Investigado por assédio a escrivã diz que gravações estão “fora de contexto”
Policial chama a escrivã Rafaela Drumond de “piranha” em gravação. Ela cometeu suicídio em junho, após casos de assédio em delegacia de MG
atualizado
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A defesa do policial Celso Trindade de Andrade, investigado por assédio moral contra a escrivã Rafaela Drumond, em Minas Gerais, alegou que os registros feitos pela vítima foram “tirados de contexto”.
Rafaela foi encontrada morta pelos pais em 9 de junho, na cidade de Antônio Carlos (MG). A polícia investiga a hipótese de que a policial tenha tirado a própria vida após enfrentar diferentes casos de assédio na delegacia de Carandaí (MG).
A voz de Celso aparece em um vídeo filmado pela vítima no local de trabalho, quando o oficial xinga a escrivã de “piranha” e debocha dela. O advogado Marcelo Chaves, representante do policial, confirmou que é Celso quem fala no registro. No entanto, ele destaca que a gravação foi tirada de contexto.
“O vídeo começa quando o Celso reage, quando ele começa a discutir com a Rafaela. É uma discussão, mas o primeiro momento dessa discussão não foi gravado”, defendeu Marcelo Chaves em entrevista ao portal G1.
A gravação
No vídeo, feito por Rafaela e enviado a amigos, o policial diz:
“Grava e leva no Ministério Público, na Corregedoria, na puta que pariu, nos diabos, leva pra quem você quiser.”
Ao que a escrivã responde:
“Mas eu não vou esquecer do que você me chamou não, tá, querido?!”
Por fim, Celso rebate:
“Ah, de tudo que eu falei, ela tá preocupada com ‘piranha’. É muita cabecinha fraca. É muita cabecinha fraca.”
As filmagens foram feitas dentro da delegacia, mas com a câmera virada para baixo. Por isso, só é possível ouvir a voz dos envolvidos.
Afastamento do trabalho
Celso foi afastado das funções que cumpria após o início das investigações sobre assédio, ao que o advogado chamou de “condenação antecipada”.
“A nossa manifestação após longo silêncio é porque essa condenação antecipada pode ter consequências irreversíveis para todos os envolvidos, inclusive para os familiares da Rafaela”, disse Chaves.
Segundo o advogado, Celso foi submetido a uma junta médica, que considerou que ele não tinha condições de retornar ao trabalho. Desde então, está de licença médica por questões psicológicas.
Relembre o caso
A escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais Rafaela Drumond, de 31 anos, foi encontrada sem vida pelo próprio pai depois de compartilhar com amigos, em mensagens de áudio e texto, o cenário de pressão psicológica e assédio que vivia no trabalho. O caso foi registrado como suicídio.
“Mesmo a gente estando certa, a gente está errada, a gente sofre retaliação. A gente tem medo de falar e, quando fala, é pior ainda pra gente, porque a gente é perseguido”, desabafou a jovem, em mensagens de áudio vazadas nas redes sociais.
Chorando, a policial compartilhou o sentimento de impotência e falta de suporte dentro da corporação, e reclamou do esgotamento causado pela sobrecarga.
“Eu não estou aguentando mais, porrada de tudo quanto é lado. Mostra esse áudio, é pra aparecer mesmo, não vai adiantar nada. Porque o ser humano é um lixo, e daqui a uma semana ninguém vai nem estar lembrando”.
O que diz a família
Procurada pelo Metrópoles, a advogada Raquel Fernandes, representante da família de Rafaela, declarou que tem total repúdio por qualquer tipo de argumentação “leviana” para justificar atos de coerção e violência psicológica contra mulheres, “dentro ou fora do contexto”.
“O enfrentamento a todo tipo de violência contra a mulher é uma pauta fundamental para a construção de relações sociais mais justas e igualitárias”, reforçou.
Busque ajuda
O Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos ou tentativas de suicídio que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social, porque esse é um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o assunto não venha a público com frequência, para o ato não ser estimulado. O silêncio, porém, camufla outro problema: a falta de conhecimento sobre o que, de fato, leva essas pessoas a se matarem.
Depressão, esquizofrenia e uso de drogas ilícitas são os principais males identificados pelos médicos em um potencial suicida – problemas que poderiam ser tratados e evitados em 90% dos casos, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.
Está passando por um período difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode ajudar você. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype, 24 horas, todos os dias.”