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Empresas na mira da PF atuaram em vários órgãos ligados ao PP

Desvio de verbas do MEC para compra de kits de robótica, que pôs assessor de Arthur Lira na mira, é só a ponta de um emaranhado de negócios

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Presidente da Câmara dos Deputados , Arthur Lira (PP-AL) abre a sessão no plenário - Metrópoles
1 de 1 Presidente da Câmara dos Deputados , Arthur Lira (PP-AL) abre a sessão no plenário - Metrópoles - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Mais do que compras suspeitas para escolas públicas e relações duvidosas de um assessor do presidente da Câmara dos Deputados, a rotina de dois entregadores de dinheiro flagrada pela Polícia Federal (PF) desnuda uma rede de pessoas e empresas interligada com outros ministérios e órgãos públicos, e envolvida em contratos milionários com diversos indícios de fraudes e digitais do antigo PP, hoje Progressistas, partido de Arthur Lira.

A investigação da PF, que começou indo atrás do superfaturamento de kits de robótica no Ministério da Educação (MEC) e jogou luz sobre o suposto envolvimento de Luciano Cavalcante, assessor fiel de Lira, esbarrou em outras fornecedoras estatais para obras e serviços, como segurança, limpeza e até coleta de resíduos. No governo federal, essas firmas estão nos ministérios ou foram deles, como, por exemplo, o da Cidades, o da Infraestrutura e o da Agricultura.

Mesmo dentro do MEC, foco inicial dos policiais, os tentáculos vão além dos kits de robótica — e nessas outras frentes também há sinais de irregularidades. Duas instituições federais de ensino sediadas no estado de Lira, por exemplo, puseram dinheiro em uma das empresas investigadas: o Instituto Federal de Alagoas (IFAL) e a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) fecharam mais de R$ 13 milhões em contratos com a empresa BRA Serviços Administrativos Ltda.

A BRA tem como dono o policial civil alagoano Murilo Sérgio Jucá Nogueira Junior. Segundo as investigações, ele é ligado ao endereço onde, no dia da deflagração da operação, a PF encontrou R$ 4 milhões em dinheiro vivo dentro de um cofre. É também proprietário de um carro usado tanto para a entrega de valores no esquema como para a campanha de Lira a deputado nas eleições de 2022.

O contrato mais recente da empresa de Murilo é para prestação de serviços de motorista. Foi assinado em 30 de setembro do ano passado com o IFAL, por R$ 1,2 milhão. Com um detalhe que chama atenção para outras fraudes por trás dos pagamentos de verbas federais às empresas do esquema: uma outra firma do policial, a Reluzir Serviços Terceirizados Ltda, participou da concorrência, dando lances no mesmo pregão, o que indica que o contrato foi fechado a partir de um jogo previamente combinado.

Conexão PP

Em Brasília, a entrada definitiva do grupo de empresas ligadas ao esquema no mercado local de contratos públicos nada tem a ver com o Ministério da Educação — mas também foi marcada por suspeitas. A história começa com uma dispensa de licitação para limpeza de hospitais no governo do Distrito Federal, em 2019. Foi quando a mesma BRA Serviços Administrativos Ltda, à época uma firma forasteira na cidade, ganhou, sem licitação, um contrato de quase R$ 70 milhões na Secretaria de Saúde.

A vitória, inesperada, gerou revolta entre concorrentes locais. Desde então, verificou-se um padrão controverso de ação. O prazo para entrega de documentos para quem quisesse participar da concorrência terminava às 10 horas do dia 6 de junho de 2019. Todavia, a BRA não cumpriu a regra que estava estabelecida. Descobriu-se que as certidões apresentadas foram emitidas nove horas depois — e o sistema do governo aceitou, o que, por si, já apontava para a existência de algum tipo de favorecimento à empresa alagoana.

Os indícios de fraude fizeram a concorrência parar na Justiça, a qual cancelou o edital. O governador Ibaneis Rocha (MDB) chegou a exonerar 20 funcionários em razão do episódio. Mesmo diante do escândalo e da grita das empresas perdedoras, a secretaria lançou mão de brechas legais e insistiu na contratação da firma. O processo foi capitaneado pelo então secretário de Saúde, Osnei Okumoto.

Método repetido

Okumoto tinha acabado de chegar ao governo do DF, trazido do Ministério da Saúde, onde sua trajetória esteve ligada a gestores apadrinhados pelo PP, o partido do Centrão comandado por Lira e pelo senador Ciro Nogueira. A pasta federal havia sido entregue à legenda no governo de Michel Temer. Lá, Okumoto foi nomeado secretário Nacional de Vigilância em Saúde pelo então ministro Gilberto Occhi, homem de confiança do partido, que, antes, tinha passado por outros cargos importantes, como o de ministro das Cidades e o de presidente da Caixa, sempre por indicação do PP.

Após o fim do governo Temer, o partido teve de realocar seus apadrinhados que estavam no ministério. Uma parte deles, incluindo o próprio Occhi e Okumoto, migrou para o governo do DF. Paulo Okumoto assumiu a Secretaria de Saúde. Gilberto Occhi, tempos depois, ganhou o comando do Instituto de Gestão Estratégia de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF), que administra unidades de saúde e hospitais.

Foi nessa época que a empresa alagoana BRA, aquela que tem como dono o policial civil, começou a faturar no governo local. A Secretaria de Saúde não informou até quando o contrato, assinado em 2020, ficou em vigor. Mas, de acordo com o portal da transparência do Distrito Federal, até o mês passado a empresa seguia recebendo verbas públicas.

Só em 2023, a BRA obteve R$ 35 milhões dos cofres do DF. O Tribunal de Contas viu irregularidades nos pagamentos. Auditores que averiguaram a execução do contrato apontaram que o dinheiro foi gasto com um serviço de baixa. Eles viram ainda suspeita de sobra de caixa ou de “ganho ilegítimo por parte da contratada”.

Na investigação da PF sobre os kits de robótica, como mostrou o Metrópoles em primeira mão, dois personagens da política local de Brasília foram flagrados recebendo sacolas do homem da mala que atendia ao esquema das empresas e fazia entregas de dinheiro vivo: o hoje deputado federal Gilvan Máximo (Republicanos), que já foi secretário de Ciência e Tecnologia do DF, e Laurício Monteiro Cruz, que também esteve no Ministério da Saúde e é funcionário da Secretaria de Saúde.

Ambos negaram relação com irregularidades ou que tenham recebido propina por contratos públicos. Gilvan Máximo admite que na sacola que recebeu havia dinheiro, mas afirma tratar-se de pagamento pela venda de dois relógios da marca Rolex ao entregador. O advogado Thiago Leônidas, que defende Laurício Monteiro, disse que seu cliente não tem nenhuma relação com a comercialização de kits de robótica e que encontrou Pedro Salomão, o entregador de dinheiro, para tratar de negócios imobiliários – as pastas cuja entrega a PF flagrou em vídeo, disse o advogado, continham documentos particulares.

Novas linhas

Na esfera federal, os braços do esquema e as mãos do PP também aparecem juntos. A Reluzir Serviços Terceirizados, a empresa que fez dobradinha com a BRA no pregão do Instituto Federal de Alagoas, já ganhou quase R$ 3 milhões da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) para fornecimento de mão de obra para estações em Maceió, como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo. A CBTU, como é sabido em Brasília, é uma estatal que há anos está sob controle de apadrinhados de Arthur Lira.

Há, ainda, outras suspeitas que dependem de novos desdobramentos da investigação. No pedido de prisão dos entregadores de dinheiro, por exemplo, a PF cita o que pode ser um indício de mais uma ramificação do esquema na máquina federal. Trata-se de uma movimentação bancária envolvendo Alexsander Moreira, ex-diretor de Apoio à Gestão Educacional do MEC. Alvo de busca e apreensão, ele é apontado como um dos homens ligados à quadrilha dentro do ministério.

Relatórios de inteligência mostraram transações atípicas na conta de Alexsander, como depósitos fracionados em dinheiro. Os policiais descobriram que ele recebeu R$ 10 mil de um empresário pernambucano que é sócio de empresas já investigadas por suspeita de fraudes em vendas de livros escolares.

Arthur Lira vira alvo

Na última semana, o caso saiu da esfera da Justiça Federal em Alagoas e veio para o Supremo Tribunal Federal, em Brasília, onde correm as investigações contra agentes públicos com foro privilegiado. Isso porque os policiais encontraram documentos com citações ao nome “Arthur” em dois endereços de alvos das ordens de busca de apreensão na operação Hefesto, como revelaram no fim de semana a revista Piauí e o jornal Folha de S.Paulo. Os investigadores suspeitam tratar-se de menções a pagamentos de despesas relacionadas ao próprio Lira.

As anotações estavam com Luciano Cavalcante, assessor do presidente da Câmara, e com o motorista dele. As despesas relacionadas ao nome Arthur somam pelo menos R$ 900 mil. Entre elas  há pagamentos feitos a um hotel em São Paulo onde Lira costuma se hospedar, gastos com alimentação na residência oficial, com automóveis e até com fisioterapia do pai do deputado.

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