Condenados pelo STF, deputados adiam execuções de penas com recursos
Pelo menos cinco parlamentares estão com embargos pendentes. Não há previsão de julgamento
atualizado
Compartilhar notícia
Primeiro condenado da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) permanece solto e no exercício do mandato. Sentenciado em maio a 13 anos de prisão, em regime fechado, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, ele ainda tem direito a apresentar embargos à Corte contra a condenação.
Caso isso ocorra, não há previsão de quando o recurso será julgado. Em situações similares à de Meurer, pelo menos outros cinco deputados federais condenados pelo Supremo “adiam” o cumprimento da pena por meio de recursos internos à Corte máxima.
É o caso do parlamentar licenciado Roberto Góes (PDT-AP). Líder no número de processos (10) enviados à primeira instância após a restrição do foro privilegiado, o deputado foi condenado pela 1ª Turma do STF, em maio de 2016, por peculato. Segundo a acusação, enquanto prefeito de Macapá (AP), em 2012, Góes utilizou dinheiro público destinado ao pagamento de empréstimos consignados para outros fins.
Por 3 votos a 2, a maioria do colegiado se manifestou pela condenação do deputado a 2 anos e 8 meses de reclusão, em regime aberto. A pena foi convertida em restritiva de direitos e Góes deveria fazer serviço comunitário.
Mais de dois anos após a sentença, no entanto, a execução da sanção ainda não teve início. Em janeiro de 2017, o deputado apresentou embargos infringentes contra a decisão. A defesa do parlamentar pede que prevaleça o teor dos dois votos proferidos, durante o julgamento, pela absolvição de Góes. O recurso foi conhecido e distribuído ao ministro Dias Toffoli em agosto do ano passado. Desde então, segue sem apreciação.
Constituição
Segundo o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ou seja, segundo a lei, o cumprimento da pena só pode ter início após a análise de todos os recursos cabíveis. A jurisprudência atual do STF permite que a execução penal seja instaurada após condenação em segunda instância.
No entanto, a situação muda no caso de autoridades com prerrogativa de foro no Supremo. Única competente a julgar casos de deputados federais e senadores por supostos crimes ocorridos durante o mandato e em razão dele, a Corte passa a ser, nesses casos, instância única. Portanto, as sanções só podem ter início após a apreciação dos recursos cabíveis a ela.
No Supremo, são dois os tipos de recursos adequados contra sentença condenatória. Os embargos de declaração e os embargos infringentes. O primeiro não tem requisitos para que seja conhecido e questiona os termos da decisão. Se encontra nesta fase a ação penal contra o deputado federal licenciado Washington Reis (MDB-RJ).
Atual prefeito de Duque de Caxias (RJ), Reis foi condenado pela 2ª Turma do STF em dezembro de 2016 a 7 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, por crime ambiental. Em junho de 2017, a defesa do deputado licenciado apresentou embargos de declaração contra a sentença. O recurso começou a ser julgado em dezembro e o relator do caso, ministro Dias Toffoli, votou pela rejeição dos embargos.
Na mesma sessão, no entanto, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do pedido. No último dia 12 de junho, o processo voltou à pauta da 2ª Turma. O julgamento, porém, foi suspenso mais uma vez. Agora, para que o Ministério Público Federal possa se pronunciar sobre pedidos feitos pela defesa de Reis após o início do julgamento dos embargos. Não há prazo para quando o caso voltará a ser analisado.
Embargos infringentes
Já os embargos infringentes podem ser apresentados quando a sentença colegiada não é unânime. Nesses casos, a defesa arrisca pedir que o entendimento seja revisto e prevaleça a decisão menos danosa ao acusado. Um exemplo é o do deputado federal Paulo Feijó (PR-RJ), condenado pela 1ª Turma do STF em abril de 2017 a 12 anos e 6 meses pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A condenação ocorreu no âmbito da Operação Sanguessuga, que investigou a compra superfaturada de ambulâncias em diversos estados do país. Além da prisão, a sentença determinou a perda do mandato do parlamentar. As sanções, no entanto, ainda não foram colocadas em prática. Em novembro de 2017, a Turma rejeitou os embargos de declaração apresentados pela defesa do deputado. No mês seguinte, os advogados ajuizaram embargos infringentes, que não têm prazo para julgamento.
A negativa dos embargos, no entanto, nem sempre significa o fim do trâmite processual. Em alguns casos, advogados apresentam ainda agravos de instrumento, recursos que questionam decisões capazes de causar à parte “lesão grave e de difícil reparação”. É o caso do deputado federal Ronaldo Lessa, condenado pela 2ª Turma a 8 meses de prestação de serviço comunitário por calúna eleitoral.
O processo foi remetido ao STF em 2015, após a diplomação do parlamentar. No Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJAL), ele já havia sido condenado pelo crime. Em outubro daquele ano, o Supremo negou recurso e manteve a sentença. Desde então, os embargos de declaração foram negados duas vezes e a defesa ajuizou embargos infringentes, rejeitados pelo ministro Luiz Fux em maio de 2018. Os advogados, no entanto, ainda tentam reverter a decisão por meio de agravo regimental.
Mais recente é o caso do deputado federal Nilton Capixaba (PTB-RO), condenado em fevereiro de 2018 a 6 anos e 10 meses de prisão, em regime inicialmente aberto, pelo crime de corrupção passiva. Em março, a defesa do parlamentar apresentou embargos de declaração, que chegaram a ser apresentados para julgamento em junho, mas não chegaram a ser analisados.
Especialista
Para o especialista em direito constitucional, com foco no STF, Paulo Henrique Blair de Oliveira, o tempo de análise de casos como os citados não representam “demora absurda”, quando se leva em conta o volume de trabalho da Corte. De acordo com o professor, o Supremo “não é um tribunal desenhado prioritariamente para ações originárias. E as que vão para lá dessa forma acabam gerando uma série de desencaixes de estrutura”. “O tribunal não está preparado para isso. O resultado é que esse processo acaba se somando a dezenas de milhares de outros”, explica.
Ainda de acordo com o especialista, é necessário garantir o direito das partes a ajuizarem recursos. “Não existe sistema penal em qualquer democracia do mundo em que uma decisão tomada originariamente não possa ter nenhum recurso. É preciso assegurar pelo menos uma chance de impugnação”, argumenta.
Com o objetivo de reduzir o volume de recursos a serem julgados, a Corte também decidiu restringir o entendimento relativo aos embargos infringentes. Em abril de 2018, durante julgamento de pedido apresentado pelo deputado federal afastado Paulo Maluf (PP-SP), a maioria do plenário do Supremo entendeu que, para que os embargos sejam aceitos nas Turmas, é necessário que pelo menos dois dos cinco votos sejam pela absolvição do réu.
A decisão foi apertada, por 6 votos a 5, e evidenciou mais uma vez a divisão na Corte. O autor da proposta de restrição do entendimento, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou à ocasião: “Acho que embargos infringentes no geral constituem o anacronismo do sistema penal brasileiro em que a ideia do devido processo legal é o processo que não acaba nunca”.
O posicionamento foi rebatido por ministros contrários ao entendimento, como Dias Toffoli. “O recurso é cabível em qualquer decisão desfavorável ao réu”, argumentou.
O Metrópoles não conseguiu contato com a assessoria do deputado licenciado Roberto Góes. Não atenderam as ligações a assessoria do deputado Nilton Capixaba nem o gabinete do deputado Paulo Feijó. O deputado Ronaldo Lessa e o prefeito de Caxias (RJ), Washington Reis, não haviam se manifestado até a última atualização desta reportagem.