Conheça assessora que negociou com Delgatti, hacker que vendia uísque
Amiga de Zambelli, Cris Marin falou de pagamento com o hacker; defesa da bolsonarista diz ter documento que enfraquece tese de Delgatti
atualizado
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A mulher gravada em áudio falando sobre pagamento com o hacker Walter Delgatti é a melhor amiga da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP): a advogada catarinense Cristiane de Brum Nunes Marin, segundo cruzamento de dados feito pelo Metrópoles.
De acordo com a prestação de contas de Zambelli sobre a eleição de 2022, Cristiane está listada como “coordenadora de campanha”. Para os 47 dias do calendário oficial do primeiro turno, a deputada declarou gastos de R$ 30 mil com esse serviço, valor que equivale a cerca de R$ 638 por dia.
Segundo informações da Receita Federal, no entanto, Cristiane não parece ter aceitado a função pensando em dinheiro. A advogada tem ligação com firmas que superam, em muito, a despesa total da campanha de Zambelli, registrada em R$ 2,1 milhões.
A coordenadora de campanha é diretora de duas empresas em Santa Catarina, que, juntas, têm capital social de R$ 17,7 milhões, ambas presididas por seu marido. Se consideradas todas as relações societárias do casal, chega-se a um capital social total de mais de R$ 64 milhões. Como Zambelli explicou ao Metrópoles, Cristiane Marin é sua melhor amiga e participou da campanha por “amizade, idealismo político e amor”.
“Inteligência a serviço da democracia”
O áudio em que a voz de Cristiane é registrada foi entregue à Polícia Federal (PF) pela defesa de Delgatti, no dia 18 de agosto. O advogado Ariovaldo Moreira, que defende o hacker, alega tratar-se de uma prova contundente de que a parlamentar fez transferências financeiras em troca de serviços que envolveriam uma invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e até um grampo no ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A defesa de Zambelli, encabeçada pelo advogado Daniel Bialski, afirma que o hacker é um “mentiroso contumaz”. Diz ainda que a versão de Delgatti sobre o áudio está sendo desmontada nos autos do processo, com provas já entregues aos policiais, em caso que corre sob sigilo.
Bialski explica que, na gravação entregue à PF, Cristiane fala de pagamentos que seriam feitos por um suposto trabalho de gestão das redes sociais da parlamentar. O Metrópoles teve acesso ao catálogo de serviços que foi oferecido pelo hacker – material que, segundo Bialski, está em posse da PF.
Para um documento anexado em uma investigação sobre planos golpistas, a proposta de trabalho da Delgatti Sistemas traz um slogan peculiar: “Delgatti, inteligência a serviço da democracia”. No documento, o hacker enumera uma série de serviços, como “estratégia completa de engajamento de candidatos”, “administração e atualizações em websites” e “defesa de eventuais ataques cibernéticos”. Pelo pacote, com duração de 60 dias, ele sugere uma cobrança de R$ 10 mil.
Pagamentos e uísque
Zambelli explicou que Delgatti foi contratado, mas não conseguiu entregar o que prometeu. “Não fez nada do combinado”. Nisso, a deputada e o hacker concordam. À Comissão Parlamentar (CPI) dos Atos Golpistas o hacker confirmou que veio a Brasília trabalhar nas redes sociais de Zambelli. Alegou, no entanto, que uma decisão judicial derrubando os perfis digitais da parlamentar atrapalhou o trabalho. O Metrópoles publicou uma reportagem com áudios e vídeo sobre o bastidor da atuação de Delgatti nesse período.
A principal prova usada pela PF para embasar o pedido de busca e apreensão contra Zambelli, no começo de agosto, é um extrato do banco digital Cora. No documento, entregue por Delgatti aos investigadores, há uma lista de quatro transações, via Pix, de pessoas próximas à deputada federal. O documento foi obtido em primeira mão pelo Metrópoles.
Os dados mostram que o programador recebeu ao menos R$ 13,5 mil nos meses anteriores e posteriores à invasão do CNJ. “Possivelmente como contraprestação pelos serviços prestados, por meio de interpostas pessoas próximas da deputada”, segundo a PF. No seu depoimento, Delgatti disse que foi “pago para ficar à disposição” de Zambelli.
Ao ser ouvida para esta reportagem, a deputada disse que seu assessor Jean Hernani Vilela resolveu aproveitar a proximidade com Delgatti e o chamar para cuidar, posteriormente, do site da deputada. Afirmou ainda que o assessor transferiu R$ 3 mil para Delgatti, no dia 9 de novembro de 2022, como uma espécie de ajuda de custo. “O Jean ficou com dó do Walter, que dizia que tinha muitas contas para pagar”, alegou a parlamentar.
Segundo Zambelli, esse é o único pagamento de sua equipe envolvendo a prestação de serviços de internet. E os demais, que somam R$ 10,5 mil, transferidos já neste ano, em fevereiro de 2023, seriam todos por um outro motivo ainda não revelado e que nada teria a ver com um golpe de estado: a compra de uísque. O advogado de Zambelli, Bialski, diz que já entregou aos investigadores prints e fotos que comprovariam o negócio etílico.
Esses três pagamentos vieram de Renan Goulart, servidor comissionado da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que atua como assistente parlamentar no gabinete do deputado estadual Bruno Zambelli, irmão da congressista. Goulart já foi secretário parlamentar de Zambelli, cargo em que foi sucedido por Jean, que fez o Pix de R$ 3 mil.
Procurada, Cristiane Marin não respondeu ao Metrópoles, apesar de ter visualizado a explicação do teor desta reportagem.