Incertezas inundam educação no RS: “Quero retornar para escola logo”
53% das escolas no Rio Grande do Sul foram danificadas pelas enchentes. Escolas se mobilizam para minimizar danos com educação
atualizado
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De acordo com a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, quase 400 mil alunos gaúchos foram impactados pelas enchentes que assolaram o estado desde o fim de abril. No total, 1.095 escolas foram afetadas, ou seja, tiveram o funcionamento impactado de alguma forma.
Desse número, mais da metade – 53,78% – estão danificadas. Apesar disso, a maior parte dos colégios passaram pelo processo de retorno à aulas, seja de forma presencial, em espaços alternativos, de forma remota ou híbrida.
O Metrópoles conversou com estudantes, diretores de colégios estaduais e com o vice-presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS) sobre a situação atual da educação no estado. A perspectiva para a retomada pedagógica após mais de um mês sem aulas preocupa alunos, professores e funcionários.
“Quero retornar para a escola logo”
Em Porto Alegre (RS), a Escola Emílio Massot ficou alagada durante 9 dias. “Todo o espaço ficou tomado por lama. Refeitório, sala de aula, parte administrativa, uma sala de audiovisual, perdemos o imobiliário, livros de literatura… enfim. Foi tudo completamente tomado por lama”, relata João Alberto Rodrigues, diretor do colégio.
Cerca de 750 estudantes, entre Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Adultos (EJA) e Ensino Técnico, ficaram 30 dias sem aula por conta da enchente.
Thiago Lugerte, de 17 anos, é aluno do 3º ano do Ensino Médio da Escola Emílio Massot. Ele conta que, ao ver fotos e assistir vídeos do colégio inundado, se sente perdido.
“Foi muito triste e decepcionante olhar para tudo aquilo e ver vários objetos e coisas importantes sendo levadas pela água. É meu último ano. Aprendi muita coisa ali”, lamenta.
Veja:
O processo de limpeza, que durou 21 dias – de 31 de maio a 20 de junho –, finalmente chegou ao fim. Segundo o diretor João Alberto Rodrigues, apesar disso, ainda não há previsão de quando o novo mobiliário, materiais escolares e eletrodomésticos serão entregues.
Entretato, o colégio se preparou para reabrir as portas na última segunda-feira (24/6).
“Nós tiramos algumas cadeiras e mesas de estudante das salas não afetadas para colocá-las nas que perderam mobiliário e parte do que foi atingido consegimos recuperar. Para além disso, recebemos doações de uma outra escola estadual, que vai nos possibilitar ter pelo menos 30 conjuntos em cada sala”, explica.
De acordo com ele, há uma certa ansiedade para o retorno presencial, tanto por conta da área pedagógica, já que muitos estudantes da rede pública não têm acesso a ferramentas como internet, celular e computador, quanto pela sociabilização dos alunos.
“A escola é um espaço de cuidado, de atenção, de sociabilização onde eles podem estar de forma segura. Quanto mais tempo a escola fica fechada, mas o estudante deixa de ter acesso a um espaço seguro e de crescimento”, pontua o diretor.
Thiago Lugerte se diz animado para voltar à escola, já que afirma nem se lembrar de qual tinha sido a última vez que teve aula. “Quero retornar para escola logo. Me rebuscar no que eu perdi”, finaliza o estudante.
Reconstrução de escolas, garantia de emprego e salário
No início do mês de junho, o governo do Rio Grande do Sul anunciou R$ 46,6 milhões para a reconstrução das escolas. Segundo o último relatório divulgado, o estado tem 399.771 estudantes impactados pelas enchentes.
Para Alex Saratt, vice-presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS), o valor ainda não é suficiente. “As demandas que as escolas têm apresentado são reais. A destruição realmente foi muito grande. Tivemos prédios que ficaram 20, 30 dias alagados. Os recursos liberados parecem que ainda não são o suficiente”, afirma.
“As escolas foram atingidas e algumas destruídas. As escolas, muitas vezes, precisam ser reconstruídas em outros lugares, porque a área onde elas se localizavam não é segura. Nós tínhamos escolas, já das outras enchentes, que necessitavam de obras, reparos, reformas, e do qual não houve empenho, nem administrativo e nem de verbas”.
A preocupação do sindicato é, principalmente, com reconstrução de escolas, garantia de emprego e salário para professores, funcionários e aposentados, a necessidade de um reestruturação pedagógica pós tragédia e a sobrecarga emocional.
“A gente tem que reconhecer as dificuldades com honestidade, com sinceridade, e ver essa ordem de prioridades: reconstrução, manutenção das escolas, reajuste salarial e infraestrutura pedagógica adequada”, diz Alex Saratt.
Por fim, o vice-presidente do sindicato chama atenção para a necessidade do desenvolvimento de uma pedagogia de acolhimento.
“Não é hora de conteudismo. O conteúdo, inclusive, vai ter que ganhar uma outra roupagem, uma outra dinâmica, para poder dialogar com esses traumas. Agora não é prioridade preencher planilha e entregar nota. Nós viemos de um momento de pandemia que deixou muitos atrasos, deixou muita coisa a vencer. Esse episódio de agora vai trazer isso novamente”.
Educação sem previsão de retorno presencial
“A tragédia na educação já vem acontecendo há muito tempo. Eu chego até a pensar que a enchente não abalou tanto a educação, porque ela já estava muito abalada. Então, o que vai piorar é a aprendizagem das crianças”, afirma Marcio Koehn de Freitas, diretor Escola Estadual Presidente Roosevelt, localizada em Porto Alegre (RS).
A escola ficou alagada por quase 10 dias. A água chegou à altura de 1m20.
Como consequência da enchente histórica, 700 alunos ficaram mais de 40 dias sem aulas. Elas retornaram, de forma remota, no dia 12 de junho.
Apesar dos esforços, segundo o diretor, entre 20% e 30% deles não conseguem acessar às aulas on-line. “Para aqueles que não têm condição nenhuma de acessar uma aula on-line, nós vamos produzir material em papel”, conta Marcio.
“O déficit [educacional] vai acontecer, isso é inegável. Não tem como recuperar neste ano. Ruim é para quem está se formando, para eles é irrecuperável. O resto são gerações que vão ficar marcadas por essa tragédia, inclusive na parte pedagógica. Esse déficit eu acho que em uma geração não se recupera”, opina Marcio Koehn.
Por morar perto do colégio e apesar de ter que deixar sua casa, que também alagou, sempre que conseguia, o diretor tentava entrar na escola, para salvar alguma coisa.
“O cenário era horrível, desolador. Tudo com lama. Tinham algumas coisas, de menos valor, que nós colocamos para cima das estantes e a água balançou e essas coisas caíram. O que a água não destruiu o mofo estava destruindo”, relembra.
Quando a água finalmente começou a abaixar, primeiro, veio o entusiasmo.
“Agora, eu vou poder começar a limpar e começar, realmente, a ter medida dos danos”, pensou o diretor. “A partir do momento que nós abrimos as portas, eu e a equipe, e adentramos no prédio, ficamos mais ou menos uns 15 minutos sem falar nada, porque foi um choque muito grande, uma coisa que eu jamais pensei em ver”, conta Marcio.
No momento, a Escola Estadual Presidente Roosevelt passa pelo processo de limpeza, ainda sem previsão de término, assim como o retorno presencial dos alunos, professores e funcionários. O diretor, entretanto, tem esperanças de que a comunidade se reorganizará.
“Nós vamos conseguir nos reerguer, mas eu acho que por uma questão de força pessoal e não por uma atenção do governo. Poderia ser diferente”.