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Intervenção federal não muda clima de insegurança no Rio

Mais de um mês após início da ação favelas cariocas têm rotina de tiroteios e mortes. Falta planejamento, diz especialista

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Wilton Júnior/Estadão
INTERVENÇÃO FEDERAL / MILITARES / KELNSON’S
1 de 1 INTERVENÇÃO FEDERAL / MILITARES / KELNSON’S - Foto: Wilton Júnior/Estadão

Em vigor há pouco mais de um mês, a intervenção federal na segurança do Rio, cujo objetivo oficial é reverter “o comprometimento da ordem pública no estado”, não mudou o sentimento de insegurança na população. A rotina de tiroteios e mortes se manteve em algumas regiões cariocas, principalmente nas zonas norte e oeste.

Isso é o que mostra levantamento feito a pedido do jornal O Estado de S.Paulo pelo aplicativo Onde Tem Tiroteio (OTT). O Instituto de Segurança Pública do Rio, órgão oficial, ainda não divulgou dados.

Na zona oeste, entre as favelas com mais tiroteios nos 27 primeiros dias da intervenção, estão Cidade de Deus (20) e Vila Kennedy (19), considerada pelos militares um “laboratório” para ações futuras. Na zona norte, um exemplo é o Complexo do Alemão (10), onde morreu há dez dias o bebê Benjamin por bala perdida. No mesmo dia, mais dois moradores também.

A criança, de um ano e sete meses, foi atingida na cabeça enquanto a mãe comprava algodão-doce. “A intervenção não está funcionando. Essa estratégia precisa ser revista”, reclama o pai, Fábio Antônio da Silva, de 38 anos. “Não adianta a polícia entrar na favela e trocar tiros com os vagabundos. Quem paga é o inocente. É preciso ter uma outra forma que não deixe a população no meio dos tiros”.

O caso de mais repercussão foi o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. A violência ainda voltou a locais que tiveram dias mais calmos, como a Rocinha, zona sul. Na quarta-feira, morreram um PM e um morador, durante troca de tiros. Anteontem, operação policial na favela acabou com oito mortos. Em Maricá, Grande Rio, cinco jovens foram assassinados nesse fim de semana.

Segundo o aplicativo mais usado, o OTT, nos primeiros 27 dias da ação federal, foram registrados 354 tiroteios. Nos 27 dias anteriores, foram 404 ocorrências (redução de 12,4%).

Já outro app, o Fogo Cruzado, registrou 672 disparos nos 27 dias depois da intervenção, ante 620 no período anterior (alta de 8,3%). Na mesma comparação pelo app, o total de mortos foi de 114 para 149 (30,7% mais). O Gabinete da Intervenção diz que muitas ações estão sendo postas em prática e que os primeiros resultados devem ser sentidos nos próximos meses.

Críticas
Para especialistas ouvidos pela reportagem, frequentes mudanças de rota da ação federal indicam falta de planejamento. Foi cogitado, por exemplo, o uso de mandados coletivos em favelas e fichamento de moradores – abandonado após críticas. Na última semana, foi iniciada nova fase da intervenção, com ações em rodovias federais e em Angra dos Reis. Já a Vila Kennedy será desocupada pelas tropas em até três semanas.

“É atropelo em cima de atropelo”, critica o antropólogo e coronel da reserva da PM Robson Rodrigues, ex-coordenador geral das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). “E o R$ 1 bilhão (prometido pelo governo federal), sem estratégia, não adianta nada.” Outras operações com militares, segundo ele, não tiveram efeito significativo.

Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Candido Mendes, crê que ainda haverá uma sensação de “alívio” momentâneo. “Existia um problema de vácuo de comando. Isso pode melhorar, mas mesmo uma pequena melhora não é sustentável. Estamos dando um passo para o abismo”.

Reações
Um morador da Vila Kennedy crítico da intervenção, que pediu para não ser identificado, disse que os resultados obtidos até agora mostram que os militares “não estavam preparados” para assumir a segurança do Rio e que o maior problema hoje é a falta de estrutura pública de saúde e educação.

“O que a gente mais deseja são serviços, não força de segurança. Não é arma que vai resolver nosso problema. A Clínica da Família não tem remédio. Nos colégios, faltam professores. No início, apoiamos a intervenção, porque achamos que era por tempo indeterminado. Mas eles dão expediente e vão embora”, relatou.

Já para outro morador, que também topou falar sob condição de anonimato, a comunidade da Vila Kennedy foi pega de surpresa pela informação de que as tropas devem deixar a região em três semanas e teme que os traficantes voltem a controlar o território. “Todos acreditaram que a ação iria durar mais tempo. Agora, o medo impera na comunidade. Quando as tropas chegaram foi um alívio. Ninguém aguentava mais, ninguém conseguia sair de casa”, disse o comerciente de 38 anos.

Defesa
O Gabinete de Intervenção Federal informou que estão sendo tomadas medidas emergenciais, com diretriz do interventor, general Walter Braga Netto, para atingir as metas centrais: reduzir índices de criminalidade, fortalecer as instituições e valorizar autoridades policiais.

Segundo o órgão, várias ações já estão em prática – como a mudança de comando nas polícias e a recomposição das finanças do setor. O gabinete disse acreditar “que os primeiros resultados já serão sentidos nos próximos meses”. Destacou ainda que, “mais importante que os resultados de curto prazo” é o legado de integração dos órgãos de segurança.

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