Investigar autoridade em Goiás pode depender de prévia autorização judicial
Membros do MP e advogados levantam debate sobre a constitucionalidade da matéria, que foi aprovada em emenda jabuti por deputados estaduais
atualizado
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Goiânia (GO) – Autoridades com foro privilegiado em Goiás, como os deputados estaduais, poderão ser investigadas apenas se houver antes autorização judicial, obrigatoriamente. Em silêncio, a Assembleia Legislativa aprovou a polêmica mudança na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criou a Polícia Penal no estado, em dezembro do ano passado. Após ir a público pela imprensa, a “emenda jabuti” levantou discussão nesta sexta-feira (5/2) entre promotores, procuradores e advogados.
Segundo o texto, apenas com permissão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) delegados de polícia e Ministério Público (MP) poderão instaurar investigações contra vice-governador, deputados estaduais, secretários, juízes de primeiro grau, membros do MP, procuradores do Estado e da Assembleia Legislativa, defensores públicos e prefeitos.
Essa é a finalidade da “emenda jabuti”, expressão usada para se referir a situações em que parlamentares colocam em projetos emendas que não estão relacionadas com o tema da norma em discussão, como ocorreu neste caso.
O dispositivo incluiu parágrafo único no artigo 46 da Constituição estadual, segundo o qual nas infrações penais comuns a competência do Tribunal de Justiça alcança a fase de investigação e a instauração de investigação dependerá, obrigatoriamente, de decisão fundamentada.
A estratégia dos parlamentares é usar a emenda como forma de dificultar operações deflagradas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, surfando na mesma onda de duras críticas que vêm crescendo no Congresso Nacional contra investigações, como é o caso da Lava Jato, que foi desmontada nessa quarta-feira (3/2) no Paraná.
Um dos maiores alvos de investigações da Polícia Civil no estado, o deputado Cláudio Meirelles (PL) articulou a PEC, confirmaram fontes, mas, para não ser alvo de críticas perante a opinião pública, combinou que o deputado Álvaro Guimarães (DEM, foto em destaque) assumisse a autoria da proposta.
Pendência no Supremo
O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não levou caso semelhante ao plenário para firmar entendimento sobre a necessidade de prévia autorização judicial para investigação de autoridades, mas há precedentes da Corte nesse sentido em julgamentos isolados.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já entendeu que não há necessidade nem de autorização judicial prévia nem de supervisão, que ocorre em caso de o órgão competente ter que ser imediatamente comunicado após a instauração da investigação.
Integrantes do Ministério Público e advogados levantaram debate acirrado por terem entendimentos distintos sobre o teor da “emenda jabuti”. Alguns assumiram discurso de defesa e outros de crítica.
‘Competência usurpada’
O procurador Helio Telho, do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal em Goiás (MPFGO), disse que os deputados estaduais “usurparam” competência do Congresso Nacional. “A Assembleia Legislativa de Goiás legislou sobre matéria que não é da competência constitucional dela para estabelecer requisito de prévia autorização judicial para abrir investigação criminal”, criticou.
Segundo Telho, a emenda à Constituição estadual tratou de matéria processual penal, que, de acordo com a Constituição Federal, quem só pode ser alterada pelo Congresso Nacional. “O STF vai derrubar essa emenda, como já derrubou emendas em que Assembleias usurpa a função do Congresso Nacional”, disse.
Advogado criminal e diretor do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), sediado no Rio de Janeiro, Pedro Paulo de Medeiros lembrou que o foro por prerrogativa de função só é destinado a casos de autoridades que cometeram fatos inerentes ao cargo ou em razão dele. “Não posso dizer de cara que [a emenda] é inconstitucional ou incompatível com a Constituição Federal”, asseverou.
Obstáculo a investigações
O promotor Fernando Krebs, da atua na Promotoria de Ordem Tributária do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), afirmou que a necessidade de prévia autorização judicial para investigar autoridades dificulta os trabalhos de apuração. “É um obstáculo a mais. Seria desnecessário”, ressaltou. “Não cabe ao Judiciário autorizar a investigação, mas, sim, analisar os pedidos de medidas cautelares que devem ser autorizadas”, emendou.
Krebs, no entanto, disse não ver problema na exigência de autorização prévia para investigar autoridades. “Apenas se evita que a investigação comece em primeiro grau e possa ter alguma nulidade declarada por ter sido iniciada nessa instância, e não no Tribunal de Justiça”, ponderou.
O advogado Bruno Pena também considerou que o assunto não tem posicionamento único firmado no STF, mas ele disse ser favorável à exigência proposta pela emenda. “Sinceramente, depois que vi os abusos da operação Lava Jato, acho até prudente envolver a necessidade de prévia autorização judicial para processamento de autoridades”, ponderou.
A promotora de Justiça Villis Marra, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público do MPGO, disse que “o pior é que é uma emenda jabuti, que tem flagrante vício de inciativa”. “Em Goiás, temos muitos casos de emenda jabuti, que é declarada inconstitucional. Neste caso [mais recente], infelizmente, ainda visa proteger foro privilegiado, que a gente combate há tanto tempo”, afirmou, para continuar: “O Brasil não aguenta mais viver com foro privilegiado, que é, na verdade, foro da impunidade. É muito triste que Goiás encampe uma ideia dessa”.
Silêncio geral
O presidente da Alego, Lissauer Vieira (PSB), promulgou a emenda à Constituição no dia 30 de dezembro. A reportagem não obteve retorno da assessoria dele nem dos deputados Cláudio Meirelles e Álvaro Guimarães.
A PEC da Polícia Penal foi enviada pelo governador Ronaldo Caiado (DEM) à Assembleia Legislativa em agosto. A proposta foi aprovada no dia 28 de dezembro. Na Câmara e no Senado, há projetos de lei que propõem o fim do foro privilegiado.