Bigamia? Pensão por morte em uniões simultâneas está em jogo no STF
Especialistas do direito de família defendem o pagamento do benefício caso os parceiros não saibam da existência um do outro
atualizado
Compartilhar notícia
A constituição de famílias simultâneas ainda é palco para discussões acaloradas no Judiciário brasileiro. Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar o caso de um homem e uma mulher que acionaram a Justiça para receber o direito à pensão por morte do companheiro falecido. Ambos mantinham união estável com indivíduo que morreu, mas nenhum era casado. A questão levanta dúvidas, tendo em vista que o novo conceito de família não está assegurado na legislação de forma objetiva.
De acordo com a advogada Tatiana Perez Fernandes, especialista em direito previdenciário, atualmente tem direito à pensão por morte os seguintes dependentes do falecido: cônjuge, companheiro, filho ou irmão não emancipado menor de 21 anos ou inválido, bem como o pai. No caso específico em jogo no STF, a advogada informou que a legislação não dispõe da situação de “forma clara”, sendo até “omissa” nesse sentido.
“A lei apenas traz a relação de dependentes e inclui nesta o companheiro ou a companheira. Em 2008, caso semelhante fora julgado, não tendo conferido direito à amante ao compartilhamento da pensão. A atual decisão certamente irá impactar centenas de processos e uniformizar o entendimento atual do Poder Judiciário”, assinalou Tatiana.
Divisão da pensão
No processo que tramita no STF, o falecido teve relacionamento de oito anos com um homem, reconhecido judicialmente em primeira instância. Do outro lado, aparece a mulher com quem ele manteve união estável e teve um filho. A análise gira em torno da possibilidade da divisão do benefício pago pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Segundo a advogada Caroline Yumi, especialista em direito de família, já é reconhecido o direito de recebimento de pensão por morte por dois companheiros, quando preenchidos os requisitos da união estável e da “boa-fé” – ou seja, quando ambos não saibam da existência um do outro. No entanto, alguns tribunais afastam essa possibilidade. A defensora acredita que o entendimento a ser tomado pela Suprema Corte vem para “pacificar a jurisprudência” sobre o tema.
A advogada Ana Carolina Osório, especialista em questões familiares, argumenta que “não há como impedir a constituição informal de duas famílias” e, por isso, também defende o pagamento da pensão por morte no caso de relacionamentos concomitantes e de “boa-fé”. “Soa, a meu ver, arbitrário, dar preferência a uma família em relação a outra sendo que ambas presumidamente possuíam dependência financeira do falecido e desconheciam concomitância das relações”, pontuou.
Bigamia
De acordo com o Código Penal, a bigamia é considerada crime. Uma pessoa casada não pode contrair novo casamento, sob pena de reclusão de 2 a 6 anos. O julgamento do STF, no entanto, não busca relativizar a proibição, mas uniformizar o direito previdenciário nessas situações.
“A resposta do Supremo deve pautar-se nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção à família. Sendo comprovada a boa-fé das duas famílias, isto é, que ambas ignoram a existência da outra, parece-me que a única orientação que encontra amparo na Constituição é autorizar o rateio da pensão por morte entre as duas famílias”, frisou a advogada Ana Carolina Osório.