Jovem herdeiro da Beija-Flor: Carnaval do Rio voltará a ser grande
Metrópoles entrevista Gabriel David, conselheiro da azul e branca de Nilópolis e um dos herdeiros do bicheiro Anísio Abraão David
atualizado
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Rio de Janeiro – Gabriel David tem 23 anos, estudou administração na PUC-RJ, é empresário bem-sucedido e conselheiro da Beija-Flor de Nilópolis, uma das escolas de samba mais ricas do Carnaval do Rio de Janeiro. Ele faz parte do seleto grupo de jovens herdeiros do mundo do samba carioca que influenciam diretamente e tomam decisões do planejamento à execução dos desfiles das escolas na Marques de Sapucaí.
Em entrevista ao Metrópoles, o filho do bicheiro Anísio Abraão David fala sobre seu amor pelo Carnaval, respeito aos artistas, sucessão da rainha de bateria, modernização e tecnologia na Avenida e sobre futuro. Gabriel manda ainda um recado: o Carnaval do Rio vai voltar a ser grande.
Você disse recentemente que um dos seus desejos era ver o Carnaval voltar a ser grande. Para você, quando ele ficou pequeno?
Ficou pequeno conforme os anos foram se passando, o mundo foi mudando e o Carnaval não foi se adaptando. Se levarmos em consideração a imagem que o Carnaval passa e não levar em consideração dados, números, nem nada desse tipo, eu diria que de uns 5 anos para cá nós tivemos impactos negativos no Carnaval que ficaram evidentes para o público. Primeiro grande marco disso foi a entrada do Crivella (Marcelo Crivella, ex-prefeito do Rio de Janeiro) na prefeitura, quando você tem a ameaça de perder e depois a queda de uma receita pública que, até então, era contínua e crescente.
Você considera que o Carnaval do Rio está ultrapassado?
Não. O Carnaval é cool (legal, em inglês). O Carnaval é tão bom que, mesmo com alguns pequenos problemas, ainda é muito forte. E temos isso em evidência quando passamos, por exemplo, por um ano de pandemia, onde não se tem Carnaval pela primeira vez na história recente da humanidade. E vemos o quão forte é o desfile das escolas de samba na Marques de Sapucaí, estamos falando disso o tempo todo, com diversas ações, uma repercussão grande e uma certa tristeza geral espalhada pela nação – principalmente pelos cariocas – diante desse cenário. A Sapucaí vazia na semana do Carnaval teve um simbolismo muito grande não só para a pandemia, mas para o Carnaval em si. Mostra a força do Carnaval quando todo mundo olha para aquele palco, mesmo quando ele está vazio, num determinado momento do ano.
Pelo lado artístico do Carnaval, você vê evolução e modernização?
Mediante o que os artistas têm como base de dinheiro e regulamento, a cada ano eles se reinventam. A cada ano eles, de fato, tiram coelho da cartola para estar sempre apresentando algo novo e estar se adaptando. Isso tudo em um Carnaval que há mais de cinco anos não tem a menor possibilidade de planejamento financeiro. Nós começamos um processo de preparação do Carnaval e não sabemos quanto dinheiro temos para gastar. Então essa capacidade de inventar e se reinventar é o ponto alto. Nunca faltou arte no Carnaval, nunca faltaram artistas criativos e capacitados suficientes para o Carnaval.
Desde 2018 você influencia diretamente nas decisões da Beija-Flor. Você age também no lado artístico?
Eu não sou artista. Eu não escolho nem assumo responsabilidades artísticas, mas assumo responsabilidades de até onde o artista pode ir, do que é permitido, do que não é. Por mais que o carnavalesco seja o grande idealizador do Carnaval, ele não faz aquele desfile ali sozinho. É claro que passa pela diretoria de uma maneira geral.
Os jurados do Carnaval são considerados conservadores. A Beija-Flor também tem suas características próprias de um Carnaval vencedor (foram 14 títulos, oito de 2000 para cá). A escola compra a ideia de pensar fora da caixa e apresentar um desfile com mais tecnologia e inovação?
Isso é uma relação muito forte com o artista. Eu já tive a possibilidade de conviver com diversos artistas. Já vi artistas que prezam por inovações tecnológicas que já existem e replicam no mundo e que acho superinteressante. A Beija-Flor fez isso no seu último desfile, quando ela faz o efeito de pássaros voando no último setor. Aquilo era um efeito tecnológico que já existia, e nós só replicamos na Sapucaí. É um pássaro que você compra na loja de brinquedos e controla por controle remoto. E aí construímos um programa onde todos os pássaros eram controlados juntos. Por outro lado, hoje eu tenho um artista dentro da escola que a arte dele não é baseada nisso, que é o Marcelo Misailidis (coreógrafo da comissão de frente da Beija-Flor). Eu já tive algumas discussões com Marcelo para irmos atrás de efeitos especiais e ele sempre me deu a resposta de que essa não é a arte dele. E eu respeito. Ele quer usar a tecnologia, a inovação, mas ele quer criar isso e não replicar.
Falando em pensar fora da caixa, a Beija-Flor contrataria alguém como Paulo Barros (carnavalesco, atualmente na Paraíso do Tuiuti, conhecido por suas inovações tecnológicas na Avenida), por exemplo?
A Beija-Flor tem por obrigação, dentro de sua história, sempre ter os melhores e buscar os melhores dentro do Carnaval. É claro que, além de buscar contratações, eu vou sempre prezar em formar grandes profissionais para o Carnaval. Isso também está na cultura da escola. Mas a partir do momento que você tem pessoas que façam um barulho tão grande como é o caso do Paulo, do Leandro Vieira (carnavalesco da Mangueira) e de tantos outros que têm uma história incrível dentro do Carnaval, é claro que eles têm espaço dentro da Beija-Flor. Mas, hoje, estou muito confortável com a equipe que eu tenho e não penso em trocar nenhuma peça.
Dinheiro está diretamente ligada a título?
Carnaval é uma competição de criação. Claro que dinheiro te possibilita mais tecnologia, mais vieses diferentes dentro do mesmo tema, mas quando ele é bem desenvolvido, o resultado vem. Aí eu vou usar a Beija-Flor como exemplo. Em 2018 (Beija-Flor sagrou-se campeã com o enredo “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu”) foi o desfile mais barato da escola dos últimos 12 anos.
Raíssa é a rainha da bateria da Beija-Flor há 18 anos. Até quando vai o reinado dela?
A Raíssa ainda tem alguns anos como rainha de bateria do Carnaval. É uma questão natural. Em algum momento ela vai ter que passar o bastão, como grandes figuras da escola. Esse é um dos maiores desafios de gestão que eu carrego comigo. Antes da Raíssa, já tinha o Neguinho (da Beija-Flor, intérprete), a Selminha (Sorriso, porta-bandeira). E alguma hora eles não estarão mais ali, o que eu vou fazer da minha vida? Então projeto sociais são a base da escola por isso. Raíssa tem engajamento direto com as meninas da comunidade. Váriasdelas têm muita possibilidade de ser rainha da Beija-Flor.
Então a próxima rainha vai continuar sendo da comunidade? Não será uma celebridade?
Vai ser da comunidade, com certeza. Não tem a menor possibilidade de não ser. É uma questão de tradição da Beija-Flor. E, na minha visão, tem que ser eterna.
No mundo sem Covid-19, você vai ao barracão, vai aos ensaios, sua a camisa ou ajuda a escola de dentro do escritório, no ar-condicionado?
No mundo sem Covid, eu sou o cara que vai criar um projeto dentro de um escritório no ar-condicionado para vender a Beija-Flor para aumentar a marca dela, e vou estar às 5h da manhã dentro do barracão para tirar os carros alegóricos e ver se eles estão funcionando. Todos os dias, se precisar.
Você se vê presidente da Beija-Flor?
Eu não me vejo em uma posição diferente da que eu estou atualmente. Se a nomenclatura vai mudar para presidente, conselheiro ou para nada, para mim dá no mesmo. A posição de uma pessoa apaixonada, que tem uma responsabilidade dentro da escola, que tem um papel de liderança independentemente de cargo, não me enxergo distante dessa posição. Se eu fosse presidente hoje, faria exatamente a mesma coisa que faço. Deixaria o diálogo aberto do jeito que sempre foi.
Quem é seu ídolo do mundo do samba?
Meu pai (Anísio Abraão David, presidente de honra da Beija-Flor e bicheiro). Não penso nem duas vezes. É o cara que criou a Liga (Liesa – Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), que idealizou o Carnaval moderno, o cara que lutou arduamente pelos direitos dos artistas, que colocou a arte acima de título. Se hoje esses artistas têm um palco para brilhar, isso se deve à criação da Liga, das brigas que a Liga teve que enfrentar para gerar respeito e valor para esses artistas. E isso se deve muito a meu pai.
Como você vê o Carnaval daqui a 10 anos?
Primeiro teríamos uma marca. Quero fechar os olhos daqui a 10 anos e visualizar uma marca única, que na minha cabeça me remeta diretamente ao Carnaval, em todos os sentidos. Segundo, gerar essa expediência em torno dessa marca, desse conceito, de ponta a ponta. Tanto para o consumidor, que compra ingresso, quanto para as empresas parceiras. O que me motiva em trabalhar com Carnaval hoje e gastar minha juventude com isso, é acreditar que o Carnaval pode chegar lá e voltar a ser grande.