Inclusão: professor cria teclado para línguas indígenas brasileiras
Professor da UnB catalogou mais de 100 línguas indígenas e separou elas em 3 grupos, dado o nível de complexidade, para criar os teclados
atualizado
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Em meio a uma escassez de pesquisas no campo da tipografia de línguas indígenas brasileiras, um professor da Universidade de Brasília (UnB) resolveu desenvolver uma proposta de ferramentas para a escrita dos povos originários por meio de teclados para computadores.
O objetivo do projeto é viabilizar a comunicação textual em meios digitais no dia a dia dos indígenas em seus idiomas originários. De acordo com o Censo Demográfico 2010 (os números do Censo 2022 sobre o assunto ainda não foram divulgados), há um total de 274 línguas indígenas faladas por 305 etnias diferentes no Brasil.
Em entrevista ao Metrópoles, Rafael Dietzsch, professor e coordenador do departamento de audiovisuais e publicidade da Universidade de Brasília (UnB), explica todo o processo para concluir o projeto e revela os objetivos futuros na área de pesquisa.
A faísca de interesse ao tema despertou durante o mestrado em design de tipos, na Inglaterra. Mas o professor apenas deu continuidade à ideia no pós-doutorado na UnB, iniciado em 2017. Os resultados do projeto foram apresentados em 2020.
A tese A tipografia das línguas indígenas brasileiras pode ser conferida no repositório da UnB.
Dietzsch destaca que há “mais informação no campo da linguística” sobre as línguas indígenas do que no campo da comunicação visual. Para ele, o projeto é importante para “preservar e perpetuar a identidade desses povos”, garantindo a comunicação na língua materna e evitar uma imposição ao uso do português.
“Então, quando um indígena vem para a universidade, ou para algum lugar para estudar, ele acaba tendo contato com essa língua [português] e acaba, às vezes, sendo alfabetizado. E aos poucos vai perdendo o contato com a língua materna. É assim não só no Brasil, mas também em outros países do mundo”, explica.
Catalogar para criar teclados
Na tese, Dietzsch analisa a “particularidade” da ortografia das línguas indígenas brasileiras. Isso porque a maioria delas utiliza “caracteres acentuados pouco comuns ou, até mesmo, ausentes em grande parte das fontes tipográficas digitais disponíveis”.
Das 274 línguas indígenas existentes e faladas no Brasil, o professor conseguiu catalogar 111, que foram divididas em três grupos dado ao nível de complexidade (entenda abaixo). Ele customizou duas fontes existentes — Chivo e Faustina — para elas funcionarem em línguas indígenas.
As duas famílias de fontes são capazes de escrever diversos caracteres usados nas línguas indígenas brasileiras não codificados no Unicode — sistema de codificação de caracteres de comprimento fixo que inclui caracteres da maioria das línguas vivas do mundo.
Para levantar os dados, o professor da UnB estabeleceu um recorte: analisar as línguas indígenas que têm uma ortografia estabelecida. A partir disso, ele reuniu informações de dicionários, publicações (livros, revistas etc) e questionários aplicados com linguistas.
Todo o projeto, das informações catalogadas até as tipografias desenvolvidas, está disponível na internet. Para acessá-lo, clique aqui.
Confira os três grupos das línguas catalogadas:
- línguas que usam o layout de teclado ABNT
- línguas que têm caracteres que dependem de outros layouts de teclado, além do ABNT
- línguas que utilizam caracteres não codificados pelo Unicode, ou seja, precisam de combinações que não existem nos teclados convencionais (ex: o g com til)
Depois de catalogar, ele criou três teclados (um para cada grupo) que são capazes de comportar as 111 línguas indígenas estudadas. Contudo, conforme o professor, “o ideal seria a construção de um teclado para cada língua individualmente”.
“O ideal seria que houvesse um teclado para cada língua individualmente, com uma documentação do ponto de vista da informática para que tivesse suporte linguístico adequado”, analisa Dietzsch.
Confira abaixo como funciona um dos teclados:
Aulas na UnB e planos futuros
Ao Metrópoles, o professor revelou que deseja continuar o projeto e oferecer oficinas com estudantes da Universidade de Brasília para desenvolver teclados experimentais para as línguas do grupo 3 (com maior nível de complexidade).
Além disso, Dietzsch enxerga uma possibilidade de dialogar com o governo federal, seja o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) ou a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Ele confessa que, por ser coordenador do DAP, não conseguiu dar o foco necessário para perpetuar a pesquisa desenvolvida no pós-doutorado. “É só uma questão de retomar isso”, diz.
“Como sou coordenador de curso da universidade, me falta um pouco de tempo para me dedicar à pesquisa. Mas, é uma coisa que eu resolvi retomar esse ano”, afirma Dietzsch, acrescentando que vai elaborar uma disciplina para os alunos conseguirem estudar sobre o tema com “uma bagagem técnica melhor para conseguir produzir resultados significantes”.