Inep faz contrato relâmpago de R$ 6,4 mi e fica 9 meses sem serviço
Todo o processo foi concluído em apenas dois meses, rapidez normalmente não alcançada na burocracia pública. Contrato foi firmado em 2020
atualizado
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A diretoria responsável pela aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), fechou um contrato de R$ 6,424 milhões, em velocidade considerada incomum, e passou ao menos nove meses sem sequer usar os serviços contratados. As soluções só começaram a ser aplicadas após a nova gestão assumir a diretoria, em setembro do ano passado.
O acordo para a contratação de serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação foi firmado no fim de 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), entre o Inep e a Blue Soluções Inteligentes, sediada em Brasília. Do total, R$ 5,802 milhões já foram pagos.
O contrato visa garantir instalação, configuração, consultoria e apoio no uso de software de mascaramento de cópias virtuais de dados, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Os sistemas foram entregues ao Inep no início do ano passado e instalados apenas em maio. O atraso na instalação é creditado à realização do Enem.
No entanto, mesmo após a instalação, o Inep ainda usou, por ao menos quatro meses, uma solução caseira para mascarar dados – serviço que deveria estar sendo feito com as ferramentas recém-adquiridas. A Blue indicou, porém, que a nova gestão da diretoria, iniciada em setembro de 2021 pelo diretor Fernando Szimanski, passou a usar as soluções contratadas. O instituto foi procurado para confirmar a informação, mas não respondeu.
As potenciais irregularidades são apontadas em auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), à qual o Metrópoles teve acesso. O órgão fiscalizador revela falhas no planejamento da contratação e potencial desperdício de recursos públicos.
“Velocidade incomum”
O Inep aderiu à ata de registro de preços conduzida pelo Ministério do Meio Ambiente para a contratação dos mesmos serviços e da empresa. Todo o trâmite, desde o termo de referência até a assinatura do contrato, durou menos de dois meses – enquanto outros processos semelhantes foram concluídos, em gestões passadas, em mais de um ano. A celeridade abriu os olhos da CGU, que apontou uma “velocidade incomum” na ação.
Minutas de complexa produção, como o Documento de Oficialização da Demanda (DOD) e o Estudo Técnico Preliminar (ETP), foram realizados pelo Inep em menos de 48 horas, de acordo com a controladoria.
“Em um curto período de sete dias consecutivos, o Inep elaborou o Documento de Oficialização da Demanda e o Estudo Técnico Preliminar, mensurou os quantitativos a serem adquiridos, analisou as soluções, informou a inexistência de softwares livres no mercado, manifestou que o Ministério do Meio Ambiente não havia logrado êxito em encontrar três preços no mercado, autorizou a adesão ao Pregão Eletrônico por Sistema de Registro de Preços – PE SRP nº 19/2020 do Ministério do Meio Ambiente – MMA e teve sua participação inserida no SIASGnet, configurando incomum celeridade do INEP na condução da contratação”, relata a CGU.
A intenção de concorrer no processo foi formalizada pelo então diretor de Tecnologia e Disseminação de Informações Educacionais no Inep, Camilo Mussi, exonerado em abril do ano passado. Ele participou da organização do 1º Enem Digital e, em seu lugar, assumiu Daniel Miranda Pontes Rogério, que deixou o cargo em setembro, às vésperas do exame.
O órgão controlador relata ainda que parte dos documentos produzidos consiste em cópias dos artefatos confeccionados pelo Ministério do Meio Ambiente. Foi o que ocorreu com o DOD e o ETP, por exemplo.
“O ETP é peça relevante para o prosseguimento da contratação, significando peça que descreve as análises realizadas em relação às condições da contratação em termos de necessidades, requisitos, alternativas, escolhas, resultados pretendidos, viabilidade técnica e econômica da contratação. No caso analisado, o Inep meramente repetiu diversas informações que teriam sido copiadas de outro processo de contratação de outro órgão, lançando sombra sobre a efetividade no alcance dos resultados pretendidos com a solução de TIC contratada”, prossegue a auditoria.
Serviços inutilizados
À controladoria o gestor do contrato informou que, até o dia que se desligou do Inep, em junho de 2021, a ferramenta contratada não estava em uso no órgão. Na ocasião, a diretoria era ocupada por Daniel Miranda Pontes Rogério, que, segundo a CGU, não empenhou todos os esforços em organizar e agendar imediatamente as reuniões para a implementação da solução.
O Inep e o Ministério da Educação (MEC) foram procurados, às 12h de terça-feira (4/1), para informar se os softwares estão sendo usados hoje, mas não responderam até a última atualização desta reportagem.
Em conversa com o Metrópoles, o diretor da Blue Paulo Kluge confirmou que as soluções passaram a ser usadas na atual direção, de Fernando Szimanski, e indicou que o ex-diretor Daniel Miranda Rogério teria perseguido seu antecessor, Camilo Mussi. “Temos cerca de 50 e-mails pedindo atenção. A gestão do Daniel paralisou o processo. Tanto que só conseguimos resolver com a terceira gestão [do Szimanski]”, diz.
Maçãs e cebolas
O empresário nega irregularidades no processo de contratação e afirma que as semelhanças encontradas nos documentos ocorreram porque o Inep aderiu à ata de registro de preços do Ministério do Meio Ambiente.
“É como comparar maçãs com cebolas. O Inep foi partícipe do processo. Toda a parte burocrática foi feita pelo Ministério do Meio Ambiente. Então, é uma comparação bem injusta”, afirma. “O relatório também fala de atraso. Esse contrato foi feito no final de 2020. Em janeiro [de 2021], tínhamos 60 dias para instalar, mas eles têm um período no Enem digital que lacram tudo, ninguém pode circular em sala pública. Para nós foi complicado, só conseguimos instalar em maio”, prossegue o diretor da Blue.
Segundo dados do Portal da Transparência, a Blue já recebeu R$ 17.650.115,82 do governo federal. A empresa firmou contratos com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Infraestrutura, além dos próprios Ministério do Meio Ambiente e Inep.
Camilo Mussi também foi procurado para se manifestar. Por telefone, ele ressaltou que a contratação correu normalmente e responsabilizou seu sucessor pela não execução.
“Compramos esse e outros produtos e ficamos aguardando acabar o Enem e, depois, o Sisu. Nós reabrimos o processo, após esse período, e 40 dias depois eu fui exonerado. O produto estava sendo instalado e pronto para ser usado, mas mudou a gestão e o novo diretor não deu sequência. Era um diretor que tinha problemas”, relata.
“A nova gestão de agora assumiu, estudou e viu que o produto atendia às expectativas”, complementou.