Após restrição do foro, STF liberou 30% das ações contra autoridades
Dos 487 processos dessa natureza que tramitavam na Corte até o fim de abril, pelo menos 155 seguiram para a primeira instância
atualizado
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A decisão do Supremo Tribunal Federal de restringir o foro privilegiado de deputados federais e senadores provocou uma redução expressiva no número de processos penais em trâmite contra parlamentares na Corte. Pouco mais de um mês após a determinação, o Metrópoles fez um levantamento sobre o tema. Conforme apontou a sondagem, cerca de 30% dos inquéritos e ações penais que estavam na mais alta instância do Poder Judiciário até abril foram encaminhados para a Justiça comum. Ou seja, nas últimas semanas, quase um terço das ações referentes a autoridades com foro deixaram o STF.
O julgamento que firmou o novo entendimento sobre o foro privilegiado foi concluído no último dia 3 de maio. De acordo com o entendimento dos 11 ministros do plenário, só deveriam permanecer no Supremo os processos relacionados a fatos ocorridos durante o mandato e que tivessem relação com a atividade parlamentar. No dia seguinte a decisão, começou o elevador processual no STF.
Até o fim de abril, antes da mudança, tramitavam no Supremo 401 inquéritos e 86 ações penais contra autoridades com direito a foro privilegiado. Entre o dia 4 de maio e a última semana, pelo menos 148 desses processos foram encaminhados à Justiça comum – 115 inquéritos e 33 ações penais.Sete pedidos de início de investigação também passaram a ser de competência de juízes de primeira instância. Os casos envolvem os deputados federais Wladimir Costa (Solidariedade-PA), Renata Abreu (Podemos-SP) e Clarissa Garotinho (PR-RJ), além do senador Zezé Perrella (MDB-MG).
A maior parte dessas ações saiu do gabinete do ministro Ricardo Lewandowski. O magistrado se desfez de 28 processos. Em seguida, aparecem os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, com 25 cada. Dias Toffoli (15), Rosa Weber (15), Roberto Barroso (13), Alexandre de Moraes (12) e Edson Fachin (11) ficaram em posições intermediárias.
Já os ministros que menos enviaram ações para a primeira instância foram Luiz Fux (7) e Gilmar Mendes (3). A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, liberou apenas um processo, pois não assume a relatoria desde o início do mandato, em 2016.
Motivos
Entre os processos enviados à Justiça comum nas últimas semanas, estão casos como os de cinco deputados federais pelo DF e investigações envolvendo parlamentares conhecidos nacionalmente, como Aécio Neves (PSDB-MG) e Tiririca (PR-SP).
O caso de Tiririca é, inclusive, um dos poucos que foi remetido à primeira instância por tratar de fatos não relacionados ao mandato parlamentar. O deputado federal é acusado de assédio sexual por uma ex-empregada, como revelou o Metrópoles em julho de 2017. Segundo a mulher, o congressista fez investidas sexuais contra ela em duas ocasiões, em São Paulo (SP) e em Fortaleza (CE). Tiririca nega as acusações e afirma ser vítima de uma tentativa de extorsão pela ex-colaboradora.
No dia 7 de maio, o relator do processo, ministro Celso de Mello, declinou da competência para julgar o caso e o enviou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). Na decisão, o ministro afirma que o “evento delituoso cujo alegado cometimento, embora supostamente ocorrido no curso do mandato legislativo, com este não guarda qualquer relação de pertinência ou de conexão, por tratar-se de fato absolutamente estranho às atribuições inerentes ao ofício parlamentar”.
O deputado recorreu da decisão e tentou manter o processo no STF, mas a apelação foi negada pelo relator por ter sido apresentada fora do prazo cabível. Além do caso de Tiririca, apenas outros 11 processos foram enviados à primeira instância por não possuírem relação com o mandato, ou seja, só 7,7% do total. Já 80,6% tiveram a competência declinada pelo Supremo por terem ocorrido antes da diplomação no cargo. Outros 11,7% tramitam em sigilo.
Número deve crescer
Na última semana, a 1ª Turma do STF ampliou ainda mais a restrição ao foro privilegiado. Em análise de inquérito contra o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, o colegiado decidiu enviar o caso à primeira instância, por se tratar de suposto crime de corrupção quando o político era governador do Mato Grosso. Com a determinação, abriu-se precedente para que processos penais envolvendo ministros de Estado sejam enviados à Justiça comum.
Maggi ainda é alvo de um inquérito que apura supostos repasses ilícitos feitos pela Odebrecht à sua campanha ao governo de Mato Grosso. Além do ministro da Agricultura, processos de outros quatro membros da equipe do presidente Michel Temer também podem ser declinados para a primeira instância.
Contra o senador afastado e ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, existe um inquérito que investiga suposto repasse ilícito pela construtora Odebrecht, durante a campanha ao Senado, em 2014. Na semana passada, a Polícia Federal questionou ao relator do caso no STF, ministro Gilmar Mendes, se a investigação permanecerá na Corte ou seguirá para a primeira instância.
Os ministros da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab; da Casa Civil, Eliseu Padilha; e de Minas e Energia, Moreira Franco, também são alvos de inquéritos que investigam recebimento de supostos repasses ilegais antes de assumirem as respectivas pastas.
Impactos
Para o especialista em direito constitucional e professor da Universidade de Brasília Paulo Henrique Blair, a redução no número de processos penais no STF não deve ter grande impacto na velocidade de análise de processos na Corte. “É improvável que necessariamente vá andar mais rápido porque as ações penais originárias estão longe de ser os processos a tomarem mais tempo do Supremo”, explica. Ainda de acordo com o especialista, os julgamentos de processos que permanecerão na Corte, como os dos réus da Lava Jato, devem demorar.
No entanto, conforme acredita Blair, o envio desses processos para a primeira instância terá dois impactos principais: aumento na sensação de justiça e maior debate sobre os problemas do sistema criminal brasileiro. “Em uma sociedade democrática, a norma é que todo mundo deve ser julgado pelas mesmas autoridades, de forma geral e igual. Existem exceções, mesmo em democracias saudáveis, mas elas devem ser restritas ao mínimo indispensável. Então, essa mudança transmite uma sensação de igualdade maior”, argumenta.
Ainda de acordo com o especialista, a restrição ao foro também possibilita que a discussão sobre a Justiça criminal seja retomada de forma geral no Brasil. Para ele, a análise de processos de políticos pela primeira instância e a provável demora no andamento desses casos vão permitir que a população perceba que a causa da lentidão da Justiça não é o STF, mas a falta de estrutura do sistema como um todo.
“O que nós vamos ter agora é uma cobrança da sociedade para saber: por que esses processos em primeira instância estão demorando? E vai ficar claro que esse é o ritmo da Justiça criminal brasileira. A única forma de fazer esses processos andarem mais rapidamente é com investimento”, finaliza.