Justiça condena Uber a indenizar mãe de motorista morto no trabalho
Vítima foi assaltada durante uma corrida e acabou morta com 19 tiros. Justiça determinou indenização de R$ 676 mil, mas cabe recurso
atualizado
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A mãe de um motorista que trabalhava usando o aplicativo Uber e foi assassinado em julho de 2018, em Fortaleza (CE), durante uma corrida, ganhou na Justiça o direito de ser indenizada pela empresa em R$ 676 mil por danos morais e materiais.
A decisão foi tomada de forma unânime pelos desembargadores da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, que reformaram julgamento em primeira instância no qual a indenização tinha sido negada, por supostamente não haver relação trabalhista entre os motoristas e a Uber (é o argumento da empresa, que diz que os motoristas são seus parceiros, não seus empregados).
O relator do processo, desembargador Clóvis Valença Alves Filho, avaliou, porém, que não há dúvidas da relação entre a atividade laboral da vítima e a sua morte, “haja vista que sua condição de motorista de aplicativo foi determinante para que seus algozes cometessem o crime, de sorte que resta imperioso se reconhecer a responsabilidade da empresa pelo evento danoso, decorrente de violência sofrida durante a realização de suas atividades”.
No dia do crime, o motorista foi atacado por passageiros que haviam solicitado a corrida por meio do aplicativo e o assassinaram com 19 tiros.
A defesa da empresa insistiu que não havia relação trabalhista entre as partes e que foi ele quem “contratou a intermediação da plataforma para realizar o transporte de passageiros”. Ainda segundo a Uber, seus “parceiros” são “motoristas independentes, que, nessa condição, assumem todos os riscos de sua atividade profissional pessoal”.
Ainda segundo a decisão, a Uber contrata seguros para os motoristas “parceiros”, o que revela que a empresa se responsabiliza pelos profissionais. “Ao considerar os motoristas como parceiros e contratar seguro para protegê-los, a Uber reconhece, ainda que indiretamente, a responsabilidade pelos eventuais danos por eles sofridos”, escreveu Clóvis Valença Alves Filho. “Nesse contexto, não podemos afirmar que o assalto que culminou com a morte do filho da recorrente possa ser considerado um fato de terceiro, extraordinário e estranho ao desempenho da atividade de motorista por aplicativo”, completou o magistrado.
A Uber informou ao site Jota que vai recorrer da decisão.
Outro lado
Após a publicação desta reportagem, a Uber entrou em contato com a reportagem e enviou a seguinte nota:
A Uber esclarece que não foi notificada sobre a decisão mencionada pelo Jota, portanto causa estranheza que o documento tenha sido divulgado à imprensa antes de ser cumprido o rito jurídico de dar ciência às partes sobre o resultado de um processo judicial.
Após tomar conhecimento do acórdão do TRT do Ceará, a Uber informa que vai recorrer da decisão, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados por diversos Tribunais pelo País, incluindo o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Existe sólida jurisprudência no Poder Judiciário determinando que a Justiça do Trabalho não é competente para julgar ações de indenização contra a Uber em que não haja pedido de reconhecimento de vínculo ou de relação trabalhista, como é o presente caso. A decisão mais recente neste sentido foi proferida no início de setembro pelo STJ.
Independentemente disso, segurança é prioridade para a Uber. No caso relatado no processo em questão, a família do motorista parceiro Ericson Ewerton Tavares de Souza recebeu o valor correspondente à cobertura do seguro de acidentes pessoais exigido na regulamentação dos aplicativos (Lei 13.640/18) e mantido pela Uber, em parceria com a Chubb. Este seguro é oferecido sem nenhum ônus a todos os parceiros e usuários, e cobre todas as viagens ou entregas intermediadas pela plataforma, tanto para motoristas e entregadores parceiros, que possuem uma relação comercial com o aplicativo, quanto para os próprios usuários. A apólice também indeniza independente da apuração de culpa ou responsabilidade pelo acidente. Ocorrendo um acidente pessoal com um parceiro ou usuário da plataforma, a seguradora efetuará o pagamento da indenização securitária correspondente.
Vínculo empregatício
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira vêm reiterando que não há relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros devido à inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de 1.310 decisões neste sentido, incluindo quatro julgamentos no TST (Tribunal Superior do Trabalho).
No mais recente deles, a 5ª Turma afastou a hipótese de subordinação na relação do motorista com a empresa uma vez que ele pode “ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”. Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.
Entendimento semelhante já foi adotado em julgamentos do TST em fevereiro e setembro de 2020, e também pelo STJ em outros quatro julgamentos – o primeiro deles em 2019.