Juíza induz criança vítima de estupro a desistir de aborto em SC
Para evitar a interrupção da gestação, a magistrada decidiu que a menina, de 11 anos, deve permanecer no abrigo onde está há mais de um mês
atualizado
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A Justiça de Santa Catarina decidiu manter em um abrigo uma criança de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro, para evitar que a menina realize aborto legal. Em despacho, a juíza Joana Ribeiro Zimmer, titular da Comarca de Tijucas, afirma que a decisão, inicialmente, teria sido motivada para garantir a proteção da criança em relação ao agressor, mas que havia ainda outra razão: “Salvar a vida do bebê”.
“O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”, diz trecho da sentença.
O caso foi revelado nesta segunda-feira (20/6) pelo site The Intercept.
“Suportaria ficar mais um pouquinho?”
A reportagem revela ainda um vídeo da audiência judicial, em 9 maio. Nas imagens, a juíza tenta induzir a criança a seguir com a gravidez, embora a criança reafirme que não tem essa vontade.
“Você suportaria ficar mais um pouquinho com o bebê?”, questiona a juíza, sugerindo que a menina ficasse “mais duas ou três semanas”, até a formação do feto evoluir a ponto de fazer um parto antecipado.
A promotora Mirela Dutra Alberton, do MP, também defende a manutenção da gestação. “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer.”
Tanto a promotora quanto a juíza sustentam que, após o parto, o bebê deve ser encaminhado para adoção. “Hoje, há tecnologia para salvar o bebê. E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal”, declara a juíza Joana Ribeiro.
A mãe da criança responde, aos prantos: “É uma felicidade porque não estão passando pelo que eu estou passando”.
“Independentemente do que a senhora vai decidir, eu só queria fazer um último pedido. Deixa a minha filha dentro de casa comigo. Se ela tiver que passar um, dois meses, três meses [grávida], não sei quanto tempo com a criança… Mas deixa eu cuidar dela?”, pede a mãe da vítima, ao ser questionada sobre qual a melhor solução para o caso.
“Ela não tem noção do que ela está passando. Vocês fazem esse monte de pergunta, mas ela nem sabe o que responder.”
Entenda o caso
A menina descobriu a gestação aos 10 anos de idade, na época com 22 semanas e dois dias. A vítima e a mãe foram ao Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, ligado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para fazer o aborto, mas a equipe se recusou a realizar o procedimento, pois, pelas normas da instituição, a intervenção é permitida apenas até a 20ª semana de gestação.
Com isso, a família buscou autorização judicial. O Ministério Público catarinense, então, pediu que a menina ficasse no abrigo “até verificar-se que não se encontra mais em situação de risco [de violência sexual] e possa retornar para a família natural”.
O documento reconhece que a gravidez é de alto risco em razão da idade da criança, que não possui estrutura biológica para levar uma gestação.
A juíza Joana Ribeiro Zimmer, na autorização da medida protetiva, afirma que a determinação visa proteger não só a menina, mas também o feto, “se houver viabilidade de vida extrauterina”. “Os riscos são inerentes a uma gestação nesta idade e não há, até o momento, risco de morte materna”, pontua o documento.
Hoje, a criança está chegando à 29ª semana de gravidez e permanece no abrigo, longe da família, desde o início de maio.
O Metrópoles questionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a postura das envolvidas no caso. O órgão informou que não pode se manifestar a respeito de uma decisão judicial, uma vez “que atua no controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, assim como do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados e na formulação de políticas judiciárias”.
O conselho, por fim, acrescentou: “Caso a conduta da magistrada seja questionada formalmente, o CNJ analisará o caso”.
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