juízes podem ser o principal motivo para o afastamento do trabalho.
Essa realidade começou a mudar com a aprovação do projeto de Daniela, que sentiu na pele as dificuldades em ser mãe e advogada, em 2013. Aos cinco meses de gravidez, ela defendia um grupo de 40 mulheres – uma delas era a própria sogra – em um processo de aposentadoria. Naquele dia, Daniela falaria pelas clientes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), à época presidido por Joaquim Barbosa.
A sessão começou às 9h. Logo no início, Daniela pediu preferência para fazer a sustentação oral do processo. Barbosa negou a solicitação sob argumento de que a pauta da sessão era pública e se sobrepunha a interesses individuais.
“Ele (o ministro) disse que não havia previsão legal para me dar preferência. Dizia que se eu não pudesse esperar, que fosse embora”, lembra Daniela. Outros advogados tentaram dar a vez de fala à gestante, mas foram impedidos.
A audiência durou até as 18h, com intervalo de 30 minutos para almoço do juiz. “Não deixaram entrar nem água para os advogados. Fiquei nove horas aguardando, sem ir ao banheiro e fiz apenas um lanche”, relata Daniela. Ela fez a argumentação no fim da tarde e venceu o processo, mas quase perdeu a filha.
Não podia abandonar o processo, eu responderia no conselho de ética por isso. Se eu soubesse que o resultado seria esse, teria ido embora, mas eu agi com profissionalismo
Daniela Teixeira
Daniela saiu do CNJ direto para o Hospital Santa Lúcia, onde ficou internada por duas semanas, até o parto prematuro. Júlia nasceu com 29cm e pouco mais de 1kg. Ficou 61 dias na UTI e chegou a ter seis paradas respiratórias no mesmo dia. “Nossa lema foi: se tiver 1% de chance, tenha 99% de fé”, diz a mãe.
Júlia recebeu alta depois de mais de dois meses e ainda tem algumas sequelas do nascimento prematuro. Ao voltar ao trabalho, Daniela elaborou o projeto de lei que resultou na mudança do Código de Processo Civil e no Estatuto do Advogado. “Nós, mulheres, somos 52% do quadro da OAB, somos 450 mil no país. Não estamos pedindo nenhum favor”, diz.
Daniela mobilizou as seccionais estaduais e a Comissão da Mulher Advogada para lutar pelos direitos femininos. Advogadas de todo o Brasil trabalharam pela aprovação da lei. “Elas falaram com deputados e senadores de seus estados, levaram a eles casos reais de advogadas que sofreram durante a gestação e os convenceram da importância dessa lei”, relata Daniela.
Os problemas vividos por essas profissionais passaram a ter mais visibilidade. Em março de 2016, a advogada Alessandra Pereira dos Santos, que estava grávida de 8 meses, tentou remarcar uma audiência, pois daria à luz na mesma data. Ela teve o pedido negado por um juiz da 2ª Vara Cível da Ceilândia. O magistrado sugeriu que ela deixasse o caso.
“Muitas mulheres não podem abrir mão da sua fonte de renda com um bebê a caminho. Os clientes também não desejam, em geral, substituir um advogado que já conhece o caso por um desconhecido, no meio do processo. Antes, não havia possibilidade de adiar. O nosso projeto de lei trouxe essa mudança, que é boa para advogados e clientes, além de proteger o bebê”, explica Daniela.
Nessa ocasião, 300 advogadas, entre elas Daniela, foram à porta da audiência, junto de Alessandra, para demonstrar a insatisfação da categoria. O juiz, porém, não as atendeu e acabou repreendido pelo CNJ.
O projeto de lei foi apresentado pelo então presidente da OAB-DF, Ibaneis Rocha, ao deputado Rogério Rosso. Em um ano, a proposta transitou em todas as comissões da Câmara e do Senado e foi sancionada pelo presidente Michel Temer. A proposição ficou conhecida como Lei Julia Matos, em homenagem a Daniela e à filha.