As novas “especialidades” dos presos na Operação Lava Jato
Gim Argello e Eduardo Cunha usaram ensino a distância para reduzir pena. Após parecer do MP, Justiça cancelou benefício do ex-senador do DF
atualizado
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Presos após serem condenados em segunda instância no âmbito da Operação Lava Jato, políticos deixaram vidas luxuosas e empregos de alto escalão para trás. Agora, dedicam-se a ocupações mais simples e profissionalizam-se de dentro da cadeia, por meio de cursos técnicos. Além do conhecimento, a prática permite que eles reduzam a pena de reclusão a ser cumprida. Entre os apenados que adquiriram novas “especialidades” no cárcere, estão o ex-senador Gim Argello e os ex-deputados federais Eduardo Cunha, André Vargas e Luiz Argôlo.
A possibilidade de redução da pena por meio do estudo está prevista no artigo 126 da Lei de Execução Penal. Segundo a norma, será descontado “um dia de pena a cada 12 horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em três dias”.
Diante dessa previsão, condenados da Lava Jato têm apostado nos cursos profissionalizantes. Com temas, durações e preços variados, as aulas são realizadas por meio de correspondências ou pela internet. Na maioria dos casos, os apenados recebem as apostilas de estudo dentro do presídio e, quando finalizam a análise do material, precisam fazer uma prova para atestar o conhecimento.
Foi o que fez o ex-deputado federal petista André Vargas. Condenado a 13 anos e 10 meses de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ele concluiu cursos de espanhol e eletrônica básica, rádio e TV. Juntos, os módulos somam 940 horas de aula, o que implicaria na remissão de quase 80 dias de reclusão.
Mesmo com a redução, a pena de Vargas ainda pode ser aumentada. No último dia 20 de agosto, o ex-parlamentar foi condenado novamente pelo juiz Sérgio Moro no âmbito da Lava Jato, desta vez a 6 anos de reclusão por lavagem de dinheiro. A execução penal, no entanto, ainda depende de julgamento de recurso em segunda instância.
Outro que ganhou nova formação foi o ex-deputado federal Luiz Argôlo. No Complexo Médico de Pinhais, em Curitiba (PR), ele fez curso de mestre de obras e edificações com carga horária de 400 horas.
Em janeiro, o ex-parlamentar, condenado em segunda instância a 12 anos e 8 meses por corrupção, foi transferido para Salvador (BA), cidade onde mora a família. Desde a mudança, ele já conseguiu diminuir mais 105 dias da pena: 81 por trabalho e 24 por estudo.
Instituto Universal Brasileiro
Nos casos de Vargas e Argôlo e dos ex-parlamentares Eduardo Cunha e Gim Argello, a maioria dos cursos foi feita por meio do Instituto Universal Brasileiro (IUB). A entidade, que opera desde 1941, é uma das mais antigas instituições de ensino a distância no país. Hoje, oferece 76 cursos, entre supletivos, profissionalizantes, técnicos e preparatórios. Os preços vão de R$ 22,40 a R$ 213,12.
No site do IUB, existe até uma aba destinada a dúvidas sobre o uso dos cursos para redução de penas de presidiários. O texto presente na página afirma que os materiais de ensino “são de fácil assimilação e aprendizado”, e orienta os interessados:
“O curso deverá ser adquirido no formato apostilado, ao final de cada apostila fará o questionário de avaliação (nos cursos que possuem questionário de avaliação), ao final do curso fará o exame final e sendo aprovado com a nota maior que 5 (cinco), receberá o pedido de certificado, para que possa solicitar o Certificado de Conclusão, e nele conterá a carga horária do curso, na qual fará jus a redução da pena [sic]”, diz o texto.
A entidade orienta ainda os apenados a fazerem apenas um curso por vez e só adquirirem um novo quando tiverem finalizado o anterior.
Polêmica
Os cursos do IUB, no entanto, têm causado uma disputa judicial entre defesas de condenados e o Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR). Nos casos do ex-senador Gim Argello e do ex-deputado federal Eduardo Cunha, o MP deu parecer contrário à remissão da pena. Para o órgão, os documentos apresentados pelos réus não comprovam a efetiva conclusão dos cursos.
Para conseguir redução da pena de 11 anos e 8 meses à qual foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, também no âmbito da Lava Jato, o ex-senador Gim Argello apresentou conclusão de cinco cursos feitos junto ao IUB, entre março de 2016 e agosto de 2017.
Segundo os documentos, Gim formou-se em: mestre de obras e edificações; instalações elétricas; espanhol; eletrônica básica, rádio e TV; e eletrônica digital. As aulas que o ex-senador afirma ter feito somam carga horária de 1.840 horas. Isso motivou o juiz responsável pela execução penal a conceder remissão de 112 dias da pena do político. No Complexo Médico de Pinhais, ele ganhou até o apelido de “rei dos cursos”.
O Ministério Público do Paraná, no entanto, entrou com recurso contra a decisão. Segundo o MP, “inexiste comprovação nos autos de que o agravado teve efetivo acesso ao material dos cursos que supostamente realizou, bem como de que tenha prestado as avaliações necessárias para sua formação”. Ainda de acordo com o órgão, o IUB não possui convênio com o Departamento Penitenciário do Paraná, o que é necessário para a prestação desses serviços.
Ao analisar o caso, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) acatou o pedido do Ministério Público e cassou a remissão da pena de Gim. Agora, o ex-senador tenta reaver o benefício no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em junho, a defesa dele entrou com um pedido para que a decisão do TJPR fosse cassada.
Segundo os advogados de Gim, os certificados de conclusão dos cursos foram emitidos regularmente. “O paciente vem, por seus próprios esforços, dedicando-se a cursos e ao trabalho e, bem assim, ao estudo, buscando alcançar o aprimoramento para a reinserção social e, também, a aproveitar seu tempo de encarceramento para estudar e se qualificar profissionalmente”, alegam.
Em fase liminar, no entanto, o pedido foi indeferido pelo ministro do STJ Felix Fischer. O mérito do processo ainda será analisado.
O ex-deputado federal Eduardo Cunha, por sua vez, afirma ter feito na cadeia os cursos de: mestre de obras e edificações; eletrônica básica, rádio e TV; espanhol e agropecuária, todos no IUB. Com os dois últimos, que somam carga horária de 790 horas, ele conseguiu redução de quase 60 dias na pena. O MPPR, no entanto, deu parecer negativo quanto aos outros dois cursos, alegando motivos similares ao do processo envolvendo Gim Argello.
O Metrópoles não conseguiu contato com as defesas do ex-senador Gim Argello e do ex-deputado Eduardo Cunha. A reportagem também tentou contatar o Instituto Universal Brasileiro, mas não havia obtido resposta até a última atualização desta reportagem.
O Ministério Público do Paraná afirmou que a promotora responsável pelos processos não concede entrevistas. No entanto, enviou nota específica sobre o caso de Gim Argello:
“1. Foi decretado sigilo em parte dos autos e, por esse motivo, não podemos dar detalhes sobre o parecer do membro responsável pelo caso;
2. De modo geral, porém, as avaliações do Ministério Público acerca da remição de pena por cursos a distância observam:
– A Lei de Execuções Penais, que, em seu artigo 126, fixa que as atividades de estudo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados;
– A Recomendação 44, do Conselho Nacional de Justiça, que destaca que, para fins de remição pelo estudo, as atividades sejam ofertadas por “instituição devidamente autorizada ou conveniada com o poder público para esse fim”;
– O Decreto 5.622/2005, que regulamenta o artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, estabelecendo que a educação a distância poderá ser ofertada, desde que seja previsto, obrigatoriamente, momento presencial para a realização de avaliações, dentre outras hipóteses, até para possibilitar a comprovação de que a pessoa beneficiada efetivamente fez o curso e foi submetida à avaliação;
– A Recomendação 5/2015, do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica, a qual enfatiza que a Lei de Execução Penal considera necessário que as autoridades educacionais promovam o devido controle de frequência dos educandos, incluindo a avaliação de aproveitamento da aprendizagem, como uma das condições essenciais para a obtenção de certificação das etapas de estudo da educação básica;
– A Portaria 1.013/2015, do Departamento Penitenciário do Paraná, segundo a qual “as atividades educacionais que gerem remição de pena pelo estudo devem ser formalizadas em parcerias por meio de Plano de Trabalho e Termo de Cooperação Técnica.”