Com 3 a 1 para manter prisão em 2ª instância, STF suspende sessão
Segurança no Supremo Tribunal Federal foi reforçada nesta quarta-feira (23/10/2019). Sessão será retomada nesta quinta, às 14h
atualizado
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Após intervalo de pouco mais de duas horas, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na tarde desta quarta-feira (23/10/2019) o julgamento das ações que contestam a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância. O tema começou a ser analisado na semana passada pela Corte, quando o relator do caso, o ministro Marco Aurélio Mello, leu o relatório.
Em divergência ao relator Marco Aurélio Mello, o ministro Alexandre de Moraes (foto em destaque) foi contra alterar a jurisprudência da prisão após condenação em 2ª instância. Moraes entende que não há nenhuma exigência normativa a proibir a execução da pena sem o trânsito em julgado. O ministro Edson Fachin seguiu a divergência e votou pela continuidade do entendimento de que réus podem ser presos quando condenados em 2ª instância.
Logo após o voto de Fachin, o ministro Roberto Barroso começou a votar – e confirmou o que vinha revelando nos últimos meses, ao optar por defender a validade do aprisionamento a partir de uma condenação em segunda instância, mesmo com mais recursos possíveis. Ao proferir o voto, ele citou a canção “O Tempo não Para”, ao avaliar as sustentações orais dos advogados dos autores das ações em questão pedindo a mudança no entendimento atual. “Das minhas constatações, para o bem e para o mal nenhum dos fundamentos [das alegações dos defensores da mudança de tese] resiste ao teste da realidade. São ideias que não correspondem aos fatos, como diria Cazuza”, afirmou.
Assim que Barroso votou, Toffoli suspendeu a sessão, que será retomada nesta quinta-feira (24/10/2019) às 14h.
3 a 1
Para Barroso, uma eventual alteração beneficiaria os “criminosos de colarinho branco”. “O sistema é duríssimo com os pobres e bem manso com os ricos”, avaliou.
“Não foram os pobres que sofreram o impacto com a possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância. Não foram os pobres que mobilizaram os mais brilhantes advogados do país. Numa sociedade estratificada como a nossa, há uma clara divisão entre crimes de pobre e de rico. Os que mais geram ocupação nos presídios são os crimes dos pobres”, disse.
O magistrado citou um crescente número de presos no sistema penitenciário quando, em 2010, o entendimento foi alterado para que apenas os réus que tivessem recursos julgados em todas as instâncias fossem encarcerados.
“Em 2010, primeiro ano após se haver proibido a execução da pena em 2ª instância, havia 496 mil presos no sistema penitenciário. 4,79% a mais do que em 2009. No ano seguinte, havia 514 mil presos, um aumento de 3,68%”, pontuou.
2 a 1
“É inviável sustentar que toda e qualquer prisão só pode ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso tenha sido examinado”, declarou o ministro Edson Fachin ao se alinhar a Moraes pela permanência do entendimento atual. Com isso, o placar ficou em 2 a 1 pela manutenção da possibilidade de prisão sem trânsito em julgado.
1 a 1
Moraes avaliou que a superlotação penitenciária — argumento usado por Marco Aurélio — não tem relação com o tema. “Temos que tratar as coisas como elas são”, disse. Para o ministro, o problema do sistema penitenciário é outro. “O Brasil prende muito e prende mal. Iguala crimes sem violência, que não necessitariam de prisão”, afirmou.
Primeiro a se posicionar, ainda na manhã desta quarta, Marco Aurélio votou a favor de que o réu tenha direito de se manifestar em todas as instâncias antes de ser preso. Com isso, é favorável à derrubada de condenações após segunda instância.
O ministro usou o argumento de que o sistema carcerário brasileiro enfrenta superlotação. “Constatou-se o exorbitante número de cidadãos recolhidos provisoriamente. E, consequentemente, a inobservância do princípio da não culpabilidade”, disse.
Ele ainda avaliou que a prisão em segunda instância altera “a ordem natural” para “primeiro prender e depois investigar”. “Deve-se buscar a solução consagrada no Código do Processo Penal”, declarou.
Segundo a votar, o ministro Alexandre de Moraes começou o discurso falando sobre as ameaças sofridas pela Corte. “Infelizmente, desinformações, radicais políticos e exacerbadas paixões ideológicas acabaram gerando um absurdo grau de ofensas e ameaças a este Supremo tribunal, ministros e seus familiares”, disse.
Posição histórica
O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a posição histórica do Ministério Público Federal (MPF) em favor da prisão após condenação em segunda instância. Aras sustentou que, “quanto mais rápida a pena, tanto mais útil e justa é”. O PGR fez referência ao aristocrata italiano Cesare Beccaria, na clássica obra Dos Delitos e Das Penas.
Aras defendeu ainda que é preciso buscar uma solução que favoreça a integração social e a unidade política, bem como o equilíbrio e a temperança nos valores “positivos” da Constituição.
Em manifestação, o advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, apresentou posição do governo. Ele disse que foi dada ao Supremo a missão de atribuir “a estrutura do estado de Justiça”. “Nós precisamos sair do estado de injustiça e construir um estado de Justiça”, defendeu.
“Fins não justificam meios para punir nem para preservar direito individual. (…) Quem defende o direito individual das vítimas? Quem defende o direito de ir e vir das vítimas, o direito de saber que seu filho foi com segurança para a escola? Eu vi várias defesas de direitos individuais, não vi defesa dos direitos das vítimas”, sustentou.
Ao abrir a votação, o ministro relator, Marco Aurélio Mello, afirmou que “vivemos dias incertos sob o ângulo republicano”. Ele ainda deu uma alfinetada nos colegas de Corte, dizendo que está no STF há 30 anos e ainda se surpreende com algumas colocações dos ministros.
Entenda
Desde 2016, o entendimento da maioria da Corte é de que a pena pode começar a ser executada após decisão por tribunal de segunda instância. A orientação agora poderá mudar, pois alguns ministros já demonstraram que mudaram de opinião sobre o caso.
Em 2009, o STF definiu que apenas os casos transitados em julgado, ou seja, com todos os recursos esgotados, determinariam impreterivelmente a prisão — obedecendo literalmente ao que está escrito na Constituição, sem qualquer interpretação, mas a reviravolta de 2016 prevalece até hoje.
Na prática, a Corte julgará três ações que questionam a possibilidade admitida em análises anteriores. O argumento central dos recursos é de que o Código de Processo Penal estabelece que as prisões só podem ser executadas após o trânsito em julgado, sem recursos restantes.
Além disso, há a premissa de que a presunção da inocência é um direito constitucional que garante ao cidadão dispor de todos os recursos possíveis para se defender, incluindo os cabíveis aos tribunais superiores.
Antecipados
Antes da primeira sessão sobre o tema, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, disse ao Metrópoles que não acredita “em nada além das leis” e vem “há muito tempo dando liminares, afastando a execução provisória”. No entanto, afirmou que as declarações não são uma antecipação do voto.
O ministro, contudo, se manifestou no dia em que começou o debate. Para ele, relator do processo, o placar final será de 7 x 4 pela modificação da atual jurisprudência.
Os ministros Luiz Fux e Roberto Barroso já se manifestaram contra a modificação. Para eles, a iniciativa é um “retrocesso” e favorecerá os “criminosos de colarinho-branco”.
Pauta fria
Na semana passada, ao abrir a sessão, o presidente da Corte, Dias Toffoli, afirmou que o julgamento versa sobre o alcance do princípio da presunção de inocência. Contudo, avaliou que não se trata de casos específicos. “Que fique bem claro que esse julgamento não se refere a nenhuma situação particular. Estamos diante de ações abstratas de controle de constitucionalidade”, declarou.
A manifestação caiu como um balde de água fria, já que há muita expectativa para que o ex-presidente Lula seja um dos beneficiados com a possível mudança de jurisprudência. A fala de Toffoli rechaça a hipótese de que a decisão terá efeito cascata.
Então, Lula não será solto?
As dúvidas sobre o desfecho do ex-presidente, caso a Corte decida derrubar as sentenças de prisão após condenação em 2º grau, são inúmeras. Há quem pense que Lula será solto instantaneamente e a decisão terá efeito cascata. No entanto, não é bem assim.
Mesmo que o STF decida anular as condenações e a iniciativa beneficie o ex-presidente, a defesa ainda terá que apresentar um recurso – que será analisado pela Justiça. Só assim o petista poderá deixar a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR), onde está detido desde 7 de abril de 2018.
Os ministros podem, ainda, elaborar uma decisão permitindo a prisão após condenação em terceira instância. Nesse caso, Lula não seria colocado em liberdade, porque o caso do triplex do Guarujá (SP) – no qual foi condenado – já foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).