“Me entrego à Justiça divina e à Justiça da terra”, diz João de Deus
Médium se entregou à Polícia Civil de Goias em uma encruzilhada, na BR-060, em Abadiânia: ele estava em sítio da região
atualizado
Compartilhar notícia
Por volta das 16h30 deste domingo (16/12), João de Deus se entregou às autoridades goianas. A defesa do médium negociava a rendição dele com a Polícia Civil de Goiás desde sexta-feira (14/12), quando a Justiça do estado expediu mandado de prisão contra João de Deus. Ele é acusado de abusar sexualmente de centenas de mulheres – alguns atos teriam acontecido há mais de 20 anos. Às 17h55, o comboio policial com o médium chegou à Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), em Goiânia, onde João de Deus prestou depoimento durante quatro horas.
A apresentação do líder espírita à polícia ocorreu numa encruzilhada de uma estrada de terra na BR-060, na zona rural de Abadiânia (GO) – João de Deus teria passado os últimos dias em um sítio na região. Foram ao encontro do médium o delegado-titular da Deic, Valdemir Pereira da Silva, e o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes. Os policiais chegaram ao local marcado para a rendição em três carros e o acusado, no veículo do advogado Alberto Toron, responsável por negociar a rendição com o delegado-geral da Polícia Civil. João de Deus não foi algemado.
A jornalista Mônica Bérgamo, do jornal Folha de S.Paulo, falou com o médium momentos antes da rendição. “Me entrego à Justiça divina e à Justiça da terra”, disse ele, antes de entrar no carro de seu advogado e seguir ao encontro dos investigadores.
Veja vídeos do momento em que o acusado se apresentou aos investigadores:
Veja vídeos dos momentos em que João de Deus chega e deixa à Deic, em Goiânia:
A defesa tem reiterado que João de Deus é inocente e a ordem de prisão, injusta. Seus advogados pretendem ingressar com um pedido de habeas corpus nesta segunda-feira (17). Segundo o advogado Alberto Toron, o mais indicado seria o médium ficar, ao menos, em prisão domiciliar devido à sua idade (76 anos) e por ter dado “uma mostra clara de que respeita a Justiça”.
Cardíaco, João de Deus teria passado mal minutos antes de se apresentar e tomado um remédio sublingual. Uma sala da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), em Goiânia, foi preparada para recebê-lo, mas, após quaro horas de interrogatório, ele foi encaminhado ao Núcleo de Custódia do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. Passará a noite ali, onde ficará isolado por conta da idade e natureza sexual dos crimes dos quais é acusado. Ainda não há informações se, depois, o médium será mantido nessa unidade.
Mais de 300 vítimas e retirada de R$ 35 milhões
A partir das primeiras denúncias, reveladas no último dia 12 no programa Conversa com Bial, da Rede Globo, mulheres do Distrito Federal e mais 13 estados brasileiros, e de seis países, começaram a entrar em contato com o Ministério Público de Goiás. De lá para cá, os promotores colheram 335 relatos de situações nas quais o médium teria se aproveitado da confiança depositada pelas seguidoras para molestá-las e estuprá-las. Após revelarem os casos, as denunciantes passaram a ser atacadas nas redes sociais.
Após a revelação do escândalo, João de Deus teria retirado R$ 35 milhões de contas bancárias. Investigadores identificaram movimentações financeiras também na última quarta, quando surgiram as primeiras acusações desse tipo contra o líder espiritual. A retirada do dinheiro de aplicações fez com que o MPGO e a PCGO decidissem acelerar o pedido de prisão de João de Deus.
Para o advogado Alberto Toron, a informação sobre o saque de contas bancárias é inverídica. “Ele não retirou [sacou]. Ninguém retira essa quantia. Apenas retirou esse valor de aplicações financeiras”, resumiu Toron, no final desta tarde, na porta da delegacia para onde o médium foi levado em Goiânia.
Segundo informou o delegado-geral da PCGO, André Fernandes, estão sendo apurados, paralelamente às denúncias de abuso sexual, indícios de fraudes, extorsão e possíveis crimes correlatos. Ele revelou também que já havia três apurações abertas contra João de Deus antes de os casos de abuso sexuais virem à tona – contudo, Fernandes não os detalhou.
Diligências
O Ministério Público e a Justiça goiana consideravam o médium foragido desde sábado (15), já que a ordem de prisão fora expedida na véspera. Para a Polícia Civil do estado, contudo, ainda estava no prazo para ele se render espontaneamente.
Emitido pela Justiça a pedido do Ministério Público de Goiás (MPGO) e da Polícia Civil de Goiás (PCGO), o mandado de prisão em desfavor do médium, está disponível para consulta na internet. O documento, que estava sob sigilo, foi expedido pela Vara Judicial de Abadiânia (GO) e tem, curiosamente, validade até 12/12/2038. Com a queda do sigilo, João de Deus passou a ser considerado foragido.
Embora negociando com a defesa do acusado, a Polícia Civil de Goiás passou o fim de semana em diligências atrás do médium: os investigadores teriam ido a 30 endereços em Goiânia, Anápolis e Abadiânia, sem, contudo, localizá-lo.
“A partir do ponto em que o indivíduo é procurado em todos os seus endereços e não é encontrado, ele é considerado foragido. Não há nenhuma divergência em relação a isso”, explicou o promotor Luciano Miranda, integrante da força-tarefa montada no MPGO para averiguar todas as denúncias.
Promotoras e promotores envolvidos na apuração informam que os trabalhos da força-tarefa seguem normalmente nos próximos dias, no intuito de continuar realizando as oitivas das vítimas e produzir as denúncias a serem oferecidas contra o líder espírita.
Silêncio em Abadiânia
Apesar de toda a polêmica envolvendo o líder espiritual, a Casa Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus fazia os atendimentos normalmente, permaneceu aberta neste domingo até o horário do almoço. Depois, as atividades foram encerradas.
Durante a manhã, aproximadamente uma dezena de pessoas permanecia no local, a maioria estrangeiros, vestidos de branco. Enquanto alguns faziam orações, outros permaneciam em locais de meditação da Casa. O movimento na cidade é pequenos. Moradores e turistas evitam comentar o caso, mas alguns dizem que o médium não era “flor que se cheire”. A comunidade, especialmente os comerciantes, demostram uma preocupação: como a prisão deve afetar a economia do município, uma vez que o centro espírita mantido por João de Deus recebe, em média, 120 mil fiéis por ano – 40% deles estrangeiros. (Com agências)
As repórteres Manoela Albuquerque e Luísa Guimarães são enviadas especiais do Metrópoles a Goiânia