“As pessoas não percebem que não é só o caso Lula”, diz Dallagnol
Ao defender a prisão em 2ª instância, o procurador afirma: a medida diz respeito a todo “poderoso” que comete crimes graves
atualizado
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Em entrevista ao Jornal Eldorado na manhã desta terça-feira (3/4), o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal na Operação Lava Jato, afirmou: o julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não diz respeito somente ao petista, mas a todo “poderoso que praticou crimes graves”.
“As pessoas não estão percebendo, não é só o caso Lula. É o caso Renan [Calheiros], o caso Aécio Neves. Se eles perderem o foro, é o do Eduardo Cunha, preso em primeiro instância. É o de todo poderoso que praticou crimes graves”, diz. O procurador ainda afirma que a medida não diz respeito só aos crimes de corrupção, mas também a outros casos, como homicídios.
De acordo com Dallagnol, se o STF decidir por barrar a prisão de Lula em segunda instância, a Lava Jato pode sofrer o “perigo de catástrofe”. “Nós vamos estar fazendo um teatro. Estamos trabalhando, as pessoas serão condenadas, mas as penas não serão executadas”. Para ele, com uma mudança no entendimento dos ministros, o cumprimento da pena irá demorar mais tempo, e isso pode gerar a prescrição dos crimes e, por consequência, a impunidade.
Sobre as apostas para o julgamento do STF na próxima quarta-feira (4), Dallagnol afirmou ser imprevisível. Segundo ele, a grande esperança é uma mudança no voto da ministra Rosa Weber. “Na sabatina de quando entrou para o Supremo, ela tinha sinalizado que era a favor da prisão após a segunda instância. Depois, mudou de posição. A gente tem esperança de que possa voltar à posição original”, declarou.
O procurador também criticou a postura do ministro Gilmar Mendes, que, segundo ele, “em 2016, fez uma defesa muito forte a favor da prisão em segunda instância e, agora, a meu ver de modo inexplicável, mudou para o contrário”. Ele defende que a mudança em dois anos desgasta a credibilidade do Supremo e coloca em xeque a sua imparcialidade.
Dallagnol também afirma ser preciso respeitar a autoridade do Supremo para a decisão, mas defende a participação do cidadão na democracia. “Nós precisamos adotar uma postura de manifestação pacífica. Devemos respeitar a autoridade do Supremo para decidir, mas é legítimo discutir essa questão e os efeitos dela em todos nós”, diz.
Ciclo da corrupção
Para o procurador, as recentes decisões do ministro Dias Toffoli, do STF, acerca da concessão da prisão domiciliar ao deputado Paulo Maluf (PP-SP) e da suspensão da inelegibilidade do ex-senador Demóstenes Torres (GO) são retratos do ciclo da corrupção pelo qual passa o país.
Sobre Maluf, o procurador disse que o caso do deputado pode resumir esse ciclo. “Corrupção é difícil de descobrir, depois difícil de comprovar. Se não for anulado, vai demorar anos e vai prescrever. Se não prescrever, vai ter pena pequena. Se não for, a pena vai ser indultada. Se não, o réu fica doente e vai para casa”, afirmou.
Já sobre Demóstenes, ele declarou: “Temos de romper o ciclo de que propina gera eleição, então precisamos barrar a eleição de pessoas condenadas por corrupção. Nesse sentido, com todo respeito, a decisão do ministro Dias Toffoli é um grande retrocesso”.
Dallagnol também aproveitou a oportunidade para esclarecer uma publicação feita em seu Twitter. No último domingo (1), ele afirmou que faria “jejum, oração e torcendo pelo país”, no dia do julgamento de Lula. Segundo o procurador, a causa de sua oração e seu jejum é para refletir sobre a corrupção e a impunidade. “Ter fé e expressar a fé é uma liberdade religiosa que todo cidadão tem direito na democracia. Um promotor não deixa de ser cidadão. Eu manifestei a minha oração, me expressei na rede social, em um perfil pessoal e fora do meu ramo profissional”, disse.
O procurador também disse já ter assistido aos três primeiros episódios da série O Mecanismo, criada pelo cineasta e roteirista José Padilha para a Netflix, e defendeu que, apesar de se tratar de uma obra ficcional, “o personagem central é verdadeiro. Não é uma pessoa, mas é um mecanismo em si de como a corrupção funciona no Brasil”.
O procurador respondeu perguntas dos jornalistas Eliane Cantanhêde, Haisem Abaki e Carolina Ercolin.