Judiciário e políticos aguardam reação de Bolsonaro após falas de Lira e Fux
Há, agora, imensa expectativa em torno do tom que será adotado pelo presidente Bolsonaro e o caminho que o país tomará
atualizado
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Dia 7 de setembro passou, mas o clima quente continua em Brasília. Pouco mais de 24 horas depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) avisou “àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: ‘Só Deus me tira de lá'”, parte do poder na capital do Brasil se articulou em busca de uma reação.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, reagiu a Bolsonaro; deputados e senadores passaram a tarde de quarta-feira (8/9) reunidos; e alguns apoiadores do chefe do Executivo federal – em sua maioria, caminhoneiros autônomos – continuaram a protestar na Esplanada dos Ministérios e em várias regiões do país. Ao menos nove estados notificaram bloqueios em rodovias federais, subindo o nível de alerta de transportadoras e mercados para eventuais problemas de abastecimento.
Hipóteses de contenção aos arroubos de Bolsonaro no âmbito jurídico – com a tese da inelegibilidade por alegado abuso de poder econômico na eleição de 2018 – e na esfera política, via eventual processo de impeachment, voltaram com força para as rodas de conversa. Assim como as menções a “golpe”, “fechamento do STF” e “ditadura militar”.
Há, agora, imensa expectativa em torno do tom que será adotado pelo presidente Bolsonaro e o caminho que o país tomará nos próximos dias.
Analistas políticos se dividem em dois raciocínios distintos: aqueles que acreditam na possibilidade de ruptura institucional a caminho e os que entendem que a crise política ainda se encontra dentro do que é previsto na Constituição.
Para o professor Ricardo Caldas, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), a democracia é o único sistema que permite a manifestação de pensamentos, inclusive aqueles que são contrários a ela própria.
“O que eu costumo dizer é que as coisas estão dentro da democracia. Até o pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes foi totalmente feito dentro das normas previstas e foi rejeitado pelo presidente do Senado. Quer uma prova maior de funcionamento da democracia do que isso?”
O analista Acácio Miranda, doutorando em direito constitucional pelo Instituto de Direito Público (IPD), acredita que o presidente amenizará o tom. “Não acredito que ele reaja às novas falas do presidente Luiz Fux. Isso porque os atos convocados não reuniram o número esperado de pessoas”, afirmou.
Segundo Miranda, embora os aliados estejam inflamados com as bandeiras de campanha, na prática não há “capilaridade” entre os segmentos que dizem apoiar o bolsonarismo. “A gente tem visto caminhoneiros fazendo um movimento no país, mas são isolados, geralmente ligados ao setor do agronegócio. Na minha avaliação, Bolsonaro vai esperar os desdobramentos nos próximos dias e, caso não consiga a resposta esperada dessa estratégia, a pauta deve acabar morrendo.”
As primeiras 48 horas após o 7 de Setembro
As manifestações marcadas para o 7 de Setembro começaram horas antes de o relógio bater meia-noite. Ainda no dia 6, apoiadores do governo foram à Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e conseguiram, em meio a uma confusão com policiais, a liberação do acesso até o Congresso – mas não à Praça dos Três Poderes (e, consequentemente, ao prédio do STF, transformado em alvo dos bolsonaristas mais radicalizados).
Pela manhã, o presidente falou com os manifestantes de cima de um carro de som na Esplanada, após participar do hasteamento da bandeira nacional no Palácio da Alvorada. Durante o primeiro discurso do dia, Bolsonaro disse que se reuniria com o Conselho da República – órgão convocado para definir questões graves, como intervenções federais, estado de sítio e estado de defesa, e estabilidade das instituições democráticas – para definir “onde todos devemos ir”. A fala deixou o mundo político em extremo alerta.
O discurso mais duro ficou para os apoiadores em São Paulo. Pela tarde, na Avenida Paulista lotada, muitos manifestantes declararam apoio ao governo federal e pediram, sob o grito repetido de “Eu autorizo”, o fechamento do Congresso e do STF e intervenção militar. Por sua vez, o presidente atacou o ministro do STF Alexandre de Moraes – chegou a dizer que não obedeceria mais ordens emitidas pelo ministro – e afirmou que jamais será preso por “canalhas”.
Ao longo do dia, alguns nomes de peso da política nacional se manifestaram sobre o feriado da Independência e reagiram ao pronunciamento do chefe do Executivo federal. Moraes se limitou a escrever nas redes sociais: “Comemoramos nossa Independência, que garantiu nossa liberdade e que somente se fortalece com absoluto respeito à democracia”.
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), usou o Twitter para defender “eleições livres, limpas e seguras”. “O amor ao Brasil e à democracia nos une. Sem volta ao passado”, assinalou.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), pediu para os brasileiros não deixarem “de compreender a nossa mais evidente dependência de algo que deve unir o Brasil: a absoluta defesa do Estado Democrático de Direito”.
Já Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, ficou calado. Nessa quarta (8/9), sem mencionar diretamente o presidente Jair Bolsonaro nem se referir à possibilidade de abrir processo de impeachment, fez discurso apaziguador. O parlamentar disse que a Câmara “tem compromisso com o Brasil real” e servirá como “ponte de pacificação” entre os poderes Judiciário e Executivo, mas afirmou que “ninguém rasgará a Constituição”.
O STF também esperou o 7 de Setembro passar para responder às provocações de Bolsonaro. O presidente da Corte, ministro Luiz Fux, afirmou, na abertura da sessão plenária, que “ninguém fechará esta Corte”. “Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança”, ressaltou.
Em resposta às ameaças de Bolsonaro de descumprir decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, Fux alertou que, se o presidente da República realmente ignorar medidas impostas contra ele e a União, estará cometendo “crime de responsabilidade, que deverá ser analisado pelo Congresso Nacional”.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, se limitou a falar sobre a importância da democracia. Em sessão do órgão, após discurso de Luiz Fux, afirmou que “a independência entre os Poderes pressupõe a harmonia” e aplaudiu as manifestações do 7/9.
Partidos políticos
Por outro lado, os partidos políticos reagiram com mais rigidez. Já na terça-feira (7/9), o presidente do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva, conhecido como Paulinho da Força, disse em entrevista à CNN que é favorável ao impeachment de Bolsonaro. De acordo com o parlamentar, o chefe do governo “passou de todos os limites”. Além disso, afirmou que a bancada irá se reunir para “sair da neutralidade”.
Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB, convocou reunião extraordinária para tratar da posição do partido em relação ao possível processo de impeachment do presidente. Nessa quarta (8/9), em encontro da cúpula da legenda, a sigla declarou oposição a Jair Bolsonaro, mas a adesão ao afastamento de Bolsonaro ficou para depois.
A manifestação de Araújo se somou à declaração do presidente do PSD, Gilberto Kassab, no mesmo sentido. Em entrevista à GloboNews, Kassab afirmou que, caso a escalada antidemocrática demonstrada por Bolsonaro nos últimos meses continue, o partido poderá apoiar o impedimento de seu mandato.
O líder da Oposição na Câmara dos Deputados, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que pretende dialogar com líderes partidários que não integram a oposição para discutir o impeachment.
Na contramão, o Podemos comunicou que não irá aderir a um possível novo pedido. A decisão foi tomada após reunião convocada entre parlamentares da legenda. Em nota, a sigla defende que a decisão visa “reforçar a posição de partido independente”. O Podemos defende ainda uma terceira via para as eleições de 2022 para fazer frente a Bolsonaro e ao ex-presidente Lula.