Camargo Corrêa revela cartel de metrôs em sete estados e no DF
Conduzida pelo Cade, investigação é desdobramento da Operação Lava Jato e apura condutas de empreiteiras ao longo de 16 anos
atualizado
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Uma das construtoras investigadas no âmbito da Operação Lava Jato, a Camargo Corrêa revelou à Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) suposto esquema de cartel envolvendo licitações para a construção de metrôs em, pelo menos, sete estados e no Distrito Federal. As informações fazem parte do acordo de leniência assinado em 5 de dezembro entre a empresa, o Cade e o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP). Nesta segunda (18/12), o Conselho assinou despacho para apurar as acusações.
Executivos e ex-executivos da holding afirmaram que a operação chegou a abranger nove empresas de 1998 e 2014: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Carioca, Marquise, Serveng e Constran. Outras dez construtoras também teriam participado do esquema. Entre elas, Alstom, Cetenco, Consbem, Construcap, CR Almeida, Galvão Engenharia, Heleno & Fonseca, Iesa, Mendes Junior e Siemens.Segundo informações do Cade, os acordos anticompetitivos firmados entre as empresas tinham como objetivo afetar, ao menos, 21 licitações públicas no Brasil de projetos de infraestrutura de transporte de passageiros sobre trilhos (em especial, metrô e monotrilho). As irregularidades foram identificadas no DF e nos seguintes estados: Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Obras
Seis obras teriam sido atingidas no período de 1998 a 2005: metrô de Fortaleza; metrô de Salvador; Linha 3 do metrô do Rio de Janeiro; Linha 4 – Amarela do metrô de São Paulo; e duas obras para a Linha 2 – Verde de São Paulo. Há indícios de que também houve acordos anticompetitivos concluídos e implementados em 2008 que afetaram outras duas obras para a Linha 2 – Verde e Linha 5 – Lilás, ambas em São Paulo.
Para outras oito licitações realizadas entre 2008 e 2013, os ajustes foram planejados, mas não chegaram a ser implementados. São elas: projeto de trecho paralelo à Raposo Tavares (futura Linha 22) e na região M’Boi Mirim, ambas no monotrilho de São Paulo; expansão dos metrôs de Brasília e de Porto Alegre; implantação dos metrôs de Belo Horizonte e de Curitiba; Linha 3 do metrô do Rio de Janeiro e Linha Leste do metrô de Fortaleza.
Por fim, houve tentativa de conluio entre 2010 e 2014 para a Linha 15 – Prata – Expresso Tiradentes e Linha 17 – Ouro, as duas do monotrilho de São Paulo; Linha 15 – Branca – Trecho Vila Prudente/Dutra e Linha 6, esta e aquela do metrô de São Paulo; e Linha 4 do metrô do Rio de Janeiro.
“Tatu Tênis Clube”
Os signatários do acordo de leniência afirmaram que o cartel teve início em 1998. Na época, teriam se formado as bases da prática anticompetitiva. Durante esse período, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Odebrecht, as três maiores empresas do ramo, dividiam entre si grandes projetos. Nas licitações que exigiam alto nível técnico, as corporações se tornavam as únicas concorrentes viáveis para os certames.
A partir de 2004, integraram o grupo as empresas OAS e Queiroz Galvão. Os executivos da Camargo Corrêa relataram que, nesse momento, o cartel passou a adotar o codinome “G-5” ou “Tatu Tênis Clube” para dissimular o caráter potencialmente ilícito das operações. Durante a 23ª fase da Operação Lava Jato, a Polícia Federal chegou a apreender um documento intitulado “Tatu Tênis Clube”.
No registro confiscado, estariam expressas as regras de organização do cartel. Cada executivo das cinco empresas envolvidas teria recebido um codinome em referência a um renomado tenista. Já o título “Tatu” estaria relacionado à máquina shield, popularmente conhecida por “Tatuzão”, utilizada para obras metroviárias. Naquele momento, apenas Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão tinham atestação para operar o equipamento.
A organização da concorrência interna entre as empresas do cartel era feita durante reuniões. Os envolvidos agendavam os encontros por e-mail ou contato telefônico, mas o teor não era frequentemente reproduzido nas mensagens trocadas entre as concorrentes. Para o agendamento das reuniões em que se discutiam licitações de metrô, por exemplo, eram utilizados códigos, como “mercado”.
Segundo os executivos, as operações anticompetitivas das empresas aumentaram com as obras decorrentes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Nessa fase, no entanto, as construtoras tiveram de competir com companhias estrangeiras, o que dificultou a formação de consensos dentro do grupo.
Acordos de leniência
O acordo de leniência firmado entre a Camargo Corrêa e o Cade é relacionado exclusivamente à prática de cartel, para a qual o Conselho possui competência de apuração. Com a instauração do processo administrativo, nesta segunda (18), os representados serão notificados para apresentar defesa.
Ao final da instrução, a Superintendência emitirá parecer pela condenação ou pelo arquivamento do caso em relação a cada acusado. As conclusões são encaminhadas ao Tribunal do Cade, responsável pela decisão final. As empresas podem ser condenadas a multas de até 20% de seu faturamento. As pessoas físicas, se identificadas e responsabilizadas, sujeitam-se a sanções de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões. O Tribunal também pode adotar outras medidas, caso entenda necessárias para a dissuasão da conduta.
Outro lado
A Odebrecht afirmou que está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. A empresa disse que “já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou acordos de leniência com autoridades do Brasil, Estados Unidos, Suíça, República Dominicana, Equador e Panamá, e está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas”.
A Andrade Gutierrez informou que “está empenhada em corrigir qualquer erro ocorrido no passado”. A companhia disse ter assumido o compromisso publicamente ao pedir desculpas em um manifesto veiculado nos principais jornais do país e que segue colaborando com as investigações em curso dentro do acordo de leniência firmado com o Ministério Público Federal. A empresa afirmou que incorporou diferentes iniciativas nas suas operações para garantir a lisura e a transparência de suas relações comerciais, seja com clientes ou fornecedores, e afirma que tudo aquilo que não seguir rígidos padrões éticos, será imediatamente rechaçado pela companhia.
A construtora Queiroz Galvão afirmou que não comenta investigações em andamento.
A OAS afirmou que a empresa não irá se pronunciar sobre o caso.
O Metrô-DF afirmou, por meio de nota, que as denúncias envolvendo a Camargo Corrêa e demais empresas investigadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Cade, em segredo de Justiça, envolvem contratos assinados em gestões anteriores. “A atual gestão não mantém nenhum contrato com as empresas citadas na investigação”, disse. Sobre os serviços de manutenção da empresa, o Metrô-DF informou que realizou uma nova licitação em 2015, com economia de R$ 57 milhões, anualmente, em relação aos contratos anteriores.
O Metrô de São Paulo informou que “é o maior interessado na apuração das denúncias de formação de cartel ou de conduta irregular de agentes públicos e, assim, continua à disposição das autoridades”.
A Secretaria de Infraestrutura do Ceará afirmou, por meio de assessoria de imprensa, que não se pronunciará sobre o caso. O órgão informou que não teve acesso a informações oficiais.
A Prefeitura de Curitiba afirmou que a licitação do metrô estava suspensa quando a atual administração assumiu. Ao assumir, segundo o órgão, o atual prefeito deu prioridade para que os investimentos federais destinados ao metrô fossem usados para execução de obras públicas, como a conclusão da Linha Verde. Sobre as acusações da empreiteira, que envolvem outras administrações, a Prefeitura disse que irá acompanhar as investigações para depois tomar medidas cabíveis.
O governo de Minas Gerais informou que o Metrô de Belo Horizonte é administrado e operado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), órgão federal vinculado ao Ministério das Cidades.
O Metrópoles está em contato com os governos dos estados envolvidos e as empresas citadas no acordo de leniência. O espaço está aberto para manifestações.