Brumadinho: MPF quer anular acordo entre Vale e órgãos ambientais
A sentença trata das multas aplicadas pelo Ibama e ICMBio após a tragédia de 2019, que deixou 259 mortos e danos ambientais irreparáveis
atualizado
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O Ministério Público Federal quer a anulação do acordo firmado entre a mineradora Vale e órgãos federais de proteção ambiental referente ao desastre provocado pelo rompimento da barragem de rejeitos no município de Brumadinho, em Minas Gerais, ocorrido em 25 de janeiro de 2019.
O órgão apresentou um recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) pedindo a anulação da sentença que homologou o acordo da empresa com a União, com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) e com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A sentença é da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte e, para o MPF, contém diversas irregularidades. Um delas é a de que foi prolatada por juízo incompetente para atuar no caso. Outra é de que o órgão não foi chamado a se manifestar sobre o acordo levado à homologação, condição obrigatória para a validade dos atos processuais ali praticados e que consta nos artigos 178 e 721 do Código de Processo Civil.
Segundo o MPF o acordo contemplou “uma inusitada cláusula de escolha de Vara e magistrado específico, qual seja, o juiz federal substituto da 12ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte”, que nada tem a ver com o desastre de Brumadinho.
Tragédia
No último dia 25 de setembro, completaram-se um ano e oito meses do rompimento da barragem de rejeitos da Mina do Córrego do Feijão, que acabou soterrando também as barragens IV e IV-A existentes no mesmo complexo minerário, e despejou aproximadamente 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração no vale do córrego do Feijão e ribeirão Ferro-Carvão, alcançando o rio Paraopeba.
Além de contaminar água, solo, vegetação e animais, o desastre causado pela empresa Vale matou 259 pessoas – 11 ainda se encontram desaparecidas.
Somadas, as multas decorrentes dos autos de infração alcançaram R$ 250 milhões. O acordo celebrado entre os órgãos federais e a mineradora trata justamente dessas multas.
O MPF cita as graves consequências ambientais e indica a ebrtura de cinco autos de infração pelo Ibama, imputando à Vale as seguintes infrações: (1) causar poluição ambiental, atingindo curso hídrico, pelo rompimento de barragem de rejeitos de mineração em níveis tais que resultaram em danos à saúde humana; (2) provocar, pelo carreamento de rejeitos de mineração, o perecimento de espécimes da biodiversidade; (3) lançar rejeitos de mineração em recursos hídricos – Córrego do Feijão e rio Paraopeba; (4) causar poluição hídrica que tornou necessária a interrupção da captação para o abastecimento público com águas do rio Paraopeba para Brumadinho (MG); e (5) tornar área imprópria para a ocupação humana na região da Comunidade do Córrego do Feijão e/ou Vila Ferteco no município de Brumadinho.
Incompetência
Ao receber o pedido para que homologasse o resultado da negociação extrajudicial, o Juízo da 12ª Vara Federal acatou os argumentos das partes e invocou o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado no caso da tragédia e Mariana, ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, que afetou todo ecossistema do Rio Doce, para fundamentar sua competência.
A justificativa do juiz foi a de se evitar “confusão e/ou sobreposição de obrigações jurídicas reparatórias e/ou compensatórias ambientais, tendo em vista tratar-se de desastres distintos”.
Ocorre que, conforme explica o MPF, o novo Acordo Substitutivo de Multa Ambiental não se relaciona em absolutamente nada com o TTAC ou mesmo com o desastre de Mariana. Pelo contrário: as multas aplicadas pelo Ibama “referem-se tão somente ao desastre de Brumadinho, que ocorreu três anos depois, em outro local geográfico e de responsabilidade exclusiva da Vale, não da Samarco ou da BHP, empresas também responsáveis pelo desastre de Mariana”.
O MPF argumenta que as medidas compensatórias e reparatórias no caso Rio Doce são destinadas a áreas completamente diversas do caso Brumadinho, e que não estão sequer próximas das localidades abrangidas pelos parques nacionais beneficiários das medidas previstas no acordo.
Escolha do juiz
Segundo o MPF, também não se sustenta outro argumento utilizado pelo Juízo e pelas partes para justificarem a assunção de competência pela 12ª Vara Federal, sob a alegação de que o artigo 55, § 3º, do CPC prevê a conexão dos processos para evitar-se contradição.
O MPF explica que a previsão legal não está relacionada a uma contradição fática, como apontam os recorridos, mas sim a uma contradição jurídica, que acontece quando há a possibilidade de serem emitidas duas ordens judiciais contraditórias sobre uma mesma relação jurídica, o que decididamente não é o caso dos autos.
O MPF aponta que “o recurso retórico ao CPC não tem o condão de afastar a conclusão de que o juiz que atua nas causas relativas ao Desastre de Mariana não tem competência para homologar acordo de multas referentes a Brumadinho, porque são eventos diferentes, ocorridos em momentos e espaços diferentes, sendo que o desastre de Brumadinho vem sendo processado perante a Justiça Estadual de Minas Gerais.
Assim, havendo necessidade de homologação de um acordo na Justiça Federal, os termos deveriam ter sido submetidos à livre distribuição. Ao contrário disso, as partes escolheram por si mesmas não apenas a vara, mas um juiz específico, em total afronta aos critérios previstos na lei processual”.
Trânsito em julgado inexistente
Os procuradores sustentam ainda que, por falta da obrigatória intimação do Ministério Público, não houve o trânsito em julgado da decisão e ainda há prazo tanto para o MP quanto para terceiro interessado impugnarem a sentença: “o ato da secretaria que certifica o trânsito em julgado é mero ato declaratório, sem nenhum efeito jurídico se o seu suporte fático, que é o esgotamento dos recursos pendentes, não tiver ocorrido. Assim, a certidão de trânsito em julgado, ainda que lançada nos autos, nada significa”.
O recurso é assinado por quatro procuradores federais: Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, Flávia Cristina Tavares Torres, Helder Magno da Silva e Edilson Vitorelli Diniz Lima. Para eles, a intimação do MPF para se manifestar sobre o acordo era obrigatória, porque o desastre causado pela Vale em Brumadinho acarretou notórios danos a bens e interesses que a Constituição brasileira e leis infraconstitucionais incumbiram ao Ministério Público defender, dentre os quais o meio ambiente.